sábado, 30 de janeiro de 2010

Um breve estudo sobre a canonicidade do primeiro e segundo testamentos



O CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

A primeira especulação sobre a possível reunião e catalogação de livros supostamente sagrados, ou seja, inspirados por Deus, teria sido feito por Esdras no período de Neemias, reunindo os escritos desde a época de Moisés até o período dos profetas, onde o Cânone da época era composto de aproximadamente 22 à 24 livros em hebraico, onde na Bíblia dos Cristãos representavam 39 livros, como já se verificava por volta do século IV DC. A discussão sobre as questões relacionadas à autenticidade do Cânon do Antigo Testamento geraram quatro terminologias: a primeira era homologoumena, quando os determinados livros eram aceitos por todos, a segunda era antilegomena, para a série de livros que em certa ocasião ainda eram questionados, como por exemplo o Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Ester, Ezequiel e Provérbios, uma terceira chamada de pseudoepígrafos, usado para os livros não bíblicos rejeitados por todos e considerados falsos escritos, e por último, os apócrifos, que eram livros não bíblicos aceitos por uns e rejeitados por outros, considerados escondidos ou duvidosos.

O Cânone do Antigo Testamento ( hebraico ) só foi aceito através do Concílio de Jâmnia no ano 90. Mesmo assim, houve muita resistência em relação a determinados grupos de judeus, como os de Alexandria ( Egito ). Ficou então decidido neste concílio, a rejeição de vários livros e escritos que eram considerados apócrifos, obras literárias que não apresentavam evidências de inspiração Divina. Mesmo assim, esse concílio teve o objetivo apenas de confirmar basicamente, aquilo que de certa forma já era aceito ao longo dos séculos pelos judeus.

Não havia ainda até o quarto século uma definição oficial quanto ao Cânon do Antigo Testamento. Esse exaustivo trabalho de avaliar a canonicidade destes livros ficou nas mãos dos Pais da Igreja. Entre eles havia muitas divergências em relação a composição do Cânon, por exemplo: Melitão, Cipriano e Rufino, optavam pelo Cânon Hebraico ( composto por 39 livros, excluindo os deuterocanônicos ), já Irineu de Lion, Justino e Agostinho, defendiam a posição do Cânon Alexandrino, que era baseado nas traduções da Septuaginta ( LXX ) composto por 46 livros, incluindo os deuterocanônicos.

Podemos concluir, que, o processo de canonicidade do Antigo Testamento, levou mais de quatro séculos para se chegar parcialmente a alguma conclusão. Tendo em vista que a versão mais aceita no meio da igreja e dos pais apostólicos foi a versão baseada na septuaginta, a do Cânon Alexandrino, essa que através de Jerônimo, foi feita as primeiras traduções latinas, como a Vetus Latina e a Vulgata ( utilizada até os dias de hoje pela Igreja Católica Apostólica Romana ).


O CÂNON DO NOVO TESTAMENTO

Para os Cristãos da comunidade cristã primitva, o acontecimento Jesus, foi uma confirmação de todo o testemunho do Antigo Testamento, logo, as palavras utilizadas por eles não poderiam ir de encontro com a das leis dos profetas. Para o Bispo e historiador Eusébio de Cesaréia, os apóstolos e evangelistas, nunca tiveram em mente deixar qualquer relato por escrito. Porém, havia uma grande necessidade em função das testemunhas oculares, como os apóstolos João e Pedro ainda estarem vivos, de começarem a escrever tudo o que havia passado naqueles dias de Jesus conforme seus relatos. Em função disso que se começou a fazer através dos evangelhos as narrativas sobre a vida de Jesus, e logo em seguida com a conversão do apóstolo Paulo e sua caminhada missionária suas cartas e epístolas.

Diferente do Cânon do Antigo Testamento, que levou aproximadamente 1500 anos para serem escritos e mais ou menos 500 anos para afirmar sua autenticidade, o Cânon do Novo Testamento levou apenas 100 anos para ser escrito, formando um conjunto de 27 livros, porém ainda não era autorizado e nem considerado sagrado segundo os Pais Apostólicos. Assim como o Cânon do Antigo Testamento, o do Novo Testamento também levou muito tempo para ser considerado autêntico.

O Cânon Muratoriano, foi a primeira e mais antiga referência sobre o Cânon do Novo Testamento, encontrado pelo sacerdote italiano Ludovico Antônio Muratori no séc. XVIII, datado do séc. II. Ele consistia em um manuscrito onde se encontrava relacionados os quatro evangelhos, as cartas Paulinas, epístolas de Judas, I e II João e o Apocalipse.

Alguns livros como Hebreus, Judas, Apocalipse II e III João e II Pedro, sofreram muitas controvérsias em função da autenticidade canônica, logo passaram a serem chamados de deuterocanônicos do Novo Testamento.

Podemos encontrar pela primeira vez na epístola 39 de Atanásio de Alexandria a lista completa dos livros do Novo Testamento conforme ainda é usado até os dias de hoje. Esta lista também foi confirmada por alguns documentos posteriores como o Decreto Gelasiano, e os Cânones de Hipona e Cartago III e IV. Lutero também questionou alguns livros do Novo Testamento, mas suas idéias acabaram sendo rejeitadas.

Podemos concluir que da mesma forma que o Cânon do Antigo Testamento foi muito questionado na sua elaboração, e mesmo assim ainda hoje há muitas controvérsias, assim também foi com os critérios e meios de avaliação da canonicidade do Novo Testamento, que foi analisado em meio a muitas linhas de pensamentos diferentes, como a dos Pais orientais e os ocidentais, sendo que sempre predominou a visão dos Pais Alexandrinos, até os dias de hoje.


CONTROVÉRSIAS SOBRE O CÂNON DO ANTIGO TESTAMENTO

As controvérsias em torno da aceitação do Cânon do Antigo Testamento, levaram com que tais livros e manuscritos fossem classificados em quatro categorias distintas:

1 º) Homologoumena ( livros aceitos por todos ): São aqueles livros que sempre foram considerados e aceitos pelo povo de Deus ao longo da história e que foram produzidos pelas mãos de profetas e homens inspirados por Deus, sem serem jamais questionados pelos rabinos e estudiosos da época. Estes são formados por 39 livros, sendo que desses 39, cinco são excluídos, são os seguintes livros: Cântico dos Cânticos, Eclesiastes, Ezequiel, Ester e Provérbios, sendo que nenhum destes livros foram alvo de severas objeções.

2º) Antilegomena ( livros questionados apenas por alguns ): São aqueles livros excluídos sem muita crítica no primeiro momento. A partir dos séculos seguintes, surgiu e desenvolveu-se uma linha de pensamento diferente dentro do judaísmo, que passou a questionar, entre outras coisas, a canonicidade de certos livros do Antigo Testamento, que antes já haviam sido considerados canônicos. Por fim, tais livros foram reconduzidos ao cânon sagrado, simplesmente por serem considerados inspirados por Deus. Porém, entanto, em vista de tais livros terem sido difamados naquela por alguns rabinos, e passaram-se a se chamar Antilegomena.

3º) Pseudoepígrafos ( livros questionados por todos ): Havia um grande número de livros e tratados religiosos espúrios que circulavam na antiga comunidade judaica, esses eram chamados de pseudoepígrafos. Nem todos esses escritos eram considerados falsos. Eram considerados fantasiosos ou de tradições místicas e religiosas. O fator mais corrosivo em relação a estes escritos, é que alguns elementos da verdade eram apresentados com palavras de autoridade divina, num contexto fantasioso, que em geral era rechaçado de heresias teológicas. Os pseudoepígrafos são formados por dezessete livros, sendo que esta lista não é completa e fechada. Alguns destes livros são inofensivos teologicamente, porém outros contém erros históricos e claras heresias teológicas.

4º) Apócrifos ( livros aceitos por alguns ): Estes eram os livros mais discutidos sem dúvida entre os cristãos. Eles tinham um caráter oculto e de difícil compreensão. Passando posteriormente a tomar um sentido esotérico, ou algo que somente os iniciados poderiam entender, como os Gnósticos a utilizaram. Eles eram considerados os livros não canônicos do Antigo Testamento. A lista dos apócrifos era em torno de quinze livros, alguns desses livros foram aceitos pelos Católicos Romanos e rejeitados pelos Protestantes e Judeus. A discução sobre esses livros perdura até os dias de hoje, entre estudiosos, exegetas e autoridades religiosas.

Houve também muitos questionamentos sobre a canonicidade do Antigo Testamento a partir do século IV, seguido de vários concílios para debaterem essa legitimidade.

Podemos concluir que, mesmo o cânon já sendo considerado fechado e aceito no mundo cristão nos dias de hoje, muitas lacunas ainda não foram fechadas e ainda existe muito campo dentro da exegese, do estudo da crítica das formas e das reflexões teológicas partindo de um novo olhar através do contexto vivencial daqueles séculos passados onde foram sendo construídas essas muralhas em torno das escrituras sagradas.



Bibliografia:
http://introduobiblica.blogspot.com/2007/09/aula-7-extenso-do-cnon-do-antigo.html.
http://gotquestions.org/Portugues/canon-da-biblia.html.
http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2non_b%C3%ADblico


Kadu Santoro

Contemplação noturna


Lua sincera
sincera incerteza noturna

Silenciosa e romântica
destaque entre as nuas
e límpidas estrelas

Rainha vunerável
de todas a mais amável

Alva e misteriosa
pálida e sombria

Lua que te quero nua
nua no seu silêncio
no seu todo insípido
e suave nuance

Bela e iluminada
sempre Lua
Inspiração dos místicos,
poetas e românticos


Kadu Santoro

MESTRE ECKHART: MÍSTICA E ESCOLÁSTICA


Também na alta escolástica, espiritualidade do intelecto e do coração — a mística, andam juntas. E esta não é, como muitas vezes se crê, um domínio totalmente diferente, mas algo de conexo e aparentado. Assim, se as Sumas desenvolvem mais largamente só o método racional, isso o foi por motivos didáticos e não significa não fosse possível, na realidade, uma unidade viva entre pensamento conceptual e sentimento religioso. Exatamente com Echardo, o místico por excelência, pode-se ver como “’escolástica. e mística em substância concordam” (B. Seeberg). Para conhecermos a escolástica devemos conhecer Echardo, e para conhecermos Echardo é mister conhecer a escolástica.

V i d a

Mestre Echardo (Meister Eckhart — 1260-1327), originário dos Echardos de Hackheim, foi membro da ordem dominicana, estudou em Paris, veio a ser Mestre em teologia, ocupou mais tarde uma posição de relevo na sua ordem visitando, por isso, vários conventos. Nessa ocasião fez aquelas prédicas que o celebrizaram e contribuíram para o desenvolver-se de um novo movimento místico. Por curto tempo ensinou em Paris e, ao fim de sua vida, também em Colônia. Nos últimos anos levantaram-se dúvidas sobre a ortodoxia, em matéria de fé, dos seus escritos. Eram procedentes, parte, dos franciscauos, parte, da sua própria ordem. O arcebispo de Colônia dirigiu o processo eclesiástico contra ele. Echardo defendeu-se e apelou ao Papa (o escrito da defesa foi descoberto e é rico de informações sobre a conduta do Mestre). Dois anos depois da sua morte teve, não obstante o processo, lugar a condenação de 2S teses da sua doutrina. A Igreja na sua sentença reconheceu expressamente ter sido o Mestre bona fide Nenhuma resistência ofereceu Echardo contra a Igreja. No escrito da sua defesa está dito: “Tudo quanto nos meus escritos e palavras é falso, sem ter eu disso ciência, estou sempre pronto a ceder a um melhor sentido… Pois errar posso eu, mas ser herege, isso não o posso; pois errar é do intelecto, mas ser herege é por vontade”.

Obras

A maior parte das obras de Echardo são em latim e versam questões teológico-filosóficas. A obra principal é o incompleto Opus tripartitum. Vêm depois as Quaestiones Parisienses. Muita cousa ainda está inédita. Enquanto não se publicar tudo não se pode fazer juízo definitivo sobre Echardo. Entre as obras em alemão se colocam em primeiro lugar as suas Prédicas. Conservam-se em cópias. — Edições: J. Quint, Die Überlieferung der deutschen Predigten Meister Eckharts (1932). A edição de Pfiffer (1857) é defeituosa. A tradução von Büttner é reconhecidamente má. Em via de publicação: Magistri Echardi. opera latina. Ed. Instit. S. Sabinae in urbe, Leipzig (1934 ss.); e Meister Eckhart. Die lateinische und deutschen Werke, Ed. feita por ordem da Deutsche Forschungsgemeinschaft, Stuttgart (1936 ss.).

Bibliografia

O. Karrer, Meister Eckart. Das System seiner religiösen Lehre und Lebensuceisheit. Textbuch aus den gedruckten Quellen, mit Einführimg (1926). M. Grabmann, Neu aufgefundene Pariser Quaestionem Meister Eckharts und ikre Stellung in seinem geistigen Entwicklungs-gange. (Abhandlugen der Bayr. Akad. der Wissenschaften, München, 1927). G. Della Volpe, II misticismo speculativo di maestro Eckhart nei suoi rapporti storici (1930). Al. Dempf, Meister Eckhart (1934). Herma Piesch, Meister Eckharts Ethik (1985). W. Bange, Meister Eckarts Lebre vorn gòttlicheii und geschopflichen Seiti (1987). H. Eeelixg, Meister Eckharts Mystik (1947). Studien num Mythus des 20. Jahrhunderts (1934).

a) Bases espirituais

?) Neoplatonismo. — É necessário, sobretudo com Echardo, indicar as bases do seu pensamento. É, primeiro, o neo-platonismo e o seu círculo de idéias, como Echardo o recebeu dos Padres, sobretudo de Agostinho, do PseudoDionísio, de Máximo Confessor; e, depois, de Eriúgena, da escola de Chartres, da filosofia árabe, do Liber de causis, do de intelligentiis e, mais que tudo, de Alberto e da sua escola.

?) A escolástica. — Mas tão decisivo, ao menos, para o pensamento de Echardo é a teologia escolástica, principalmente Tomás de Aquino. Basta lançar um olhar sobre os lugares aduzidos no Textbuch de Karr, para logo verificar essa influência, pelas muitas citações de Tomás. Também o Comentário das Sentenças, reeém-descoberto por .T. Ivoch, move-se nessa mesma linha. Muita cousa, que intérpretes mal informados de Echardo tomaram como panteísmo e arrogância nórdica, é patrimônio da doutrina escolástica da Trindade, da graça e da especulação sobre o togou que, passando pelos Padres, se estende até Pilo Judeu.

?) A mística. — E finalmente Echardo vive da mística, dos Victorinos, de Roberto de Deutz, Bernardo de Claraval. Também daquela coerente mística que, nos claustros alemães dos sécs. 12 e 13, constituíram um intensíssimo movimento espiritual, e de que são representantes notáveis Hildegarda de Bingen, Gertrudes a Grande, Matilde de Magdehurgo, Matilde de Hackeborn e outras. Conforme o mostra o projeto de reforma franciscana, no concilio lugdunense de 1274, esses círculos místicos sempre se ocuparam com a especulação escolástica. A influência de Echardo, nos claustros de religiosas, não foi a única a propulsionar essas aspirações. Sabemos, pelas obras dos místicos alemães, recém-descobertas por Grabmann, que também João de Sterngassen, Gerardo de Sterngassen, Nicolau de Estrasburgo e as suas místicas se fundam em Tomás. Aqui a escolástica, que penetra essa mística, não é, como se pensou, um “rolo laminador que esmagou o sentido religioso até laminá-lo e extingui-lo”.

b) Deus

?) Deus como pensamento puro. — Na doutrina de Deus Echardo sobretudo põe em relevo que, sobre Deus, sempre devemos dizer antes o que ele não é, que o que é. Por isso o designa como puro de qualquer elemento criado. Como o diria um absoluto idealista? Mas também Aristóteles, que Echardo conhece muito bem, assim caracterizou Deus; e Tomás diz igualmente que em Deus intelecto e essência se identificam; e para Alberto Deus é o intellectus universalites agens, produzindo, como tal, a primeira Inteligência. Donde o poder dizer Echardo, como o prólogo do Evangelho de S. João, que, pelo Verbum, que é um verbum mentis, tudo foi feito. Por onde se vê que as atribuições da teologia negativa, como já o tinha percebido o PseudoDionísio, encerram contudo um conhecimento de valor positivo.

?) Deus como plenitude do ser. — Deus é, assim, a plenitude do ser; todo ser dele procede. “É sem dúvida o terem dele o ser todos os seres, como tudo quanto é branco pela brancura o é” (Qu. Par. pág. 11, Meiner). Ou: “Deus tudo criou, não no sentido de as criaturas existirem fora ou ao lado dele, como se dá com as obras dos artífices; mas Deus chamou todas do nada, do não-ser, para o ser, de modo que todas nele o achassem, recebessem e tivessem”’ (1. c. 16).

??) O ser como idéia. — Agora vemos em que sentido Deus é a plenitude do ser: ele encerra as idéias de todos os seres; criando-os, cria o ser e, em tanto, é imanente ao ser. Aqui revive a velha doutrina das Idéias, mas sem ter a imanência nenhuma acepção panteísta. As Idéias existem por participação e é muito exato que o ser colocado no espaço e no tempo o é por participação. Pelo que acaba de ser dito se conclui que Deus é pensamento e pensar, não ser; pois, é o Logos, expressivo das idéias, ao passo que “ser” deve designar o criado. Mas se se tomar o “ser” pela essência metafísica, pela Idéia das cousas, então Deus, como a origem e a plenitude das Idéias, é o ser absoluto e, nesse sentido, Echardo designa Deus como o ser (1. c. 7, 17).

??) As Idéias e o Filho de Deus. — O pensamento predileto de Echardo é o de identificar as Idéias com o Filho de Deus. “Ele é o Verbo do Pai. Com a mesma palavra o Pai se exprime a si mesmo, toda a natureza divina e tudo o que Deus é, assim como o conhece e o conhece tal como ele é… Exprimindo o Verbo, exprime-se a si mesmo e todas as cousas numa outra Pessoa e lhe dá a mesma natureza que ele já tem; e exprime todos os espíritos dotados de razão, nesse verbo, como a imagem, i. é. o, de conformidade com a Idéia, essencialmente igual, na medida em que a imagem e interior, imanente” (1. Pred., ed. Quint, pág. 15, 9). Aqui há um certo vacilar do pensamento; pois Eckhardo, continuando, acentua fortemente o ser criado da Idéia, a sua “iluminação”, portanto a sua participação. (Também no Areopagita o pensamento da participação serve para exprimir o ens ab alio). Mas o Filho, segundo a teologia de Echardo, não pode ser criado. Ora, tomando-se a filiação das Idéias literalmente, como os teólogos escolásticos estavam habituados a fazê-lo, surge logo o perigo de dissipar-se a distinção entre Deus e o mundo. Mas talvez não se deve tomar em sentido literal o que foi intencionado apenas como imagem e com o fim especial de o tornar sensível.

?) A existência de Deus. — Podemos tocar com as mãos o platonismo cristão do nosso Mestre, quando indaga se Deus existe. A sua resposta é a seguinte: “O ser é o ser de Deus” (esse est essentia Dei sive Deus; igitur Deum esse, verum aeternum est; igitur Deus est: Quaest. Par.; pág. 14, 1 ss.). Assim como as cousas brancas não são brancas sem a brandira, assim as cousas existentes não existem sem Deus (13, 10). Sem ele o ser seria nada. Ainda uma vez, isto não é panteísmo, mas a aplicação ao mundo existente da idéia da ???????. Mas como? De um lado adverte Echardo, apoiado na teoria das Idéias, que as cousas existem em Deus e Deus nelas, só quanto ao seu ser “essencial”, i. é, ideal, exemplar. Mas agora ouvimos que também o ser espácio-temporal participa de Deus; pois, quando fala da existência é isso o que pensa. Mas de fato não é assim; mas então de novo faz ele realçar nas cousas o ser essencial, ideal ou propriamente ser e, neste sentido, Deus lhes é imanente. Vê ele o mundo com os olhos de Platão. E quando pensa no ser colocado no espaço e no tempo, como tal, dá-lhe então claramente o nome de criatura, e esta é “mortal”.

c) O bem

?) Fim da Ética. — Echardo revela bem o que é quando vem a tratar de questões éticas. O que neste domínio ensina é uma doutrina da perfeição cristã; e o que aí sobretudo lhe importa é impregnar a vida desse ideal, a tal ponto, que se torna por sua vez gerador de vida. Quer ele ser mestre não de ler, mas de viver. A prática lhe é mais importante que a teoria. “Assim, é melhor dar de comer a quem tem fome, do que entregar-se a uma prolongada contemplação interna. E fosse alguém arrebatado como S. Paulo e soubesse de um doente necessitado do seu auxílio, eu julgaria muito melhor que deixasse por amor o êxtase e servisse o necessitado com amor tanto maior”. O seu pensamento é aqui uníssono com o do seu grande confrade Tomás de Aquino: “S. Tomás ensina que sempre o amor ativo vale mais que o contemplativo, quando o amor ativo dissemina o que colheu na contemplação” (Karrer, 1. c. 390 ss.). A ética de Echardo obedece ao lema — “unidade com o ser uno”. Isto quer dizer participação amorosa e cognitiva do supremo bem e da sua perfeição. Praticamente significa conformidade do nosso pensamento e vontade com Deus. Evidentemente, por amor do supremo bem e da perfeição objetiva como tal. Echardo é um moralista de intenção normativa e não precisa ser purificado da tacha de nenhuma moral interessada.

?) Via para a perfeição. — A via para esta unidade é a do nascimento de Deus no homem. Esta idéia muitas vezes versada é a idéia central de toda a filosofia do Mestre. Podemos distinguir um duplo nascimento.

??) O nascimento de Deus como morada do Espírito Santo. — Uma não é outra, senão o que a teologia escolástica sempre denominou a habitação do Espírito Santo na alma do justo. A doutrina da graça já tinha, apoiada na Bíblia, assinalado que a graça de Cristo nos torna filhos de Deus, templos do Espírito Santo, onde Deus tem a sua morada; a expressão para o significar, de que agora Echardo se serve é “ser nascido”. Como este nascimento de Deus constitui uma doação e uma graça, não pode haver aqui nada de panteísmo.

??) A geração de Deus como geração íntima trinitária.

— Mas Echardo conhece um segundo nascimento: é quando diz que a alma é o lugar desse nascimento divino que se processa e completa em Deus mesmo desde a eternidade. “O Pai gera o Filho como seu igual… Mas digo ainda mais: Ele o gerou na minha alma… Nesta geração espiram o Pai e o Filho o Espírito Santo… Tudo o que o Pai pode realizar ele gera no Filho a fim de o Filho o gerar na alma… Assim a alma se torna uma divina morada da eterna divindade” (Pfeiffer, 205, 165, 215). Mas se esta geração trinitária íntima se consuma na minha alma, então Echardo acrescenta conseqüentemente: “Eu sou uma causa de Deus ser o que é; pois se eu não existisse não existiria Deus” (PfeifFer, 2S3). Afirmação esta ótima a provocar uma errônea interpretação panteísta! Mas o em que Echardo pensa é na idéia de nós mesmos, no “modo não-gerado pelo qual somos eternos e devemos perdurar eternos” (1. c). “Pois se a criatura não existia em si mesma, como agora, é que existia antes do começo do mundo em Deus e na sua mente” (Pfeiffer, 488). Todas as cousas existem em Deus sob essa forma ideal de ser; mais imediatamente em Deus Padre: “No centro da Paternidade… existem todas as folhinhas de relva, a madeira e a pedra e todas as cousas” (PFeifFer, 332). Aqui reaparecem as praeconceptiones divinae, a “realidade preconcebida”, como se exprime Echardo na seqüela do PseudoDio-nísio; em suma, todo o mundus intelligibilis. E se Deus gera o Filho como seu Verbo, em quem ele se exprime com todas as realidades nele inclusas; ou, como “a imagem e, portanto, como o seu ser eterno que nela está, que é a sua forma permanente em si mesmo” (1. a), então somos “nós” evidentemente a causa de Deus. Mas essa cansa não é o nosso nós criado, senão a idéia do nosso eu existente na mente divina, nem mais nem menos do que nele existem todas as demais idéias constitutivas da essência de Deus. Nada disto nos deve admirar, pois tudo não passa de uma aplicação das especulações sobre o Logos, tradicionais desde Eilo. Para a ética de Echardo estas idéias assumem grande importância, pois delas resultam para cada homem uma imagem em Deus, um eu eterno e, melhor, um ego archetypus, nossa medida e nossa lei eterna. Isso debuxa um leito para a corrente dos atos do nosso ser pessoal e da nossa vida, que a reconduz ao oceano da divindade donde ela outrora derivou.

??) Scintilla animae. — Mas como se manifesta em nós esse mundo das idéias e do eu ideal existente no Verbo eterno? Echardo diz: temos um acesso imediato para ele na scintilla animae, ou castelo da Alma ou arca mentia, como também lhe chama. Muito se escreveu a este respeito, talvez muito inutilmente, o que também não é para admirar. Mas o decisivo nisso tudo é a idéia da participação. Echardo sabe o que há de divino no homem. Crê com Agostinho, que Deus nos é mais íntimo que nós mesmos. Esta palavra de Agostinho deveria ter sido a melhor elucidação da scintilla animae.

Mas Echardo conhece também a diferença entre o humano e o divino. Por isso declara ao escrito da sua defesa: Se a alma fosse apenas isso, então seria incriada. Mas participando de Deus, nela permanece o divino, a scintilla animae; é pois criada, por participar de Deus e não ser divina. Na linguagem do Aquinate isto quereria, mais rigorosamente, significar a Synteresis ou o habitus principiorum (cf. sup. 158 s.); na da filosofia moderna dos valores, o sentimento do valor. É esse o ponto em que o homem, meio-termo entre dois mundos, tem a consciência de ser algo pertencente a Deus por uma autêntica participação.

??) Cristo — Uma segunda e mais intuitiva via para o nosso melhor eu, Echardo a encontra em Cristo, em quem o Verbo se fez carne. Ambos esses caminhos também os trilharia o CUSANO, que os aprendeu de Echardo.

d) I n f 1 u ê n c i a

Echardo veio a ser o que realmente queria ser — um mestre na vida. Suas idéias encontram acolhida no mais amplo círculo de pessoas. Sua ordem, evitando-lhe as proposições censuradas, prosseguiu, com muitos dos seus membros, na mesma linha do seu espírito. Os dois mais importantes foram os seguintes. JOÃO Tauder (+ 1361) em torno de quem se reuniram os amigos de Deus, seculares e regalares atraídos pela mística, sobretudo nós conventos renanos de religiosas; a sua força de vontade e de vida interior produziu ainda impressão sobre Lutero. Depois, Henríque Suso (+ 1366), o cantor da eterna sabedoria; nele especulação e sentimento mutuamente se fecundam, como é típico da mística escolástica. Na linha mística de EChardo se colocam além disto a Teologia alemã escrita por Lutero e as obras de João RUSbróquio (João van Ruysbroek) (+ 1381), cujo discípulo, Geegroote fundou a Congregação dos Irmãos da Vida Comum. Num dos seus conventos, em Deventer, foi educado o jovem
NlCOLAU DE CUSA. No Século 19 FRANCISCO VON BaaDER de novo chamou a atenção para Echardo, como o espírito central da mística medieval. Hegel então o exaltou como o herdeiro da especulação”’. A descoberta das suas obras latinas por H. DeNifle rasgou novos horizontes para as investigações modernas sobre ele.


Fonte: HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA, Johannes HIRSCHBERGER


http://terapiabiografica.com.br/blog/2009/09/12/o-mestre-eckhart-mistica-e-escolastica/

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

O legado do Egito - J. R. Harris


Investigação de Todos os Aspectos do Legado Egípcio ao Mundo Contemporâneo, Busca Rigorosa das Origens da Estrutura Política e Religiosa, da Ciência, Arquitetura, Escrita e Estrutura Social do Antigo Egito.

Editora: Imago
Autor: J.R. HARRIS
ISBN: 8531203295
Origem: Nacional
Ano: 1993
Edição: 1
Número de páginas: 522
Acabamento: Brochura
Formato: Médio

O evangelho perdido: o livro de Q e as origens cristãs


Sinopse do livro

Nem tudo o que muda o entendimento sobre a religião sai de uma caverna. Burton Mack usa a descoberta de Q - a façanha crítica que desenterrou a história de Jesus e dos não-cristãos que foram seus primeiros seguidores — para resgatar um conflito soterrado cultura secular de nossa própria época. Um audacioso e contundente.JACK MILES, diretor do suplemento "Book Prizes" ao Los Angeles Times e membro do Conselho Editorial do Times.
A descoberta do livro de Q, o Evangelho Perdido das sentenças originais de Jesus, representa um desafio direto à concepção popular das origens cristãs. Reconstruído depois de um século estudos acadêmicos, o livro de Q (assim denominado pelos especialistas a partir de Quelle, "fonte" em alemão) revela que Jesus foi mitificado como o Salvador dos evangelhos do Novo Testamento, com fins religiosos e talvez até políticos. O Livro de Q nos conta enfáticamente que os primeiros seguidores de Jesus não o consideravam filho de Deus e nem acreditavam que ele tivesse ressuscitado depois de morto. Em vez disso, eles o viam como um Sócrates judeu - mestre e líder contra cultural.
AS IMPLICAÇÕES DO LlVRO DE Q SÃO SENSACIONAIS E CONTROVERSAS: Os seguidores de Q não entendiam os ensinamentos de Jesus como uma acusação ao judaísmo. Eles não achavam que Jesus fosse o Messias ou Cristo. e muito menos um Deus. Eles não criaram um culto a Cristo. Na verdade, eles nem eram cristãos. BURTON L. MACK, professor de Novo Testamento da Faculdade de Teologia de Claremont,é o autor de A Mrth oflnnocence(Um Mito de Inocência).

Formato 23 x 14 cm
Editora Imago, 1994
265 páginas

UM RENASCIMENTO PARA O CRISTIANISMO: JESUS : HOMEM OU MITO? Alvin Boyd Kuhn


Sinopse do livro

A obra de Alvin Boyd Kuhn é pioneira na mudança de pensamento após a descoberta dos manuscritos do Mar Morto e de outros textos gnósticos. Amparado por estudos que relacionam elementos das escrituras judaicas e cristãs às fontes egípcias, ele desafia as interpretações ortodoxas sobre a Bíblia para restaurar o que acredita ser a verdadeira mensagem cristã. O texto de Kuhn afirma que devemos aprender a perceber a vida de Jesus de maneira alegórica e não histórica, e que precisamos encontrar por trás dos mitos e símbolos os ensinamentos místicos que eles encarnam. Em essência, o autor demonstra como a história de Jesus revela o segredo para compreendermos o Divino aqui e agora. A visão espiritual restaurada em Um Renascimento para o Cristianismo: Jesus: Homem ou Mito? possuiu um enorme poder de transformação. O que descobrimos é o Cristo interior - sempre presente e renovado. É hora de revermos por completo nossa compreensão do cristianismo. Este livro é uma contribuição valiosa.


Editora: Nova Era
Autor: ALVIN BOYD KUHN
ISBN: 857701035X
Origem: Nacional
Ano: 2006
Edição: 1
Número de páginas: 317
Acabamento: Brochura
Formato: Médio

Eunucos pelo Reino de Deus: Mulheres, Sexualidade e a Igreja Católica


Sinopse do livro


Uta Ranke-Heinemann, considerada a maior teóloga do mundo, perdeu sua cátedra na Universidade de Heidelberg quando publicou este livro. Pela primeira vez em dois mil anos de Igreja Católica, uma mulher ousa dar nome ao ´problema´ que não tem nome: a sexualidade. Este livro é uma contribuição incalculável à história da sexualidade humana. Em suas quase quatrocentas páginas, a autora faz uma pesquisa monumental sobre as regras e virtudes da Igreja sobre sexualidade feminina, que vai das suas raízes pré-cristãs até os dias de hoje. Este livro abalou a Igreja e, pela sua grande originalidade e erudição da autora, tornou-se uma das mais importantes do nosso tempo.


Editora:Rosa dos Tempos
Autor:UTA RANKE-HEINEMANN
ISBN:8501043435
Origem:Nacional
Ano:s.d.
Edição:1
Número de páginas:383

O CAIBALION: ESTUDO DA FILOSOFIA HERMÉTICA DO ANTIGO EGITO E DA GRÉCIA - Hermes Trismegisto


Sinopse do livro

Entre os fragmentos de conhecimentos ocultos possuídos pelo mundo contam-se os Preceitos Herméticos, reunidos neste livro e atribuídos ao imortal Instrutor egípcio conhecido entre os gregos como Hermes Trismegisto, o ?Três Vezes Grande?. Considerado em seu tempo o Mensageiro dos Deuses, ele viveu sob os prósperos signos das dinastias divinas, imprimiu o indelével selo da vida espiritual em seu grande povo, e implantou a oculta tradição sagrada, os santos rituais, os gloriosos mistérios e, segundo os gregos, nos legou o tesouro de 42 Livros Sagrados, entre os quais se inclui o famoso Livro dos Mortos, originalmente intitulado o Livro da Saída da Luz. Fundou também as Escolas de Sabedoria anexas aos Santuários Maiores, onde se ensinavam medicina, astronomia, astrologia, botânica, agricultura, geologia, ciências naturais, matemáticas, música, arquitetura, escultura, pintura e ciência política. A Ciência hoje chamada Hermética permanece ainda viva, e este livro reúne, para reflexão dos estudiosos, alguns dos seus preceitos fundamentais, cuja consistência tem sido comprovada através dos séculos.

Editora: Pensamento
Autor: ROSABIS CAMAYSAR
ISBN: 8531500710
Origem: Nacional
Ano: 1994
Edição: 1
Número de páginas: 126
Acabamento: Brochura
Formato: Médio

MELQUISEDEQUE OU A TRADIÇÃO PRIMORDIAL - Jean Tourniac


Sinopse do livro

Melquisedeque, que é 'sem pai, sem mãe, sem genealogia, que não teve princípio dos dias, nem fim de existência', é o testemunho de uma Tradição Primordial? Será que ele é também o equivalente de Cristo, uma vez que é 'feito semelhante ao Filho de Deus' e 'permanece sacerdote perpetuamente'? Esse é o tema da pesquisa realizada pelo estudioso Jean Tourniac, com o apoio de uma complexa tese de doutorado e do conhecimento profundo de comentários religiosos e da descoberta de significados simbólicos. Em 'Melquisedeque ou a tradição primordial', o autor destaca como o Judaísmo e o Cristianismo tratam de um dos personagens mais importantes da História. Ambas as religiões visaram a se apropriar de Melquisedeque para exaltá-lo ou restringir sua importância funcional. A originalidade do método de Jean Tourniac consiste em 'elevar a um grau superior' a cronologia do monoteísmo passando de Abraão a Melquisedeque, rei de Justiça e de Salém e sacerdote do Altíssimo. Essa visão, que transcende os antagonismos de 20 séculos de História, corresponde à expectativa do mundo contemporâneo e corrobora a demonstração da obra e de seu postulado - 'Melquisedeque ou a Tradição Primordial'.


MELQUISEDEQUE OU A TRADIÇÃO PRIMORDIAL
Tourniac, Jean
Editora : MADRAS
Especialidade : RELIGIAO
ISBN : 8537000752
Páginas : 302
Publicação : 2006
Edição : 1º
Encadernação : BROCHURA

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

RELIGIÃO NÃO! ESPIRITUALIDADE SIM!


Em Jerusalém um amigo judeu de muitos anos, que já foi meu guia, mas que se tornou amigo mesmo [ele meu e eu dele], me disse que pastores brasileiros chegam lá, e, uma vez indagados por mim, dizem, entre outras coisas, que eu deixei a “religião cristã”.

Meu amigo judeu então lhes diz:

“Mas ele nunca acreditou em religião. Ele apenas sempre creu em espiritualidade, não em religião. E a espiritualidade na qual ele crê não é a dos cristãos, mas sim a de Jesus”.

Ora, depois chegam lá os crentes tapados querendo “evangelizar judeus”, sem nem mesmo saberem fazer distinções básicas, as quais, para muitos deles, como meu amigo, são sutilizas essenciais, especialmente para quem, em nome da religião cristã, sofreu milênios pelo crime religioso de os judeus terem entregue Jesus aos romanos para que esses o executassem; crime esse que até hoje é discutido, o qual, no curso dos tempos, colocou os judeus sendo “judiados” pelos cristãos de todos os modos e formas possíveis, culminando no holocausto da II Guerra.

De fato, meu amigo está certo. Sou discípulo da espiritualidade de Jesus e de nada mais.

Não sou discípulo da espiritualidade de Paulo e nem de nenhum dos apóstolos, mas sim de Jesus, única e exclusivamente de Jesus. É a partir de Jesus que vejo o que é e o que não é sadio até na espiritualidade dos apóstolos.

Espiritualidade, conforme já tenho dito em muitos livros e textos meus, é aquilo que perpassa a vida, de modo integral, como espírito que qualifica todas as percepções, interpretações, atitudes, e decisões de uma pessoa.

Meu amigo judeu entendeu isto, e tem seu coração aberto para mim e para o Evangelho. Entretanto, muitos cristãos [a maioria], à semelhança dos judeus que perseguiam Paulo por ele ter deixado a “religião judaica”, insistem em não entender o óbvio, apenas porque a ruptura que está estabelecida, agora, já não é mais de livros, textos e de conceitos, mas prática e histórica; e é isto justamente o que os tem apavorado.

No início, ouviam e pensavam: “São os estrebuchos do falido, do caído, do homem sob os escombros!...”

Mas agora que vêem milhares e milhares, e até seus filhos, esposas e netos enxergando o que eles se negam a ver, então, dizem: “Este homem está corrompendo a religião!”

Então, os mesmos que me perseguem por aí, muitas vezes me escrevem cartas de apelo, implorando que eu “volte”, e que pare de criar essa “divisão”.

Que divisão? Sim! Eu quero saber! Qual foi a divisão que eu criei?

O Evangelho só é divisão para os que se perdem, pois, todo aquele que o ama e nele crê, esse, quando o ouve, deixa tudo e diz “amém” à verdade.

Assim, aproveito para informar aos que já sabem, mas não querem admitir que sabem, que o “Caminho da Graça” tem cultos, reuniões, ceia, batismos, ordenações conforme os dons, envia pessoas, sustenta pessoas, e anuncia a Palavra; e faz tudo isso sem ser um movimento da religião, mas sim da espiritualidade segundo Jesus.

Jesus pregava, orava com doentes e oprimidos, ensinava o evangelho e anunciava a chegada do Reino de Deus; além de acolher pessoas, andar com elas, reuni-las e fazerem-nas sentirem-se irmãs umas das outras, e, sobretudo, deixando a elas claro que o maior poder de testemunho que teriam neste mundo viria exclusivamente da capacidade que tivessem de amarem-se umas às outras — “para que o mundo creia”.

Quando [logo depois de minha conversão] deparei com as implicações de Jesus ter sido sumo sacerdote segundo a ordem de Melquizedeque, ato continuo toda e qualquer força que a religião desejasse ter sobre mim, morreu...

Quem crê que Jesus é Sumo Sacerdote segundo uma ordem que transcende a religião de Abraão, crê, daí para frente, não mais em religião, mas apenas em espiritualidade em Cristo, conforme o Evangelho.

O “Cristianismo” é um ente histórico poluído e pervertido demais para ter qualquer poder de influencia de sal na terra.

Insistir nas Cruzadas Cristãs contra o mundo pagão, é ainda pior do que pregar o Islã, por exemplo; pois, pregar uma religião em nome de Maomé é coisa humanamente simples de entender, mas fazer a mesma coisa com Jesus é blasfêmia contra o ser de Jesus.

Desse modo, tudo o que Jesus faz e ensina nos evangelhos é o que nos concerne, e, sobretudo, Seu modo de ser, pois, é da observação de Seu modo de ser e andar que se tem, segundo Ele, a chance de em vendo-o, ver-se também o Pai.

Assim, alegremente reduzo-me a Jesus, e aceito os limites da infinita liberdade, e as contenções do amor, e as cadeias do regozijo, e a impotência dos milagres, e a fraqueza de se enfrentar o inferno apenas com a Palavra.

Isto, hoje, todavia, é loucura para o Cristianismo e escândalo para os Evangélicos!

Mas para todo aquele que crê, esta é a Raiz de Vida que põe seu espigão no cerne mais profundo do discípulo, dando a ele a essencial alegria e gozo no enfrentamento das tribulações que virão sobre todos os habitantes da terra.


Nele,

Caio Fabio
22/11/07
Lago Norte
Brasília

Pedro Abelardo – Vida, pensamento e obras


Filósofo francês nascido em Le Pallet, viveu entre 1079-1142, ilustre intelectual da academia de Paris, discípulo de Roscelino e Guilherme de Champeaux, portador de uma dialética formidável, mente enciclopédica e espírito inquieto, assim podemos definir Pedro Abelardo. Abelardo é um personagem muito importante tanto do ponto de vista biográfico quanto doutrinário. Partindo de sua biografia, ficaram muito conhecidas as suas vicissitudes amorosas com a sua aluna Eloísa, pela qual Abelardo foi perdidamente apaixonado, e também de suas desavenças com o místico Bernardo de Claraval.

O tema que Abelardo deu maior atenção na filosofia foi a questão dos universais (realidades mentais que dão significado aos termos gerais que designam propriedades de classes e objetos), apresentando como solução para o problema, o método do sic et non (sim ou não), a doutrina sobre a boa intenção e a dialética.

Na questão da dialética, Abelardo elabora a doutrina unitária e completa da linguagem (Jolivet). O que caracteriza a sua doutrina da linguagem, é o fato de incluir todas as coisas e abranger todo o campo filosófico como a gramática, lógica, gnosiologia, ontologia e a metafísica. Para Abelardo, a linguagem é a ponte que liga o pensamento à todas as coisas.

O sic et non, consiste num método de reunir teses opostas sobre qualquer tipo de assunto, deixando ao leitor o encargo de decidir de qual lado se encontra a verdade. O objetivo de Abelardo não era cético, mas didático, pois as questões duvidosas levantadas pelas teses contrárias, estimulava a pesquisa pessoal em busca de uma solução. Através do método do sic et non, Abelardo acabou se opondo contra a doutrina de Anselmo nas questões sobre a fé e a razão.

A doutrina da intenção elaborada por Abelardo no campo ético, é muito importante. Para Abelardo, a moralidade de uma ação não depende do objeto, nem das circunstâncias e nem das paixões, mas exclusivamente da intenção: “Para Deus, não importa o que fazemos, mas com qual intenção o fazemos”. O nosso mérito não depende da ação, mas unicamente da nossa intenção. Abelardo afirma que até em ações extremas como a crucificação de Cristo e as peseguições aos mártires seriam boas se fossem feitas com boa intenção.

Depois de sua relação conturbada com Eloísa, Abelardo decide virar monge e dedicou-se ao ensino da teologia. Usando a dialética, elaborou a sua doutrina da trindade, que logo em seguida foi condenada em 1121, no concílio reunido em Soissons onde foi obrigado a queimar sua tese; todas as suas 19 teses sobre a trindade, conceitos de fé e algumas doutrinas morais foram condenadas no concílio de Sens, em 1141, por influência de Bernardo de Claraval, seu opositor.

Para Abelrado, a questão dos universais (tema discutido em sua obra “As Glosas”) constituia-se num problema herdado pelos medievais de Porfírio e Boécio, os quais, na tentativa de conciliar as filosofias de Platão e Aristóteles, se viram diante de uma alternativa sem possibilidade de compromisso: a existência ou não das idéias universais “a parte rei” (da parte da coisa), isto é, em si mesmas. Platão admitira mas Aristóteles não. Assim, Boécio e Porfírio transmitiram o problema aos seus ouvintes, sem solução.

Diante da problemática dos universais, foram levantadas pelos filósofos da época várias tentativas de soluções:

1ª) Solução Nominalista: Elaborada por Roscelino (1050-1120). Ele partiu da verificação de que todas as coisas são particulares e conclui que as nossas idéias, para se tornarem verdadeiras, devem também ser particulares. Logo, os universais não existem, sequer na mente, e não são mais do que uma mera emissão de voz (flatus vocis); a função de universal exerce-a a palavra enquanto pode ser aplicada a muitos indivíduos.

2ª) Solução Ultra Realista: Solução proposta por Guilherme de Champeaux (1070-1120). Ele partiu da verificação de que temos conceitos universais e de que eles só serão verdadeiros se a eles corresponder algum ser universal. Por isso, conclui que existem coisas universais da mesma natureza dos conceitos. Assim, existe o ser universal homem, o ser universal planta etc. Eles não existem fora das coisas particulares, mas nos próprios indivíduos, os quais, por isso, se diferenciam somente por notas acidentais.

3ª) Solução Realista: Solução elaborada por Abelardo, que rejeitou as duas outras soluções precedentes e mostrou que a de Guilherme de Champeaux leva a um estado de panteísmo e a de Roscelino a um ceticismo. Segundo Abelardo, o universal não é coisa, nem simples emissão de voz, mas conceito tirado das coisas por abstração. Sendo então, tirado das coisas, o universal tem com elas correspondência parcial, quanto ao conteúdo, e não quanto ao modo. Para Abelardo, através do universal, aprendemos o que está na coisa, mas não como está na coisa.

Entre outras obras de Pedro Abelardo, podemos citar algumas: A Teologia Cristã, onde ele retoma o tema de suas obras condenadas em Soissons; História das Minhas Calamidades, composição de sua autobiografia; Diálogo entre um Filósofo, um Judeu e um Cristão, obra inacabada; A Dialética; Ética ou Conhece-te a Ti Mesmo; As Glosas e o Sic et Non.

O pensamento de Pedro Abelardo, sem dúvida, contribuiu muito para o desenvolvimento da filosofia, ele sempre procurou abrir novos horizontes em todos os campos que abordou. Espírito impetuoso, combativo e questionador nato, exerceu larga influência entre seus contemporâneos e antecipou, segundo vários de seus intérpretes, o movimento racionalista que vira a romper, com grande força, no início da idade moderna. Sem dúvidas, um filósofo de vanguarda.


Bibliografia:
MONDIN, Batista - Curso de Filosofia – Volume 1 - Coleção Filosofia – Paulus – SP - 1981


Kadu Santoro

Amor sem destino


Velas ao vento
coração vagabundo
que ruma pelo mundo sem destino

seu aconchego lhe espera em algum porto

sua amada te venera em algum lugar futuro
onde as estradas se tornarão apenas uma

apenas um percurso único onde cada
quilômetro será escrito pelo amor

Kadu Santoro

O barco vazio


Quem dirige os outros, acaba confuso.
E quem se deixa dirigir, vive triste.
O ideal é não desejarmos influenciar os outros
Nem nos deixarmos influenciar por eles.
E viver com o Tao, na terra do grande Vazio.

Mesmo que tenha muito mau feitio,
um homem que atravessa um rio num barco
não se zanga se um barco vazio colidir com o seu.
Mas, se nesse barco estiver alguém,
Vai-lhe gritar que vire o leme.
E gritará outra vez se o grito não for ouvido
E começará a praguejar.

Porque há alguém dentro do barco.
Se o barco estivesse vazio,
Não gritaria nem ficaria zangado.

Se conseguirmos esvaziar o nosso barco,
Ao atravessar o rio do mundo,
Ninguém se nos oporá.
Ninguém nos tentará fazer mal.

Chuang Tse

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O dom de línguas segundo a tradição dos Pais da Igreja e a posição do Papa Bento XVI


A virgem Santíssima e o dom das línguas

Questão IV: Se a Virgem recebeu o dom de línguas, chamado por alguns “glossolalia”.

a) “Afirmativamente, porque recebeu este dom com os apóstolos no dia de Pentecostes, e, como disse Santo Alberto Magno: A Virgem estava com eles quando apareceram as línguas repartidas como de fogo, logo recebeu o dom das línguas com eles” (Mariale, q. CXVII); b) Ademais, ainda que não tivesse de ir pregar o Evangelho as diversas nações e gentes, todavia, no principio da Igreja nascente se concedia com freqüência este dom aos fiéis, ainda a aqueles a quem não se havia conferido o ministério de pregar e propagar o Evangelho como consta (At, XIX, 6); c) E assim convinha, porque acudindo Maria muitos fiéis de diversas nações, já por piedade filial, e que buscavam de instruções, devia conhecer seus idiomas para entendê-los e instruí-los plenamente nas coisas da fé. d) Finalmente, Suarez julga provável que ainda antes de Pentecostes, Maria já tivesse usado desta graça, caso a necessidade ou a ocasião tivesse exigido, como quando Cristo foi adorado pelos magos, é de crer que Maria entendeu a sua linguagem, como é também crível que, quando foi ao Egito, entendia e falava a língua dos egípcios. (In 3, disp. XX) – (ALASTRUEY, Gregório. Tratado de la Virgen Santíssima. Madrid: BAC, 1945, p. 350-351)


Padres da Igreja e o dom das línguas

No séculos II, Santo Irineu (c.115-200) se refere a uma fala extática não-idiomática, do tipo que os pentecostais praticam hoje. Descreve e condena as ações de um certo Marcos que “profetizava”, sob influência “demoníaca”. Marcos compartilhava o seu “dom” e outros também “profetizavam”. Seduzia mulheres e lhes prometia o carisma. Quando a recebiam, falavam algo sem sentido:

“Então ela, de maneira vã, imobilizada e exaltada por estas palavras e grandemente excitada... seu coração começa a bater violentamente, alcança o requisito, cai em audácia e futilidade, tanto quanto pronuncia algo sem sentido, assim como lhe ocorre”. (Contra Heresias I, XIII, 3)

Irineu também se refere ao dom de línguas dos apóstolos e da época em que vivia. Cita II Cor. 2:6, explicando que “os perfeitos” falam em “todos os tipos” as línguas:

“... nós também ouvimos muitos irmãos na Igreja,... e que através do Espírito, falam todos os tipos de línguas, e trazem à luz para o benefício geral as coisas escondidas dos homens, e declaram os mistérios de Deus...”. (Contra Heresias V,VI,1)

Ao informar que falam todos os tipos de língua, Irineu parece se referir a línguas que admitem classificação.

O curioso é que o movimento de herético de Montano (c.150-200) envolveu um êxtase religioso, com elocuções não-idiomáticas, semelhantes à pseudo-glossolalia pentecostal.

De acordo com descrições registradas por Eusébio (c.265-?), Montano entrou em uma espécie de delírio e balbuciava “coisas estranhas”. Ele “encheu” duas mulheres com o “falso espírito”, e elas falaram “extensa, irracional e estranhamente”:

“ficou fora de si e [começou] a estar repentinamente em uma sorte de frenesi e êxtase, ele delirava e começava a balbuciar e pronunciar coisas estranhas, profetizando de um modo contrário ao costume constante da igreja (...) E ele, excitado ao lado de duas mulheres, encheu-as com o falso espírito, tanto que elas falaram extensa, irracional e estranhamente, como a pessoa já mencionada.” (História da Igreja V,XVI:8,9 )

Depreende-se deste texto que o fenômeno lingüístico montanista envolvia:

(a) uma forte expressão emocional, deduzida das menções de “êxtase”, “frenesi” e delírio;

(b) o texto indica uma linguagem não-idiomática, de “balbucios”, e um falar “estranho”, “irracional”. Tomadas em conjunto, estas características assemelham-se à glossolalia pentecostal. A comparação torna-se tão evidente, ao ponto de o montanismo ser apelidado de “protótipo dos pentecostais”.

Sabe-se que a “glossolalia” montanista se tratava de uma reminiscência dos excessos frígios. Sob esta ótica, a glossolalia pentecostal perdeu o apoio da igreja do segundo século e se alinhou com uma religião não-cristã da mesma época.

Orígenes (c.195-254) em sua época, se opôs a um certo Celso, que clamava ser divino, e falava línguas incompreensíveis:

“A estas promessas, são acrescentadas palavras estranhas, fanáticas e completamente ininteligíveis, das quais nenhuma pessoa racional poderia encontrar o significado, porque elas são tão obscuras, que não têm um significado em seu todo.” (Contra Celso, VII:9)

Uma linguagem ininteligível soa “estranha”, “obscura” e “fanática” para Orígenes. Assim como para Irineu e mais tarde foi para Eusébio. Para Orígenes, as palavras “completamente ininteligíveis”, eram mais o subproduto de uma distorção religiosa.

Arquelau, bispo de Carcar no fim do segundo século comenta sobre o dom de línguas no Pentecostes. O contexto indica uma identificação como idiomas naturais. Para Arquelau, Mane era incapaz de conhecer a língua dos gregos porque não possuía o dom de línguas do Espírito, que o capacitaria a entendê-las:

“Ó seu bárbaro persa, você nunca foi capaz de conhecer a língua dos gregos, dos egípcios, ou dos romanos, ou de qualquer nação, (...). Pelo que diz a Escritura? Que cada homem ouvia os apóstolos falarem em sua própria língua através do Espírito, o Parácleto”. (Disputa com Mane, XXXVI)

Na Didaquê Siríaca comenta-se o evento do Pentecostes. Os discípulos estavam preocupados sobre como iriam pregar ao mundo, se eles não conheciam os idiomas. Então, receberam o dom de falar idiomas estrangeiros e foram para os países onde esses idiomas eram falados:
“de acordo com a língua que cada um deles tinha diferentemente recebido, para que a pessoa se preparasse para ir ao país no qual a língua era falada e ouvida”. (Didaquê Síriaca, seção introdutória).

No século IV, Cirilo de Alexandria (c.315-387), Doutor da Igreja em seus Sermões Catequéticos (sermão XVII: 16), interpreta o dom de línguas do Pentecostes como idiomas estrangeiros. Isto indica que, pelo começo do quarto século, a glossolalia apostólica também era tida como um idioma comum. Cita por nome alguns idiomas falados pelos apóstolos:

“O galileu Pedro ou André falavam persa ou medo. João e o resto dos apóstolos falavam todas as línguas para aquela porção de gentios (...) Mas o Santo Espírito os ensinou muitas línguas naquela ocasião, línguas que em toda a vida deles nunca conheceram” (Sermões Catequéticos (sermão XVII: 16)

Para Gregório Nazianzeno (c.330-390), Doutor da Igreja, o dom de línguas em Atos também se referia a idiomas estrangeiros:

“Eles falaram com línguas estranhas, e não aquelas de sua terra nativa; e a maravilha era grande, uma língua falada por aqueles que não as aprenderam”. Gregório ainda argumenta que o dom foi de falarem línguas estrangeiras e não dos ouvintes as entenderem. Segundo ele, se fosse assim, o milagre não seria dos que “falam” em línguas, mas “dos que ouvem”. (Do Pentecostes, oração XLI:16)

Ambrósio (330-397), também Doutor da Igreja, embora não discuta a natureza do dom de línguas, ressalta que cada pessoa recebe dons espirituais diferentes. Para ele,

“todos os dons divinos não podem existir em todos os homens, cada um recebe de acordo com a sua capacidade ao deseja ou merece” (Do Espírito Santo II, XVIII, 149)

Se Ambrósio também quer dizer com isto que o falar em línguas não se manifesta em todos os cristãos, a citação pode se confrontar e divergir completamente com a posição pentecostal de que todos devem ter “o” dom de línguas.

São João Crisóstomo (Doutor da Igreja) (347-406), é o primeiro a interpretar detidamente a glossolalia em I Coríntios. Em sua conhecida retórica de orador, questiona a ausência do dom de línguas: “Por que então eles aconteceram, e agora não mais?”
São João Crisóstomo detalha sua explicação. Ele vê o dom de línguas do N.T. como um fenômeno reverso ao da Torre de Babel. Os discípulos receberam o dom porque deveriam

“ir afora para todos os lugares (...) e o dom era chamado de dom de línguas porque ele poderia falar de uma vez diversas línguas”.

Comentando I Co. 14:10, aplica a passagem à diversidade de idiomas:

“i.e., muitas línguas, muitas vozes de citianos, tracianos, romanos, persas (...) inumeráveis outras nações.”

E sobre I Co. 14:14, São João Crisóstomo sublinha que aquele que fala em línguas não as entende, porque não conhece o idioma em que fala:

“Pois se um homem fala somente em persa ou outra língua estrangeira, e não entende o que ele diz, então é claro que ele será para si, dali em diante, um bárbaro (...) Pois existiam (...) muitos que tinham também o dom da oração, junto com a língua; e eles oravam e a língua falava, orando tanto em persa ou linguagem latina, mas o entendimento deles não sabia o que era falado”.98 (Homilias na Epístola de Paulo aos Coríntios, capítulo XXXV).

Para Agostinho (Doutor da Igreja) (354-430), o dom de línguas concedido aos apóstolos no Pentecostes se tratava da capacidade sobrenatural de falar línguas estrangeiras. Demonstra que, no período apostólico, o Espírito operava...

“sensíveis milagres... para serem credenciais da fé rudimentar” (Contra os Donatistas: Sobre o Batismo, III:16).

Agostinho reforça o dom de línguas como idiomas naturais. Eram línguas que os discípulos“ não tinham aprendido”. E, na pregação posterior,

o... “evangelho corria através de todas as línguas”.100 (Epístola de São João, Homilia VI:10)

"Nos primeiros tempos, o Espírito Santo descia sobre os fiéis e estes falavam em línguas, sem as ter aprendido conforme o Espírito lhes dava a falar. Foram sinais oportuno para esse tempo... o sinal dado passou depois" (Comentário da Primeira Carta de São João, Tratado IV, 10).

Algo a se notar nos Padres da Igreja é a completa ausência do dom de línguas do tipo pentecostal. Percebe-se que na Igreja do tempo dos Padres, o dom de línguas não esboçava qualquer centralidade, ou mesmo relevância como possui hoje em dia para a heresia pentecostal. Caso o dom de línguas como se difunde hoje, fosse fundamental na doutrina apostólica como evidência do batismo do Espírito Santo, teria certamente teria feito parte dos credos e da tradição dos Padres da Igreja.

Logo, num prisma negativo, pseudo-glossolalia pentecostal considerados neste artigo não encontram suporte nos Pais da Igreja:

(1) A glossolalia não-idiomática :

(a) não foi considerada como dom do Espírito;

(b) foi rejeitada pela igreja da época;

(c) revelou origens e feições não-cristãs. Tida como principal manifestação lingüística do pentecostalismo, a glossolalia não-idiomática encontra reprovação no conjunto dos Pais da Igreja.
Nos Pais da Igreja a glossolalia:

(a) não é indicadora da plenitude do Espírito Santo;

(b) não é indicadora indireta da própria salvação do crente; ou

(c) não é um elemento distintivo dos verdadeiros crentes.

Em relação à glossolalia como o dom, os Pais da Igreja têm o falar em línguas como:

(a) não-obrigatório para o cristão;

(b) o dom de línguas na patrística é apenas “um” entre outros.


A doutrina do dom das línguas em Santo Tomás de Aquino

Santo Tomás de Aquino, ao comentar o Capítulo XIV da primeira carta de São Paulo aos Coríntios, escreveu:

“Quanto ao dom de línguas, devemos saber que como na Igreja primitiva eram poucos os consagrados para pregar ao mundo a Fé em Cristo, a fim de que mais facilmente e a muitos se anunciasse a palavra de Deus, o Senhor lhes deu o dom de línguas” (S. Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pag 178.)

Vê-se, portanto, que o dom de línguas foi dado aos primeiros cristãos para que anunciassem a religião verdadeira com mais facilidade. Os Coríntios, por sua vez, desvirtuaram o verdadeiro sentido do dom de línguas:

“Porém, os coríntios, que eram de indiscreta curiosidade, prefeririam esse dom ao dom de profecia. E aqui, por ‘falar em línguas’ o Apóstolo entende que em língua desconhecida e não explicada: como se alguém falasse em língua teutônica a um galês, sem explicá-la; esse tal fala em línguas. E também é falar em línguas o falar de visões tão somente, sem explicá-las, de modo que toda locução não entendia, não explicada, qualquer quer seja, é propriamente falar em língua” (S. Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pg 178-179.).

Temos aqui uma consideração importante. Para São Tomás, o “falar em línguas” pode ser entendido de duas formas:

a) falar em uma língua desconhecida, mas existente, como no caso de Pentecostes, no qual pessoas de várias línguas compreendiam o que os apóstolos pregavam.

b) a pregação ou oração sobre visões ou símbolos.

E o doutor angélico confirma isso mais adiante:

“ suponhamos que eu vá até vós falando em línguas’ (I Co 14, 6). O qual pode entender-se de duas maneiras, isto é, ou em línguas desconhecidas, ou a letra com qualquer símbolos desconhecidos” (Santo Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pg 183.)

Haja vista que a primeira forma de falar em línguas é suficientemente clara – ou seja, que é um milagre pelo qual uma pessoa, que tem por ofício pregar às almas, fala numa língua existente sem nunca a ter estudado – consideremos a segunda forma de manifestação desse dom, segundo São Tomás. Neste caso, falar em línguas é uma simples predicação numa linguagem pouco clara, como, por exemplo, falar sobre símbolos, visões, em parábolas, etc:

“(...) se se fala em línguas, ou seja, sobre visões, sonhos (...)” (Santo Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pg 208.).

E ainda:

[lhes falarei] “ ‘Em línguas estranhas’, isto é, lhes falarei obscura e em forma de parábolas” (Santo Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pg 200).

“(...) em línguas, isto é, por figuras e com lábios (...)” (Santo Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pg 200.)

Para São Tomás, quem assim procede, isto é, usa de símbolos nas práticas espirituais, tem o mérito próprio da prática de um ato de piedade. Caso o indivíduo compreenda racionalmente o que diz, lucra, além do mérito, o fruto intelectual da ação.

Quem reza o Pai-Nosso, por exemplo, mesmo sem compreender perfeitamente o valor de suas petições, tem o mérito próprio da boa ação de rezar. Por outro lado, quem reza o Pai-Nosso com o conhecimento de seu significado mais profundo, lucra, além do mérito, a consolação intelectual da compreensão de uma verdade espiritual. Por esse motivo, São Paulo exorta aos que “falam em línguas” – ou seja, que usam símbolos nos atos de piedade – para que peçam também o dom de “interpretar as línguas”, quer dizer, de compreender o que diz por meio simbólico, afim de que possa ganhar, além do mérito, a compreensão racional do ato.

No que se refere ao uso público do dom de línguas, o Apóstolo determina que ele nunca deve ser usado sem que haja intérprete, ou seja, sem que haja quem explique os símbolos para os que não os compreendem.

Comentado o versículo 27, no qual São Paulo exorta que não falem em línguas mais que dois ou três durante o culto público, diz São Tomas:

“É de notar-se que este costume até agora (...) se conserva na Igreja. Por que as leituras, epístolas e evangelhos temos em lugar das línguas, e por isso na Missa falam dois (...) as coisas que pertencem ao dom de línguas, isto é, a Epístola e o Evangelho” (Santo Tomas de Aquino, Comentario a la primera espistola a los Conrintios, Tomo II, pg 208.)


Para São Tomás, a leitura da Epístola e do santo Evangelho, na Missa, são a forma de “falar em línguas” que a Igreja conservou dos tempos apostólicos! Nada mais contrário ao delírio pentecostal carismático!

Ora, no que diz respeito a “interpretação das línguas”, na Missa, depois da Epístola e do Evangelho, o padre faz o sermão, pelo qual explica os símbolos dos textos sagrados que foram lidos. O sermão é, pois, a ‘interpretação das línguas’ (Epístola e Evangelho) que foram faladas na Missa.Fica, portanto, bastante claro o verdadeiro significado do dom de línguas, que nada mais é do que:

1 - o milagre de pregar o Evangelho numa língua sem a ter estudado ou

2 - o simples fato de usar uma linguagem simbólica na vida espiritual, seja na oração particular, seja na oração pública, sendo que nesta última é necessário alguém que “interprete as línguas”, ou seja, que explique o significado dos símbolos ao povo, função dos ministros da Igreja.


Cf. AQUINO, TOMÁS de. COMENTARIO A LA PRIMERA EPÍSTOLA DE SAN PABLO A LOS CORINTIOS. Disponível em: http://www.clerus.org/bibliaclerusonline/es/index3.htm


Santo Antônio e o dom das línguas

“ E todos estiveram cheios do Espírito Santo, e começaram a falar em diversas línguas, segundo o Espírito Santo lhe dava a falar”. Falavam todas as línguas; ou também falavam sua língua hebréia, e todos os entendiam, como se falassem na língua de cada um dos ouvintes”
(PÁDUA, Santo Antônio de. Sermones, Tomo I. Domingo de Pentecostes (I). Buenos Aires:El mensajero de san Antonio, 1995, p. 333.)

“Sobre todas memorável ficou a pregação, que o santo franciscano fez no dia da Ressurreição. Tinham afluído, como vimos, a Roma gentes das diversas regiões e nacionalidades da terra, como latinos, gregos, alemães, franceses, ingleses e de outras línguas. Pregou também Santo Antônio, segundo a vontade do sumo Pontífice, naquela grande solenidade; e este seu sermão foi um digno remate e coroa aos seus triunfos oratórios. Inflamado pelo Espírito Santo, anunciou a palavra de Deus de um modo tão eficaz, devoto e penetrante, e com tal suavidade, clareza e inteligência, que todos os presentes, apesar da diversidade das línguas, lhe entenderam as palavras, tão clara e distintamente, como se houvesse pregado na língua de cada um” (MARTINS (S.J), Manuel Narciso. Vida de Santo Antônio. Bahia: Duas Américas, 1932, p. 74


São Francisco Xavier e o dom das línguas

O livro Milagros y prodígios de San Francisco Javier, que foi escrito pela historiadora de arte Maria Gabriela Torres Olleta, constitui o sexto e, de momento, último volume da colecção “Biblioteca Javeriana” publicada desde 2004 pela Cátedra San Francisco Javier, Universidade de Navarra, como preparação para o ano jubilar de 2006. O livro conta que quando São Francisco Xavier falava em sua língua própria, no Oriente, cada um que o ouvia o entendia em sua língua materna. O dom das línguas (pp. 45-47), cuja enorme importância se justifica pela atividade missionária de Xavier entre muitos povos e muitas nações diferentes, foi um outro aspecto muito fomentado pela hagiografia de S. Francisco Xavier, tendo sido, por isso, igualmente incluído na bula de canonização. (OLLETA, Maria Gabriela Torres. Milagros y prodígios de San Francisco Javier. Biblioteca Javeriana, 2006, p. 45-47)


São Francisco Solano e o dom das línguas

“São Francisco Solano, cuja festa comemoramos no dia 14, santo genuinamente franciscano, aprendeu milagrosamente em 15 dias o dialeto de uma tribo indígena. Adquiriu também o dom das línguas, falando em castelhano a índios de tribos diferentes, sendo entendido como se estivesse expressando-se no dialeto de cada um. Uma vez, por exemplo, estando em San Miguel del Estero durante as cerimônias da Quinta-Feira Santa, veio uma terrível notícia: milhares de índios de diversas tribos, armados para a guerra, avançavam para atacar a cidade. A balbúrdia foi geral. Só Frei Francisco, calmo, saiu ao encontro dos selvagens. Estes, que o respeitavam, pararam para o ouvir. E cada um o entendeu em sua própria língua. Ficaram tão emocionados, que um número enorme deles pediu o batismo. No dia seguinte, viu-se essa coisa portentosa: ao lado dos espanhóis, esses índios convertidos participavam da procissão da Sexta-feira Santa, flagelando-se por causa de seus pecados.” (Cf. Fr. Justo Pérez de Urbel, O.S.B., Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo III, p. 184; Les Petits Bollandistes, Bloud et Barral, Paris, 1882, tomo IX, pp. 8 e ss; Enriqueta Vila, Santos de America, coleção Panoramas de la Historia Universal, Ediciones Moreton, S.A., Bilbao, 1968, pp. 93 e ss. )


O dom das línguas e o Papa Bento XVI


“Diferentemente do que tinha acontecido com a torre de Babel (cf. Jo 11, 1-9), quando os homens, intencionados a construir com as suas mãos um caminho para o céu, tinham acabado por destruir a sua própria capacidade de se compreenderem reciprocamente. No Pentecostes o Espírito, com o dom das línguas, mostra que a sua presença une e transforma a confusão em comunhão. O orgulho e o egoísmo do homem geram sempre divisões, erguem muros de indiferença, de ódio e de violência.O Espírito Santo, ao contrário, torna os corações capazes de compreender as línguas de todos, porque restabelece a ponte da comunicação autêntica entre a Terra e o Céu." Disponível em:
http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/homilies/2006/documents/hf_ben-xvi_hom_20060604_pentecoste_po.html


O dom das línguas e a teologia

F. Prat em "La Théologie de Saint Paul" (Beauchêsne éditeur, Paris 1913) diz:

"Trata-se de falar à multidão, Pedro fala em nome de todos e, não podendo falar senão uma língua por vez, é natural que ele falasse na sua língua própria. Se houve milagre, foi nos ouvintes que ele se realizou e não em Pedro. [Pois cada um entendeu o que Pedro dizia na sua própria língua] (F. Prat, La Theologie de Saint Paul, p. 175).



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Origem e breve história do Movimento Humanista


O movimento Humanista surgiu no final do século XIV, durante o período da Renascença, como um movimento intelectual, voltado para uma educação nos moldes clássicos, onde se dava ênfase aos estudos da gramática, retórica, história, poesia e a filosofia moral. O fundador do movimento Humanista foi o poeta italiano Francesco Petrarca (1304-1374), o seu pensamento baseava-se no antropocentrismo, se antes Deus e a igreja eram o centro e guiavam o homem e seus passos, agora é o homem por si só através das mais aprofundadas reflexões filosóficas, que posteriormente acabou desencadeando no período do Iluminismo.

Petrarca passou boa parte de sua vida viajando pela Europa, principalmente em mosteiros em busca de manuscritos que continham textos clássicos, para poder formar sua própria biblioteca. A partir dos erros e desvios encontrados nos textos clássicos, os humanistas passaram a corrigi-los, e descobriram a importância do conhecimento de outras civilizações através do seu idioma, história e cultura. Após a morte de Petrarca, o movimento teve apoio de diversos grupos e pessoas influentes em seu tempo. Os humanistas eram religiosos, porém não aceitavam apenas uma mera explicação como verdade plena, era preciso uma reflexão crítica mais aprofundada.

Durante o árduo trabalho dos humanistas em tentar chegar nas versões definitivas dos textos clássicos, surge então uma grande e inovadora invenção, a impresa. A partir daí, eles começaram a se dedicar mais ao estudo das fontes primitivas do cristianismo, logo passaram a serem chamados de cristãos humanistas. Eles utilizavam os mesmos critérios de estudo dos textos gregos clássicos na análise da bílbia e outros escritos cristãos, buscando retomar a forma e o sentido original das escrituras. Em 1516, o famoso humanista Erasmo de Roterdã (1466-1536), publica pela primeira vez na história um texto grego do Novo Testamento acompanhado de uma tradução em latim. Sem dúvida alguma, tanto a publicação desta e outras obras desenvolvidas pelos humanistas, como Petrarca e Erasmo, vieram influenciar fortemente os estudos posteriores religiosos do século XVI pra frente.


Kadu Santoro

A teologia das religiões de Joseph Ratzinger


Entrevista com o professor Joan-Andreu Rocha Scarpetta

ROMA, domingo, 16 de abril de 2006 (ZENIT.org).- Ao completar um ano do início do pontificado de Bento XVI, Zenit quis aprofundar em seu pensamento acerca da chamada «teologia das religiões».

Nesta entrevista, Joan-Andreu Rocha, professor de Teologia das Religiões e de Ecumenismo na Faculdade de Teologia do Ateneu Pontifício «Regina Apostolorum» de Roma, onde dirige o «Mestrado em Igreja, Ecumenismo e Religiões», relata como o então teólogo Joseph Ratzinger via a relação das religiões com o cristianismo e como segue aplicando em seu pontificado esta visão.

--Pode-se falar de uma «teologia das religiões» própria do cardeal Joseph Ratzinger?

--Rocha: Mais que de uma «teologia das religiões» própria de Joseph Ratzinger, pode-se falar de um Ratzinger teólogo das religiões. Já como jovem professor de teologia de Frisinga e Bonn, o futuro Bento XVI ensinou história das religiões e filosofia da religião. Sublinhava a importância destas religiões na preparação do caminho do cristianismo, como a realização paulatina das promessas de Deus ao longo da história da salvação.

Sua avaliação destas tradições religiosas funda-se no princípio do Reino de Deus: a Igreja é depositária dos meios para proclamar e fazer presente o Reino de Deus. Mas não possui o monopólio, porque o Reino é mais que a Igreja.

A característica principal deste reino é o amor. Onde há amor fraterno faz-se presente virtualmente o Reino de Deus, que aperfeiçoa a lei natural, onde obra a graça salvífica divina. A base deste pensamento fundamenta-se sobretudo na dimensão natural da pessoa humana e sua possibilidade de raciocinar, que são objetos do amor de Deus.

Não há que esquecer que o teólogo Ratzinger vive de perto o desenvolvimento do que hoje chamamos a teologia das religiões, que evolui no contexto de uma tensão entre três elementos: a reflexão teológica propriamente dita (que compreende a teologia das religiões à luz da teologia da graça, a eclesiologia e a teologia da salvação ou soteriologia), o mandato missionário da Igreja que impele à proclamação do Evangelho a todo o mundo, e o reconhecimento dos valores humanos presentes em todas as culturas, nas quais se encontram as diversas religiões do mundo.

É a partir desta tripla tensão --formada pela reflexão teológica, a missão e o valor das culturas-- onde nasce e se desenvolve o verdadeiro diálogo inter-religioso.

Cabe dizer que a teologia das religiões é a disciplina teológica que se ocupa da avaliação teológica das religiões não-cristãs, que não há que confundir com o diálogo inter-religioso. Em seu estado atual apresenta três tendências: a exclusivista (que não reconhece nenhum valor às religiões fora do cristianismo), a pluralista (que dá a todas as religiões um valor igual) e as inclusivistas (que dá a supremacia da verdade salvífica a Cristo, mas reconhece os valores presentes nas outras religiões). Esta última é a linha aceita pelo Magistério da Igreja.

--Como sugeria o teólogo Ratzinger a aproximação das religiões?

--Rocha: O teólogo bávaro insistia em uma aproximação das religiões a partir da teologia da história, superando a redução da religião à pura experiência (misticismo) ou a um conhecimento puramente racional (iluminismo). Estas são no fundo as grandes tentações do ser humano: o relativismo que vê tudo como igual e indistinto, ou a razão apresentada como oposta à religião.

Anos depois, de frente ao desenvolvimento da teologia das religiões e como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o teólogo Ratzinger afinará seu pensamento. Insistirá sobre a importância da verdade como fundamento do encontro entre as religiões, e enfatizará ainda mais a importância do fato histórico e salvífico que é a revelação de Cristo. A declaração «Dominus Iesus» (2000) é precisamente como um grito de atenção frente à dissolução do evento salvífico de Cristo no contexto de um pluralismo religioso crescente. Cristo, para os cristãos, não é um personagem religioso notável entre outros, mas o único salvador.

--Bento XVI insiste especialmente no vínculo com as religiões monoteístas. Como o Papa entende o valor das outras religiões?

--Rocha: O princípio fundamental que rege o pensamento do Santo Padre neste sentido é que perante Deus todos os homens têm a mesma dignidade, independentemente do povo, da cultura ou da religião a que pertençam. A partir daqui avança a perspectiva de uma teologia da história que vê nas religiões não cristãs as precursoras do cristianismo. Mas insiste no valor distinto das religiões.

Por isso, as religiões monoteístas ocupam um lugar particular. Entre elas, o judaísmo tem um lugar preeminente. Sobretudo pela estreita relação entre o Antigo e o Novo Testamento, pelas raízes espirituais comuns e por seu rico patrimônio de fé no único Deus, que estabeleceu sua aliança com o povo eleito, revelou seus mandamentos e ensinou a esperança nas promessas messiânicas.

Com respeito ao islã, a outra religião monoteísta, o Santo Padre sublinhou a importância da mútua filiação em Abraão e o serviço comum aos valores morais fundamentais.

Em todo caso, o Santo Padre é coerente com seu pensamento teológico, sobretudo pelo que se refere à especificidade da verdade cristã revelada em Jesus Cristo. A arrogância não é crer que Deus deu o dom da verdade aos cristãos, mas o relativismo que leva a dizer que Deus não pode oferecer-nos este dom. Daqui a frase «a verdade não pode ter outra arma que si mesma».

--Pelo que toca à maneira de ver as outras religiões, adverte uma mudança em relação a João Paulo II?

--Rocha: Há que recordar que a história da chamada «teologia das religiões» enquanto disciplina teológica é bastante jovem no âmbito da teologia católica.

Historicamente existiram momentos de aproximação às demais religiões e seus valores – penso nos esforços de um Mateo Ricci (1552-1610) na China e um Roberto Nobili (1577-1656) na Índia, ou na visão de uma «paz entre as religiões» de um Nicolas de Cusa (1401-1464) – não foi até o Concílio Vaticano II que a Igreja, de maneira formal, estabeleceu o paradigma do que chamaríamos depois de a «teologia das religiões».

As bases desta doutrina se encontram na declaração Nostra Aetate sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs (1965). Desde então, a teologia das religiões se foi desenvolvendo entre momentos de grande entusiasmo, mas também ao ritmo de um discernimento cauto.

Creio que João Paulo II realizou uma inusitada aproximação às outras religiões, sobretudo a partir de gestos concretos muito significativos, como a visita à Sinagoga de Roma (1986) ou a visita à Mesquita de Damasco (2001), e sobretudo com os encontros de Assis de 1986 e de 2002. Esta aproximação às diversas religiões do mundo teve um valor profundamente simbólico, e ajudou a vencer muitos preconceitos.

Mas ao lado dos gestos simbólicos há que ir consolidando uma reflexão teológica que, ao final, é a que determina um verdadeiro diálogo.

Com Bento XVI encontramo-nos com um aprofundamento dos elementos teológicos que seguramente não terão uma repercussão midiática tão notável como os gestos, mas permitirão estabelecer claramente os princípios reguladores de uma teologia das religiões (e portanto de um diálogo inter-religioso) que evitem tanto um exclusivismo de extremidade como um relativismo de princípio.

O inclusivismo que caracteriza a teologia católica das religiões (que defende a unicidade e a universalidade da salvação em Jesus Cristo reconhecendo nas religiões um valor imperfeito) encontrará seguramente sob o pontificado de Bento XVI um fino e sólido desenvolvimento.


www.lasalle.edu.br/upload/Teologia/a%20teologia%20das%20religioes.doc

Friedrich Schleiermacher - O Pai da Teologia Liberal


Biografia:
Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (Breslau 1768 / Berlim 1834), teólogo e filósofo alemão. Filho de um capelão militar, provém da tradição reformada e se educou em escolas moravianas e luteranas. Apreciava a piedade e o estudo do latim, grego e hebraico dos moravios. Estudou a filosofia kantiana e foi estudante de F. Von Schlegel, um líder do romancismo nos círculos literários de Berlim. Foi ordenado ao ministério em 1794. Foi clérigo em Berlim na Igreja da Trindade donde começou sua associação com os círculos da filosofia romancista. Foi o primeiro calvinista convidado a ensinar na Universidade Luterana de Halle em 1804. Em 1810 foi o primeiro teólogo convidado a ensinar na Universidade de Berlim. Defendeu a união das igrejas calvinistas e luteranas na Prússia. Elaborou seu sistema ético e religioso influenciado por Spinoza, Platão, Fichte, Kant e pelo romantismo alemão. Suas pricipais obras foram: Discursos sobre a religião (1799); Monólogos (1800); Crítica das Doutrinas e A Fé Cristã (1822).

Teologia:
Schleiermacher é considerado o pai da teologia liberal por causa de sua ênfase no direito do indivíduo de definir os termos de sua própria fé, sem ser intimidado por nenhuma autoridade. Sua teologia abriu portas para que o pensamento iluminista secular entrasse na esfera teológica. Ele não acreditava que a bíblia fosse a palavra de Deus inspirada, pois ninguém poderia estar seguro de nada além de sua própria experiência pessoal. Para ele, cada pessoa tem uma consciência de Deus que instila um senso de dependência para com algo para além de si mesmo. O Jesus encontrado no Novo Testamento e exaltado nos credos foi mal interpretado como Deus, sendo de fato um homem que alcançou a pura consciência de Deus, via a Cristo como o salvador, porque nele brilhava dependência absoluta em Deus, e sua obra consistia em transferir ao ser humano essa consciência de dependência absoluta na divindade. A religião é: “A consciência da divindade tal como se encontra em nós mesmos e no mundo”.

Religião: O sentimento e intuição do universo;
Cristianismo: O sentimento e a total dependência de Deus;

Para Schleiermacher os sentimentos é que interessa à religião, identifica Deus a molde de Spinoza, com o mundo, considerado como um todo, posteriormente identifica-se com os pensamentos de Agostinho e Calvino. A autoridade final na religião, não são as escrituras, nem a razão e nem uma relação entre as duas, antes é o sentimento religioso (uma espécie de intuição) combinado com a experiência religiosa dali derivada.

Para Schleiermacher a religião não podia ser estudada corretamente nem pela filosofia racionalista da ilustração, nem pelos dogmas eclesiásticos, apenas o sentimento e a intuição eram os melhores caminhos para relacionar-se com Deus.

Deus para ele era um realidade supra-pessoal e transcendente. Ele questionava o dogma da trindade, negava a interpretação da morte de Jesus como um substituto pelo ser humano, entendia o pecado como uma debilidade individual e coletiva dos seres humanos que se mantém em circulação através das influências sociais.

Concepção filosófica:
A concepção filosófica de Schleiermacher é, fundamentalmente, a do idealismo romântico, isto é, do monismo imanentista. Embora ele pense que não podemos conhecer nada a respeito de Deus, teoricamente, repete de muitos modos que a realidade é una, e que o espírito humano na sua plena atualidade é a consciência de Deus imanente. O absoluto não é atingido por via prática ou moral, é atingido pelo sentimento, não pelo sentimento de ordem psicológica, mas pelo sentimento potenciado romanticamente em sentido metafísico, sentimento este que seria precisamente a faculdade do absoluto, do uno, e a raiz comum das outras atividades psíquicas. Schleiermacher procura libertar a religião da ciência e da moral para poder celebrar uma religiosidade estética.

A religiosidade verdadeira e própria para Schleiermacher consiste em uma religiosidade em sentido específico, que seria a referência das várias e mutáveis determinações da autoconsciência ao absoluto, ao mais alto e mais puro Eu, que constitui a nossa essência. Para Schleiermacher a religião ocupa o mais alto grau da atividade humana, assim como o sentimento ocupa o vértice da vida espiritual. E como na vida espiritual o conhecimento e a vontade seriam secundários e derivados com respeito ao sentimento, assim na atividade religiosa a teoria e a prática, a doutrina e a moral, seriam expressões inadequadas e simbólicas da religiosidade.

A ação do infinito sobre o homem, é a intuição, e o sentimento é a resposta do sujeito: é o estado de espírito, ou seja, a reação da consciência. Este sentimento que acompanha a intuição do infinito é o sentimento de total dependência do sujeito em relação ao infinito. O sentimento religioso, portanto é o sentimento de total dependência do homem (finito) em relação à totalidade (infinita). Essa idéia básica vale para todas as formas de religião.

Igreja:
Schleiermacher foi um dos primeiros eruditos a questionar a interpretação sobre os autores dos evangelhos apresentados pela tradição da igreja. A igreja para ele, é um lugar de verdadeira comunidade humana, uma comunidade que se baseia neste sentido de dependância absoluta em Deus, compartilhada comunitariamente. Isto é base para uma plena humanização. A religião é um componente básico da natureza humana.

Hermenêutica:
Schleiermacher é considerado o pai da hemenêutica moderna, para ele a tarefa da hermenêutica era “entender o discurso também como o autor, e depois melhor que ele”. Ele intentou apresentar uma teoria coerente sobre o processo de interpretação dos textos, apresentou a teoria da comunicação entre um emissor e um receptor, baseado em um contexto social e linguístico comum. Adicionou à teoria tradicional da interpretação uma dimensão psicológica.


Bibliografia:
http://www.pfilosofia.xpg.com.br/geocities/encfil/schleiermacher.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Friedrich_Schleiermacher


Kadu Santoro

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O Polêmico relacionamento entre os Manuscritos de Qumran e os Evangelhos


Entre os primeiros documentos publicados dos manuscritos do mar morto, é preciso lembrar o Manual de Disciplina (ou Regra da Comunidade), a Regra da Assembléia, o Documento de Damasco, a Regra da Guerra dos Filhos da Luz contra os Filhos das Trevas, o Comentário de Pesher Habacuc. Neles aprendemos que o ritual do batizado, o eucarístico e a confissão dos pecados, eram parte integrante e essencial das práticas religiosas, é possível reconhecer muitos elementos que, nos textos evangélicos, são próprios do pensamento cristão: a iminência do reino, a exortação a converter-se nesta mesma prospectiva, a proibição de jurar, os conceitos expressos por Jesus no sermão da montanha, a terminologia usada etc....
Confrontamos, por exemplo, as seguintes palavras dos manuscritos :

"…Pelo sábio para que ele ensine os Filhos da Luz… Numa fonte de Luz está a origem da verdade, e numa fonte de Escuridão a origem da injustiça…"

"…na hora que os Filhos da Luz atacarem o partido dos Filhos das Trevas…" (Regra da Guerra)

com as palavras do Quarto Evangelho:

"…Andai enquanto tendes a Luz, para as Trevas vos não apanhem; pois quem anda nas Trevas não sabe para onde vai. Enquanto tendes a Luz, credes na Luz, para que sejais Filhos da Luz…" (Jo 12, 35-36)

"…a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más. Porque todo aquele que faz o mal aborrece a luz, e não vem para luz, para que as suas obras não sejam reprovadas. Mas quem pratica o verdade vem para aluz, a fim de que as suas obras sejam manifestadas, porque são feitas em Deus…" (Jo 3, 19-21)

"…Eu sou a luz que vim ao mundo, para que todo aquele que crê em mim não permaneça nas trevas…" (Jo 12, 46)

Observe-se este trecho, que pertence ao manuscrito qumraniano "Regra da Comunidade":
"Do Deus muito sábio vem tudo o que é e será… dispus para o homem dois espíritos para que caminhe com eles até o tempo estabelecido da sua visita… concedeu um tempo determinado à existência da injustiça: no tempo estabelecido pela visita, ele a exterminará para sempre…"

E vamos a confrontá-lo com estas palavras do Evangelho de Lucas:
"…Bendito o Senhor Deus de Israel, porque visitou e remiu o seu povo…" (Lc 1, 68)

"…se tu [Jerusalém] conhecesses também, ao menos neste teu dia, o que à tua paz pertence! Mas agora isto está encoberto aos teus olhos. Porque dias virão sobre ti, em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, e te sitiarão, e te estreitarão de todas as bandas; E te derribarão, a ti e aos teus filhos que dentro de ti estiverem; e não deixarão em ti pedra sobre pedra, pois que não conheceste o tempo da tua visitação…" (Lc 19, 41-44)

Os mesmos tons de ameaça apocalíptica se encontram no manuscrito qumraniano "Rolo da Guerra":

"...Ouça, Israel! Hoje vós vos aprestais a combater contra vossos inimigos… não temeis e não vos alarmais na frente deles. Pois vosso Deus caminha convosco para combater vossos inimigos e para salvar-vos… Na hora que, no vosso país chegar uma guerra contra o opressor que vos oprime, tocareis as trombetas e vosso Deus lembrará de vós e estareis salvos dos vossos inimigos…"

Que podemos comparar a estas palavras do Evangelho de Lucas:

"…[o Senhor Deus de Israel] nos levantou uma salvação poderosa na casa de Davi seu servo. Como falou pela boca dos seus santos profetas, desde o princípio do mundo; para nos salvar dos nossos inimigos e da mão de todos os que nos aborrecem; para manifestar misericórdia a nossos pais, e lembrar-se do seu santo concerto, e do juramento que jurou a Abraão nosso pai, de conceder-nos que, libertados da mão dos nossos inimigos, o serviríamos sem temor, em santidade e justiça perante ele, todos os dias da nossa vida…" (Lc 1, 68-75)

E ainda, sempre no manuscrito qumraniano "Regra da Guerra":

"…Alegra-te muito, Sion! [Jerusalém] Exultais vós todos, cidades de Judá! Abre para sempre tuas portas, para fazer entrar em ti a riqueza das nações… Filhas do meu povo, gritais de felicidade, enfeitai de glória… até quando resplandecerá o rei de Israel para reinar pela eternidade…"

Para se confrontar com o episódio evangélico do ingresso messiânico de Jesus a Jerusalém:

"…no dia seguinte, uma grande multidão que viera à festa, ouvindo que Jesus vinha a Jerusalém, tomaram ramos de palmeiras, e saíram-lhe ao encontro, e clamavam: Hosana! Bendito o rei de Israel que vem em nome do Senhor, e achou Jesus um jumentinho, e assentou-se sobre ele, como está escrito: não temas, ó filha de Sião [Jerusalém]; eis que o teu Rei vem assentado sobre o filho de uma jumenta…" (Jo 12, 12-15)

Uma importante consideração a fazer é relativa ao nome que a seita qumraniana dava a si mesma e ao lugar onde estava instalada. Logicamente a denominação de Khirbet Qumran é moderna e pertence à língua árabe. Para conhecer como os qumranianos indicavam seu próprio lugar de auto - exílio, podemos utilizar as palavras do Documento de Damasco [imagem a direita]:

"…o poço é a lei, e aqueles que o escavaram são os convertidos de Israel, aquele que saíram da terra de Judá e se exilaram na terra de Damasco…" (Documento de Damasco VI, 4-5)


"…segundo a disposição daqueles que entraram no novo pacto na terra de Damasco…" (Doc. Damasco VI, 19)

"…a estrela é a intérprete da lei que verá a Damasco, como está escrito: uma estrela tem feito muita estrada desde Giacobbe, e um cetro se levanta de Israel…" (Doc. Damasco VI, 18-20)

É importante observar, neste último versículo, a citação de uma profecia messiânica [Num. 24,17], que o Novo Testamento afirma estar referida a Cristo (Mt 2, 1-12 e Ap. 22, 16), também em relação a imagem da "estrela" como astro nascente que anuncia a chegada do Messias. Isso torna ainda maior a ligação do movimento cristão originário com o qumraniano.
E ainda:

"…Todos os homens que entraram no novo pacto na terra de Damasco, mas depois se foram, traíram e se afastaram do poço da viva água…" (Doc. Damasco VIII, 21)

Neste versículo também encontra-se uma correspondência com o Novo Testamento. A imagem do poço da viva água corresponde perfeitamente às palavras usadas por Jesus no diálogo com a samaritana, no Evangelho de João.
E ainda:

"…o pacto com o qual se comprometeram com o país de Damasco, ou seja, o novo pacto…" (Doc. Damasco XX, 12)


Tudo isso leva a acreditar que expressões como Damasco e a terra de Damasco, eram utilizadas pelos qumranianos para indicar ora a si mesmos e a sua comunidade, ora o lugar ou os lugares dos seus rituais. Muitos estudiosos concordam com esta opinião, inclusive o mesmo Padre de Vaux (L'archeologie et les manuscrits de la Mer Morte, London 1961), além de J. Barthelemy, A. Jaubert, G. Vermes, N. Wieder e outros. Qual o motivo de os qumranianos adotarem esta denominação? Eles trouxeram inspiração num texto bíblico, Amos 5, 26-27, que de fato vem citado no mesmo Documento de Damasco (VII, 14-15), onde se fala da teologia da deportação e do exílio (veja também Jeremias e Ezequiel).


Em prática, Damasco é visto como um lugar de exílio, um lugar onde os homens pio e puros encontram um abrigo em frente a cólera de Deus. Jeremias e Ezequiel falam dos exilados em Damasco como a parte melhor do povo de Israel. Os qumranianos, que se separaram auto-exilando-se no deserto do Mar Morto para protesto contra a corrupção da classe sacerdotal de Jerusalém, explorando a similitude com os versos bíblicos, comparam a si mesmos aos "deportados na terra de Damasco", e nomearam Damasco o próprio ritual.
Tudo isso tem um papel fundamental na leitura e interpretação do Novo Testamento. O Professor R. Eisenman (California State University), que acredita na identidade, ou pelo menos numa estrita parentela, entre a comunidade de Qumran e o movimento judeu-cristão primitivo, afirma que o famoso trecho dos Atos dos Apóstolos no qual Paulo é enviado a Damasco pelo sumo sacerdote em busca de cristãos para prendê-los, tenha que ser completamente reinterpretada, entendendo com Damasco não a célebre cidade da Síria, mas este sitio de Qumran.
De fato, é importante observar que na Síria, nem Paulo nem o sumo sacerdote de Jerusalém tinham alguma autoridade. A cidade de Damasco pertencia a outra administração e as autoridades de Jerusalém não tinham nenhum direito de efetuar ações de polícia na Síria. Tudo isso mostra claramente a quantidade de questões que podem nascer de uma atenta análise da origem cristã. E de quanto tenha sido manipulada a memória histórica.


http://mucheroni.hpg.com.br/religiao/96/livros.htm