Por
Kadu Santoro
“O
cristão do futuro, ou será místico ou não será cristão.” Essa frase foi dita
por Karl Rahner, um dos maiores teólogos católicos do século XX, frente a
grande crise de paradigmas e sentido vivida pelas religiões mundiais, como
descreveu claramente seu colega do Concílio Vaticano II, o Papa João Paulo II:
“É importante observar que um dos aspectos mais significativos de nossa
situação atual é a chamada crise de significado. As visões da vida e do mundo,
frequentemente de natureza científica, proliferam a tal ponto que nos vemos
diante de uma crescente fragmentação do conhecimento. Isso torna a busca de
significado difícil e, frequentemente, infrutífera.”
Constantes
e radicais mudanças já vem ocorrendo desde o início desse século no campo de
domínio das religiões espalhadas pelo mundo. Porém, ainda seja um pouco cedo
para termos clareza completa a respeito de tudo o que está realmente acontecendo
e gerando essa grande crise de significado e banalização do sagrado.
Acredito
que haverá em todas as religiões, sobretudo naquelas que se afastaram da sua
vocação mais sublime de despertar a plena consciência através da experiência
mística, um retorno significativo à suas raízes. A causa principal que vai
gerar esse retorno, será justamente a descoberta progressiva por parte dos
líderes dessas religiões, das evidências levantadas por áreas contemporâneas de
pesquisas como a parapsicologia, a física quântica, as ciências noéticas e a psicologia
transpessoal, as quais constituem sem sombra de dúvida, importantes ferramentas
de confirmação em termos científicos de muitos textos sagrados encontrados em
todas as religiões antigas, que se referem a visões proféticas, milagres,
carismas e à iluminação entre outros inúmeros fenômenos metafísicos; isto
aliás, põe um ponto final no ceticismo levantado pelo movimento racionalista
filosófico e científico sobre essa fenomenologia, já que a comprovação do seu
caráter real foi feita através de métodos puramente racionais e científicos
dentro dos padrões do paradigma Newtoniano-Cartesiano, de ordem mecanicista.
Com isso, vamos observar uma reaproximação progressiva da ciência com as
tradições espirituais. Ao mesmo tempo, as religiões que se afastaram das suas
próprias fontes primordiais, irão reencontrar a sua própria tradição. Essas
duas formas de aproximação irão também influenciar em todo o escopo das
teologias que no ocidente assumiram uma forma inteiramente racional e
fundamentalista.
Existe
também um outro motivo muito positivo para essa aproximação entre as religiões.
São nos inúmeros encontros inter-religiosos que os representantes das mais
diferentes religiões procuram pesquisar os seus diversos pontos comuns e chegam
a conclusões, que seriam inimagináveis ainda há algumas décadas. Podemos ver
esse avanço em uma declaração do teólogo John Hick, quando afirma que as
religiões, cada uma delas, são totalidades complexas de resposta ao divino...
“com suas diferentes formas de experiência religiosa, seus próprios mitos e
símbolos, seus sistemas teológicos, suas liturgias e sua arte, suas éticas e
estilos de vida, suas escrituras e tradições – todos elementos que interagem e
se reforçam mutuamente. E estas totalidades diferentes constituem diversas
respostas humanas, no contexto das diferentes culturas ou formas de vida
humana, à mesma realidade divina, infinita e transcendente.”
Por
outro lado, temos que reconhecer a existência atual de um crescente movimento
oposto a estes encontros inter-religiosos, que se traduz pelo aparecimento dos
fundamentalismos em praticamente todas as religiões atuais em especial nas
religiões de caráter monoteísta, o judaísmo, o cristianismo e o Islamismo. O
recrutamento dos seus seguidores fiéis é realizada nas camadas mais ignorantes
e pobres da sociedade. Fundamentam suas doutrinas ao pé da letra e não no seu
aspecto simbólico ou metafórico, ou seja, no seu sentido mais profundo.
Provocam tumultos e promovem disputas e divergências doutrinárias entre seus
líderes, e seus fiéis vivem de forma sectária e exclusivista, cultuando a
prosperidade e mordomias terrenas. Chegam ao ponto de matarem em nome de Deus
em função de suas convicções fundamentalistas, como disse F. Nietzsche: “As
convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras.” Porém,
já existem também tentativas de aproximação entre líderes fundamentalistas, e
observa-se que depois do primeiro choque de encontro, diante da constatação da
existência de outras interpretações dos textos sagrados, opera-se uma evolução
no sentido de maior abertura, mas só o futuro nos dirá se estes esforços serão
coroados de êxito e em que proporções.
O
caminho para a tão desejada aproximação entre as religiões, será a via mística,
a vereda menos percorrida, pois requer um profundo e contínuo mergulho dentro
do Ser, ou seja, um encontro com o nosso Eu Interior, aquela centelha divina
que habita em nós e é parte do Todo. O misticismo está presente em todas as
religiões, mantém com elas uma espécie de “independência”, ou seja, tem pouco
que ver com a experiência propriamente religiosa (ou numinosa) da fé. Porém, o
que há de comum entre as experiências mística e religiosa, é que quem a procura
deseja, antes de tudo, libertar-se das amarras e das limitações da razão,
transcendendo-a com um mergulho numa dimensão misteriosa, cósmica. A
característica comum entre os misticismos encontrados em todas as religiões é,
além da busca de transcendência, a da união íntima com Deus, com a divindade,
com o Sagrado, com a realidade última, ou ainda, com alguma crença oculta, além
e acima da razão. Essa união consiste no apogeu da via mística, que antes de
ser plenamente alcançada passa pelos estágios da purgação e da iluminação. Por
meio de diversas práticas, escritos e experiências do sentido, o místico
alcança a união com a divindade de forma tão intensa, que, enquanto dura, como
que o despersonaliza da condição mortal, experiência descrita como uma verdadeira
“intoxicação”, o mergulho tão profundo no Divino descrito pelos místicos como o
“nada que é”.
Segundo
C. G. Jung, a pessoa que atingiu alta maturidade psicológica é sempre um
místico. Não há ninguém na face da terra mais maduro do que um místico [...] E
Jung observa que o místico é aquele que não tem nostalgia do passado e muito
menos ansiedade diante do futuro.
O
misticismo, segundo Margaret Smith, “ultrapassa a religião, pois aspira a união
íntima com o divino feita com a alma, a uma anulação da individualidade, com
sua maneira habitual de agir, pensar e sentir, na divina substância. O místico
é aquele que almeja transcender tudo o que é fenomenal e todas as formas de
realidade comum, para se transformar no Ser, ele próprio.
A
solução é mesmo o retorno às raízes das religiões primitivas, onde essas não
enfrentam oposição ao misticismo, que só surgiu quando o homem foi capaz de
mergulhar dentro de si mesmo, numa reflexão mais profunda sobre sua condição, o
que ocorreu como consequência da sua gradativa capacidade de abstração e
subjetividade, capacidades que são agudas na via mística. Ela por fim, decorre
do fato de que o místico não está condicionado por um sistema teológico rígido
e menos ainda por ritos consagratórios: a união mística é, assim, a abstração
desses condicionamentos levada ao ponto extremo. É nesse estágio que Jesus diz
que Ele e o Pai são UM.
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