Por Kadu Santoro
A própria vida consiste em uma busca, seja lá qual for o ponto de
vista. A vida nada mais é do que um conjunto sucessivo de ações que visam ir de
encontro com algo, seja abstrato ou material, uns buscam saúde, felicidade e
paz, enquanto outros vão atrás de riquezas, prazeres, bens de consumo e outras
coisas materiais. Como podemos ver, alguns buscam coisas que produzem
preenchimento, enquanto outros anseiam por coisas que libertam, porém, todos
estamos buscando algo continuamente em todo o tempo.
A busca pela plenitude é a meta maior que o homem deve ter em mente, é o
foco daquele indivíduo que sabe discernir entre o “ter” e o “ser”, conhece as
razões e os motivos relacionados entre as coisas que preenchem e as que
libertam, sabe viver com equilíbrio sem deixar que os desejos e as vontades os
escravizem, tornando-os ansiosos e angustiados. As coisas que libertam são as
que edificam o homem integral, produzindo crescimento, sabedoria e
espiritualidade. Não podemos falar sobre liberdade num âmbito mais elevado sem
citar alguns conceitos orientais, em especial, os hindus.
Na índia, o conceito de libertação é chamado de moksha, que só pode ser alcançado através do sadhana (esforço e empenho espiritual). A libertação para eles
consiste em livrar-se desse mundo irreal, das ilusões (maya) que conduz à
morte. Em todas as religiões, encontramos preces e orações que dizem: “leva-nos
da escuridão à luz, guia-nos do irreal para o real, da morte para a
imortalidade.” Essas são as características daqueles que buscam pela plenitude,
onde a esperança reside num tempo transcendente, maior e real.
No budismo, o conceito do nirvana
significa o ultrapassar de um mundo mutável e impermanente, onde todas as
coisas dependem de alguma outra, para uma condição de liberdade, um estágio
superior, onde não há nada que possa nos prender, inclusive o ego e a
personalidade. Para os budistas, tudo que é “composto” perece, logo, não é
real, todas as coisas são transitórias, só é possível vislumbrar a “dimensão
real” aqui no plano físico através da plenitude.
Na tradição cristã essa idéia de liberdade e busca pela plenitude
encontra-se fundamentada na salvação do pecado e do mal, enquanto o primeiro é
visto como sendo de natureza pessoal, o mal é geralmente objetivado como
estruturas ou forças pessoais. A libertação não é única e exclusiva de alguma
coisa, mas também para algo além. Quando pensamos em liberdade, tendemos a
focar apenas a coisa em si da qual procuramos libertação, porém, isso faz parte
da nossa experiência imediata. Vemos a vida em si como algo irreal,
inconstante, instável e pecaminoso. Essa visão aparentemente negativa vem a ser
o nirvana dos budistas. Podemos
definir até aqui, que a libertação, mesmo classificada como integral, não passa
de um processo, não é a meta.
Jung certa vez disse: “o objetivo
não é atingir a perfeição, e sim, a totalidade”. Essa frase nos apresenta
outra palavra muito importante, totalidade. Ela refere-se à integração e
complemento do que é dividido, múltiplo ou parcial. Consiste numa imagem mais
positiva e próxima do que a de “libertação”, pois tem uma amplitude maior.
Podemos perceber a diferença desses dois termos (liberdade e totalidade) na
prática quando realizamos um estudo comparativo entre as tradições orientais e
ocidentais, como exemplo, as visões holísticas da tradição hindu em relação as
religiões dicotômicas européias, onde as primeiras baseiam-se no conceito “um e outro”, enquanto as ocidentais
pensam “um ou outro”. Isso nos mostra
a multiplicidade e a diferença que a integração encontra na totalidade.
A totalidade é como se fosse uma imagem estática, indicando uma estrutura
de equilíbrio entre diversos elementos. Um exemplo perfeito e visual, são as
mandalas, que consistem em modelos geométricos equilibrados, construídos com
círculos, quadrados e triângulos. Através da sua “pureza” geométrica e dos
preenchimentos harmônicos, elas são muito utilizadas como instrumento de
concentração, visando integrar e unificar a mente e a atenção. As mandalas são
uma espécie de arquétipo, encontra-se presente em todas as culturas, tanto
orientais quanto ocidentais. O dinamismo que a mandala nos proporciona, nos
conduz a um estado de calma e repouso, facilitando o nosso encontro com o
estado de plenitude.
A plenitude é o estágio mais elevado que podemos alcançar. A partir do
momento em que atingimos esse estágio, não observamos mais as coisas
individualmente, e sim, numa concepção una. Podemos dizer que a plenitude é a
realidade última, porém, ela não é estática, mas repleta de vida e
criatividade, permitindo repartir sua abundância na criação, nada perdendo em
dar ou criar. Na visão cabalística, durante o caminho espiritual, o homem deve
transformar o seu desejo de receber em desejo de dar para conseguir superar sua
dependência com respeito aos planos inferiores da realidade. Segundo eles, em
cada momento que nos encontramos frente ao desejo de receber, a Torá e as
Mitsvót nos orientam a canalizarmos nosso desejo em função do bem coletivo, em
direção ao altruísmo, um desejo de dar com sabedoria.
A plenitude abraça a multiplicidade e a variedade, essas não são mais
vistas como divisão e fragmentação, mas como riqueza enraizada numa unidade que
é plenitude. Podemos celebrar a plenitude com a proclamação do Isa Upanishad:
“Contemple o universo na glória de Deus”. Nessa dinâmica, os mistérios de Deus
encontram-se em todas as coisas, assim como, todas as coisas encontram-se em
Deus. Essa é a verdadeira dimensão da plenitude, inclusiva e transcendente, é a
visão do advaita – da não-dualidade – que é um e muitos, ou, de outro ponto de
vista, que não é nem um nem muitos.
Na tradição cristã, João e Paulo nos apresentam a imagem de vida e
plenitude em seus escritos. João evoca os mistérios do Deus do qual tudo
procede e do Verbo que se torna carne, assim partilhando a plenitude com todos.
Jesus disse: “eu vim para que os homens
tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo.10.10). A plenitude para o
cristão deve ser entendida como o fim da Lei, pois o próprio Cristo veio na plenitude
dos tempos (Gl.4.4) e ele próprio é o fim da Lei (Rm.10.4). “De sua plenitude, com efeito, todos nós
recebemos” (Jo.1.6). O apóstolo Paulo também nos apresenta uma visão
similar: “Pois aprouve a Deus fazer
habitar nele toda a plenitude e tudo reconciliar por meio dele e para ele”
(Cl.1.19,20).
Para concluir, posso dizer que a plenitude é o horizonte em que vivemos;
não experienciá-la é a nossa tragédia, como disse o filósofo Soren Kierkegaard:
“Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se”. Nossa
vida encontra-se limitada, fragmentada e incitada para todos os lados. Nossa
experiência, da mesma forma, é a da multiplicidade, e não a da unidade. A
expressão “busca da plenitude” indica um processo e um fim. Entretanto, seria
errado pensar a plenitude enquanto experiência a esperar por nós, em algum
lugar no futuro. A plenitude não é um mero adjetivo, ela “É”, e existirá
sempre. Deus é plenitude e cria plenitude. Toda a vida do ser humano
encontra-se nessa plenitude, que é Deus. Infelizmente não a experienciamos,
dado estarmos aprisionados por toda a sorte de ilusões e limitações. É na
plenitude que encontramos nossa origem e nela residimos: somente assim
transcendemos nossas limitações.
Paz, Shalom, Salaam, Namastê!!!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirAqui estamos, caro Kadu, para uma visitinha rápida que já deu para "sentir" que teremos uma retorno rápido. O seu blog é especial e não posso ficar só nesta rápida passada.Depois veja meu BLOG DO DIRCEU RABELO.
ResponderExcluirGrande e fraternal abraço!
Dirceu Rabelo
Que delicia Kadu,precisa ler este texto e já vi que terei muitos textos para ler,refletir,aprender!!Nada é por acaso!!Obrigada e que Deus continue te iluminando!!Amor e paz!!
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