segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Uma reflexão sobre o bem e o mal


“Eu formo a luz e crio as trevas; eu faço a paz e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas essas coisas”. Isaías 45.7

Através deste texto de Isaías podemos perceber de forma tão nítida que Deus o eterno, criou todas as coisas, inclusive o bem e o mal. Para fazermos uma análise mais profunda sobre esta questão, precisamos buscar algumas informações através da tradição judaica (Kabbalah).

Em primeiro lugar devemos estudar o ambiente da criação. De acordo com a tradição, antes só havia Deus (eterno e atemporal) nada mais existia, nem o bem nem o mal. Dentro da Kabbalah, a divindade é chamada de AYIN, que significa o nada absoluto em oposição ao AYIN SOF, que significa o oposto, o tudo absoluto. Percebemos que dentro da unidade eterna, já era estabelecida uma dualidade como forma de equilíbrio e possibilidade de manifestação ou emanação.

A partir deste princípio, Deus, segundo a tradição, resolveu contemplar a ele próprio e tornar-se conhecido e manifesto, assim, o espelho da existência foi emanado e o homem, a imagem e semelhança de Deus colocado dentro dele. Sistematizando essa idéia, podemos representar da seguinte forma: fora do centro absoluto, emergiu um vazio, um ponto sem dimensão, onde a divindade se retirou para permitir um lugar no qual a existência pudesse acontecer e se manifestar.

Deus partiu do reino eterno para a dimensão do tempo e espaço, o universo é separado do mundo divino e ocupado com espécies diferentes de habitantes. A representação do bem e do mal já existia no simbolismo da árvore da vida (Gn. 3.2-5). Deus é e continua sendo onisciente, e ele por ter dado o livre-arbítrio ao ser humano, sabia de tudo que iria acontecer.

Toda essa narrativa do Éden em primeiro plano, parece ser num âmbito espiritual ainda antes da profanação do fruto proibido, que representava todo o conhecimento da criação. Logo após a queda, Deus deu-lhes túnicas de peles, que representava a descida ao mundo material (corporiedade), e a partir daí a humanidade entrou na dimensão do tempo e espaço.

Temos que separar o que é mal do que é pecado. Deus criou o mal, como condição de se estabelecer equilíbrio e harmonia do universo (dualismo) e não criou o pecado, esse que é o que nos afasta da essência divina. O homem apresenta segundo a tradição, quatro níveis de realidade presentes dentro dele: emanação, criação, formação e ação (nível físico da existência).

Para a natureza, Deus estabeleceu sistemas harmônicos e perfeitos, mas para o homem, foi dado a capacidade racional, onde através desta, ele pode fazer o que bem entender e como quiser (o bem, como aquilo que o aproxima do seu criador ou o mal, aquilo que o distancia do seu criador). O mal provocado pelo homem, é algo que gera desequilíbrio e consequentemente leva a morte física e até a morte espiritual (afastamento da essência primordial).

O mal não entrou no mundo a partir da queda, nem do homem nem de satanás, o mal já fora criado antes. O bem e o mal não são absolutos, são complementares. Podemos chamar uma extremidade da escala do bem e a outra do mal. Uma coisa é menos boa, que a outra coisa mais elevada na escala, mas esta coisa menos boa, por sua vez, é mais boa (melhor) que a coisa imediatamente inferior a ela; e assim por diante, o mais ou o menos sendo regulado pela posição na escala.

“Tudo é duplo; tudo tem dois pólos; tudo tem seu par de opostos; o semelhante e o desemelhante são uma só coisa; os opostos são idênticos em natureza, mas diferentes em grau; os extremos se tocam; todas as verdades são meias-verdades; todos os paradoxos podem ser reconciliados.” O Caibalion - Hermes Trismegisto.

Posso concluir que o bem e o mal já existiam ali na dimensão do Éden, e a partir do momento que a serpente (consciência humana) tentou a mulher (o ser ainda num estado andrógeno), naquele momento houve a necessidade de separação entre homem e mulher devido a condição dele ter alcançado o conhecimento da criação mais elevada. Daí em diante vieram para o mundo terreno, onde diz que a partir daí o homem se tornou mortal, a mulher sofreria com dores de parto (Gn. 3.16) etc. O homem não se tornou mal, só passou a enxergar (Gn. 3.7). O homem através do “logos” ou conhecimento acabou se afastando de Deus, e isso, leva-o a trangressão e consequentemente ao que chamamos de pecado.

Vejo lúcifer (portador de luz) no contexto do Éden como aquele que traz ao homem a consciência a respeito de sua natureza divina una com o criador, como no episódio da serpente. Daí vem a questão deste ter se exaltado e querer ser maior que o seu criador. Muitas vezes queremos ser mais que Deus no mundo de hoje. Lúcifer não é aquele vulto mental popular de satanás, que procura levar o homem pelo caminho de pecado e erros. O homem é o seu próprio satanás da mesma forma que o homem é a sua própria salvação.

Reflexão:
Não temos bases e propriedades suficientes, apenas expeculações no que tange o assunto quando falamos de anjos, satanás, ou seja, qualquer figura “espiritual”, e também para se discutir temas primordiais como esses, não podemos nos limitar apenas a bíblia, mas também devemos estabelecer as relações arquetípicas que envolvem a criação e a cosmogonia através das diversas religiões e culturas espalhadas pelo mundo. O mais importante é entender a mecânica da criação acima dos seus dogmas, sem mitos, metáforas e figuras alegóricas. Devemos ser maduros, e não estarmos agarrados aos símbolos construídos pela religião ao longo dos séculos, trancafiando as pessoas em grades de palavras e formatando-os dentro do monopólio religioso, criando um céu institucionalizado como morada de homens santos.


Bibliografia:
- BEN Z’ev Shimon Halevi, Kabbalah e Êxodo, São Paulo, Siciliano, 1994.
- TRISMEGISTO Hermes, O Caibalion Três Iniciados, São Paulo, Pensamento, 1987.
- Bíblia TEB – Tradução Ecumênica

Kadu Santoro

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