por A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 2º Domingo de Advento (9 de dezembro de 2012). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.
João, modelo de transparência
Os dois primeiros capítulos do Evangelho de Lucas contam a infância de Jesus. Formam como que um Evangelho especial. Já este terceiro capítulo inicia um novo relato, comparável ao Evangelho de Marcos. Lucas começa enumerando os potentados que governavam a região e, também, o Império. O contraste é marcante: a palavra de Deus, que faz o universo existir, não se dirige a nenhum destes importantes personagens, mas sim ao filho de Zacarias, de quem sequer se diz ser sacerdote, nem mesmo um dentre tantos, em Israel. Este João que Mateus e Marcos descrevem como um asceta é, de qualquer modo, uma pessoa transparente. Voz que clama no deserto é a voz de Outrem, pois o que é falado por ele é a palavra de Deus. Assim, João desaparece diante d'Aquele que anuncia. Com seu dedo apontado, não atrai os olhares e a atenção de todos para si mesmo, mas para quem (ele) está indicando. Em nossos desertos de ausência de Deus, podemos encontrar o Cristo através de qualquer desconhecido, seja ele quem for, e não necessariamente através dos que, em nossas sociedades, são pessoas importantes. O Cristo nos alcança através de todos estes de quem nos tornamos o próximo, através d' "o menor desses pequeninos" de que fala Jesus, em Mateus 25. Deus não economiza a sua Palavra. Ele nos fala sempre, através de todos os nossos irmãos. Assim, João Batista não desapareceu, mas encontra-se revivido em cada um de nós, desde que renunciemos a atrair para nós mesmos o olhar dos outros e orientemos a sua atenção para Aquele que vem; ou seja, desde que, para eles, abramos um futuro.
Atualidade de João Batista
E João, mesmo assim, conserva toda a sua personalidade histórica. O papel que desempenha foi comunicado a muitos homens, sem que neles se desfaça. Encarnada em João está toda a primeira Aliança. João, desta Antiga Aliança, é de qualquer forma o resultado e a recapitulação. Por isso sem dúvida, a respeito dele, os evangelistas citam Isaías. Porém o texto escolhido anuncia o retorno do exílio da Babilônia, mas com imagens que, vindas do Êxodo, referem-se à libertação da servidão no Egito. Será agora, com o Cristo, que irá produzir o verdadeiro retorno do exílio: o Êxodo definitivo. Outro paradoxo é que este "agora" está no futuro: João anuncia alguém que vem depois de si próprio. Este que vem é que vai dar valor ao nosso presente, conforme vimos no domingo passado. O Cristo nos possui já, enquanto esperamos a sua vinda. Sua vinda é permanente, mas está sempre por se fazer, até que seja "tudo em todos". Daí ser necessário que, de nossa parte, nos mantenhamos sempre abertos, constantemente, sem cessar. Sempre completos, mas nunca satisfeitos; esta é a nossa situação. Podemos estar certos de que, aconteça o que acontecer, por pior que seja, Cristo virá nos alcançar através disto mesmo. De qualquer tipo de madeira(,) Deus faz as suas flechas. Para nos conduzir até a terra prometida, usa tudo quanto a Ele nós mesmos impomos. João Batista está, portanto, sempre atual, uma vez que (nós) estamos sempre aquém de uma nova vinda de Deus. Temos necessidade de que nos seja indicado Quem, com certeza, está no meio de nós, mas que não (o) reconhecemos.
Abrir-nos à alegria
Não gostamos muito de ouvir falar em conversão, penitência, perdão dos pecados. Preferimos as metáforas de Isaías que são menos desagradáveis: preparar o caminho, endireitar as veredas, aterrar os vales... De que se trata? De abrirmo-nos para Deus, deixar que Ele nos crie à sua imagem, deixar sermos gerados. Mas temos medo de ter que mudar. Não gostamos de pontos de interrogação: preferimos ficar sentados no conforto de nossas certezas. Conversão consiste em nos interrogarmos sobre os nossos hábitos, sobre o valor de nossos desejos; consiste em sair de nosso sono para voltar os nossos olhos para Aquele que vem; sempre novo. Só então ficaremos curados de nossas paralisias, ao ouvir o Cristo nos dizer: "Levanta-te e anda". Vem andando até mim, vem me seguir. O batismo que João propõe, "em remissão dos pecados", significa um novo nascimento, um novo começo de vida; em direção à vida. De fato, o "pecado" não é a princípio transgressão a alguma proibição ou alguma lei, mas é o que se atravessa frente à nossa criação, à nossa verdade. O batismo de João não nos oferece a plenitude da vida nova, mas nos leva a fazer o deserto dentro de nós mesmos: a ‘tabula rasa' de tudo (o) que nos impede de dar lugar, por inteiro, àquele que vem. Devemos notar que as três leituras nos anunciam a boa nova: temos certamente que superar as nossas ilusões e a vida errante, mas para nos abrirmos à alegria (Baruc 5,9; Filipenses 1,11; Lucas 3,4-6). Depois de atravessar o deserto, a Terra prometida.
Texto extraído do site:
http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=21¬iciaId=3549
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