quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

A teologia das religiões de Joseph Ratzinger


Entrevista com o professor Joan-Andreu Rocha Scarpetta

ROMA, domingo, 16 de abril de 2006 (ZENIT.org).- Ao completar um ano do início do pontificado de Bento XVI, Zenit quis aprofundar em seu pensamento acerca da chamada «teologia das religiões».

Nesta entrevista, Joan-Andreu Rocha, professor de Teologia das Religiões e de Ecumenismo na Faculdade de Teologia do Ateneu Pontifício «Regina Apostolorum» de Roma, onde dirige o «Mestrado em Igreja, Ecumenismo e Religiões», relata como o então teólogo Joseph Ratzinger via a relação das religiões com o cristianismo e como segue aplicando em seu pontificado esta visão.

--Pode-se falar de uma «teologia das religiões» própria do cardeal Joseph Ratzinger?

--Rocha: Mais que de uma «teologia das religiões» própria de Joseph Ratzinger, pode-se falar de um Ratzinger teólogo das religiões. Já como jovem professor de teologia de Frisinga e Bonn, o futuro Bento XVI ensinou história das religiões e filosofia da religião. Sublinhava a importância destas religiões na preparação do caminho do cristianismo, como a realização paulatina das promessas de Deus ao longo da história da salvação.

Sua avaliação destas tradições religiosas funda-se no princípio do Reino de Deus: a Igreja é depositária dos meios para proclamar e fazer presente o Reino de Deus. Mas não possui o monopólio, porque o Reino é mais que a Igreja.

A característica principal deste reino é o amor. Onde há amor fraterno faz-se presente virtualmente o Reino de Deus, que aperfeiçoa a lei natural, onde obra a graça salvífica divina. A base deste pensamento fundamenta-se sobretudo na dimensão natural da pessoa humana e sua possibilidade de raciocinar, que são objetos do amor de Deus.

Não há que esquecer que o teólogo Ratzinger vive de perto o desenvolvimento do que hoje chamamos a teologia das religiões, que evolui no contexto de uma tensão entre três elementos: a reflexão teológica propriamente dita (que compreende a teologia das religiões à luz da teologia da graça, a eclesiologia e a teologia da salvação ou soteriologia), o mandato missionário da Igreja que impele à proclamação do Evangelho a todo o mundo, e o reconhecimento dos valores humanos presentes em todas as culturas, nas quais se encontram as diversas religiões do mundo.

É a partir desta tripla tensão --formada pela reflexão teológica, a missão e o valor das culturas-- onde nasce e se desenvolve o verdadeiro diálogo inter-religioso.

Cabe dizer que a teologia das religiões é a disciplina teológica que se ocupa da avaliação teológica das religiões não-cristãs, que não há que confundir com o diálogo inter-religioso. Em seu estado atual apresenta três tendências: a exclusivista (que não reconhece nenhum valor às religiões fora do cristianismo), a pluralista (que dá a todas as religiões um valor igual) e as inclusivistas (que dá a supremacia da verdade salvífica a Cristo, mas reconhece os valores presentes nas outras religiões). Esta última é a linha aceita pelo Magistério da Igreja.

--Como sugeria o teólogo Ratzinger a aproximação das religiões?

--Rocha: O teólogo bávaro insistia em uma aproximação das religiões a partir da teologia da história, superando a redução da religião à pura experiência (misticismo) ou a um conhecimento puramente racional (iluminismo). Estas são no fundo as grandes tentações do ser humano: o relativismo que vê tudo como igual e indistinto, ou a razão apresentada como oposta à religião.

Anos depois, de frente ao desenvolvimento da teologia das religiões e como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o teólogo Ratzinger afinará seu pensamento. Insistirá sobre a importância da verdade como fundamento do encontro entre as religiões, e enfatizará ainda mais a importância do fato histórico e salvífico que é a revelação de Cristo. A declaração «Dominus Iesus» (2000) é precisamente como um grito de atenção frente à dissolução do evento salvífico de Cristo no contexto de um pluralismo religioso crescente. Cristo, para os cristãos, não é um personagem religioso notável entre outros, mas o único salvador.

--Bento XVI insiste especialmente no vínculo com as religiões monoteístas. Como o Papa entende o valor das outras religiões?

--Rocha: O princípio fundamental que rege o pensamento do Santo Padre neste sentido é que perante Deus todos os homens têm a mesma dignidade, independentemente do povo, da cultura ou da religião a que pertençam. A partir daqui avança a perspectiva de uma teologia da história que vê nas religiões não cristãs as precursoras do cristianismo. Mas insiste no valor distinto das religiões.

Por isso, as religiões monoteístas ocupam um lugar particular. Entre elas, o judaísmo tem um lugar preeminente. Sobretudo pela estreita relação entre o Antigo e o Novo Testamento, pelas raízes espirituais comuns e por seu rico patrimônio de fé no único Deus, que estabeleceu sua aliança com o povo eleito, revelou seus mandamentos e ensinou a esperança nas promessas messiânicas.

Com respeito ao islã, a outra religião monoteísta, o Santo Padre sublinhou a importância da mútua filiação em Abraão e o serviço comum aos valores morais fundamentais.

Em todo caso, o Santo Padre é coerente com seu pensamento teológico, sobretudo pelo que se refere à especificidade da verdade cristã revelada em Jesus Cristo. A arrogância não é crer que Deus deu o dom da verdade aos cristãos, mas o relativismo que leva a dizer que Deus não pode oferecer-nos este dom. Daqui a frase «a verdade não pode ter outra arma que si mesma».

--Pelo que toca à maneira de ver as outras religiões, adverte uma mudança em relação a João Paulo II?

--Rocha: Há que recordar que a história da chamada «teologia das religiões» enquanto disciplina teológica é bastante jovem no âmbito da teologia católica.

Historicamente existiram momentos de aproximação às demais religiões e seus valores – penso nos esforços de um Mateo Ricci (1552-1610) na China e um Roberto Nobili (1577-1656) na Índia, ou na visão de uma «paz entre as religiões» de um Nicolas de Cusa (1401-1464) – não foi até o Concílio Vaticano II que a Igreja, de maneira formal, estabeleceu o paradigma do que chamaríamos depois de a «teologia das religiões».

As bases desta doutrina se encontram na declaração Nostra Aetate sobre as relações da Igreja com as religiões não cristãs (1965). Desde então, a teologia das religiões se foi desenvolvendo entre momentos de grande entusiasmo, mas também ao ritmo de um discernimento cauto.

Creio que João Paulo II realizou uma inusitada aproximação às outras religiões, sobretudo a partir de gestos concretos muito significativos, como a visita à Sinagoga de Roma (1986) ou a visita à Mesquita de Damasco (2001), e sobretudo com os encontros de Assis de 1986 e de 2002. Esta aproximação às diversas religiões do mundo teve um valor profundamente simbólico, e ajudou a vencer muitos preconceitos.

Mas ao lado dos gestos simbólicos há que ir consolidando uma reflexão teológica que, ao final, é a que determina um verdadeiro diálogo.

Com Bento XVI encontramo-nos com um aprofundamento dos elementos teológicos que seguramente não terão uma repercussão midiática tão notável como os gestos, mas permitirão estabelecer claramente os princípios reguladores de uma teologia das religiões (e portanto de um diálogo inter-religioso) que evitem tanto um exclusivismo de extremidade como um relativismo de princípio.

O inclusivismo que caracteriza a teologia católica das religiões (que defende a unicidade e a universalidade da salvação em Jesus Cristo reconhecendo nas religiões um valor imperfeito) encontrará seguramente sob o pontificado de Bento XVI um fino e sólido desenvolvimento.


www.lasalle.edu.br/upload/Teologia/a%20teologia%20das%20religioes.doc

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