Por
Kadu Santoro
Quando
se fala em semana santa, a maioria das pessoas ocupam-se com o planejamento de
viagens no feriado, almoço em família e com a tradicional troca de chocolates,
em especial os ovos de páscoa, que parecem mais ovos de ouro devido aos altos
preços. Aqueles mais religiosos ocupam-se com os rituais, as liturgias, as procissões
e principalmente com as observâncias da abstinência da carne e das discussões.
Tudo isso nada tem haver com a essência da mensagem da páscoa também chamada Pessach em hebraico, que tem como
símbolo principal, o despertar da consciência, descrito alegoricamente no
antigo testamento como a saída da escravidão do Egito e no novo testamento com o
episódio da ressurreição, ou seja, em ambos os casos remete à liberdade, a
liberdade do Ser, o despertar do homem integral, livre dos condicionamentos do
ego que o escraviza com todos os seus desejos e caprichos ardentes.
O
símbolo da Páscoa nos remete à saída do estado de sono (Egito) em que nos
encontramos, vivendo uma vida ordinária de forma mecânica e rotineira, longe do
estado de Presença, da lembrança de Si mesmo, apegados às tradições daqueles que
também viveram nesse estado de sono sucessivamente de geração em geração,
promovendo uma verdadeira continuidade letárgica por mais de 2.000 anos. O
simbolismo da ressureição vem nos mostrar o despertamento para a nossa
realidade imortal, eterna, essa que é pautada nas virtudes intangíveis, fé,
esperança e caridade, também, chamada de virtudes teologais, indo além, tomando
consciência da nossa condição miserável e limitada nesse mundo sensível e
denso, fazendo com que lembremo-nos da nossa verdadeira origem, que é divina,
espiritual, como disse Pierre Teilhard de Chardin: “Não somos seres humanos
vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma
experiência humana.”
É lamentável
como a grande maioria das pessoas continua totalmente imersa no sono (Egito),
no estado de ignorância sobre Si mesmo, e com isso afastam-se cada vez mais uns
dos outros, guiados apenas pelos seus desejos e vontades, gerando cada vez mais
disputas pautadas em ciúmes, raiva, traição, egoísmo e ganância, longe de
desconfiar o quanto vivem afastados da verdadeira essência, que é a comunhão, a
partilha e a harmonia entre todos. De nada adianta cumprir os mandamentos da Quaresma
e da Semana Santa como uma formalidade religiosa, é preciso viver a essência
dessa mensagem durante os 365 dias do ano, com consciência plena da nossa
responsabilidade sustentável com todos, vivendo em função do Ser e não do Ter,
lembrando que estamos aqui de passagem, e logo seguiremos para uma nova jornada
de acordo com a lei de causa e efeito em processo contínuo até nos refinarmos o
suficiente para evoluirmos para níveis mais sutis no universo.
O
simbolismo da Páscoa nos convida à ressureição da nossa Essência, o despertamento
do Cristo Interior, isso acontece de forma cíclica ao longo de nossa vida, morremos
e ressuscitamos cotidianamente, assim como o equinócio da primavera em todos os
anos, é um tempo de novos começos, reconhecido em todas as religiões como um
arquétipo. O dia 25 de março, dia da Anunciação, é equivalente a uma festa
especial nos ensinamentos do antigo Egito, quando ocorre uma conjunção entre o
Sol e a Lua. Essa época também é reconhecida entre os astecas, babilônios e
romanos. Um período, com jejuns e pequenos sacrifícios voluntários.
A
alegoria do sacrifício de Cristo, sua via crucis até o gólgota, representa a
mortificação do ego, abrindo espaço para o preenchimento da gnosis, o
verdadeiro conhecimento capaz de libertar o homem das ilusões (Maya), isso
corresponde a uma verdadeira iniciação, a caminhada pela senda do
autoconhecimento, onde cada um de nós, vai percorrendo seu labirinto interior,
lutando contra suas más inclinações e desejos perniciosos, e isso gera muita
dor e agonia, mas sem sacrifícios não há evolução do Ser, como dizia os antigos
Cátaros que é preciso sairmos da condição de larva, passando pela crisálida até
nos tornarmos borboleta (metamorfose). A coroa de espinhos simboliza o
sacrifício da mudança de pensamentos (metanóia), por isso está na cabeça, pois
é preciso “perder a cabeça” como
acontecera metaforicamente com João Batista e Paulo de Tarso, e deixar surgir
através da gnosis a nova mente, a mente do ressuscitado, do Eu Superior,
voltada às coisas do alto. A crucificação é o clímax da iniciação, naquele
momento céu e terra se encontram, já não há mais separação entre o Ser e sua
Essência, Ele e o Pai São Um, a vitória sobre a condição dual do homem
materialista foi estabelecida, as portas da Jerusalém celestial foram abertas e
eis que o Novo Homem toma posse do paraíso (Éden) dentro de Si. Essa é a nossa
jornada que todos somos convidados a fazer nessa Semana Santa, ressuscitar,
lembrar de Si e assim vivermos segundo a vontade do Criador e em harmonia com o
universo.
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