sexta-feira, 30 de março de 2018

A Essência da Páscoa



Por Kadu Santoro

Quando se fala em semana santa, a maioria das pessoas ocupam-se com o planejamento de viagens no feriado, almoço em família e com a tradicional troca de chocolates, em especial os ovos de páscoa, que parecem mais ovos de ouro devido aos altos preços. Aqueles mais religiosos ocupam-se com os rituais, as liturgias, as procissões e principalmente com as observâncias da abstinência da carne e das discussões. Tudo isso nada tem haver com a essência da mensagem da páscoa também chamada Pessach em hebraico, que tem como símbolo principal, o despertar da consciência, descrito alegoricamente no antigo testamento como a saída da escravidão do Egito e no novo testamento com o episódio da ressurreição, ou seja, em ambos os casos remete à liberdade, a liberdade do Ser, o despertar do homem integral, livre dos condicionamentos do ego que o escraviza com todos os seus desejos e caprichos ardentes.

O símbolo da Páscoa nos remete à saída do estado de sono (Egito) em que nos encontramos, vivendo uma vida ordinária de forma mecânica e rotineira, longe do estado de Presença, da lembrança de Si mesmo, apegados às tradições daqueles que também viveram nesse estado de sono sucessivamente de geração em geração, promovendo uma verdadeira continuidade letárgica por mais de 2.000 anos. O simbolismo da ressureição vem nos mostrar o despertamento para a nossa realidade imortal, eterna, essa que é pautada nas virtudes intangíveis, fé, esperança e caridade, também, chamada de virtudes teologais, indo além, tomando consciência da nossa condição miserável e limitada nesse mundo sensível e denso, fazendo com que lembremo-nos da nossa verdadeira origem, que é divina, espiritual, como disse Pierre Teilhard de Chardin: “Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana.”

É lamentável como a grande maioria das pessoas continua totalmente imersa no sono (Egito), no estado de ignorância sobre Si mesmo, e com isso afastam-se cada vez mais uns dos outros, guiados apenas pelos seus desejos e vontades, gerando cada vez mais disputas pautadas em ciúmes, raiva, traição, egoísmo e ganância, longe de desconfiar o quanto vivem afastados da verdadeira essência, que é a comunhão, a partilha e a harmonia entre todos. De nada adianta cumprir os mandamentos da Quaresma e da Semana Santa como uma formalidade religiosa, é preciso viver a essência dessa mensagem durante os 365 dias do ano, com consciência plena da nossa responsabilidade sustentável com todos, vivendo em função do Ser e não do Ter, lembrando que estamos aqui de passagem, e logo seguiremos para uma nova jornada de acordo com a lei de causa e efeito em processo contínuo até nos refinarmos o suficiente para evoluirmos para níveis mais sutis no universo.

O simbolismo da Páscoa nos convida à ressureição da nossa Essência, o despertamento do Cristo Interior, isso acontece de forma cíclica ao longo de nossa vida, morremos e ressuscitamos cotidianamente, assim como o equinócio da primavera em todos os anos, é um tempo de novos começos, reconhecido em todas as religiões como um arquétipo. O dia 25 de março, dia da Anunciação, é equivalente a uma festa especial nos ensinamentos do antigo Egito, quando ocorre uma conjunção entre o Sol e a Lua. Essa época também é reconhecida entre os astecas, babilônios e romanos. Um período, com jejuns e pequenos sacrifícios voluntários.

A alegoria do sacrifício de Cristo, sua via crucis até o gólgota, representa a mortificação do ego, abrindo espaço para o preenchimento da gnosis, o verdadeiro conhecimento capaz de libertar o homem das ilusões (Maya), isso corresponde a uma verdadeira iniciação, a caminhada pela senda do autoconhecimento, onde cada um de nós, vai percorrendo seu labirinto interior, lutando contra suas más inclinações e desejos perniciosos, e isso gera muita dor e agonia, mas sem sacrifícios não há evolução do Ser, como dizia os antigos Cátaros que é preciso sairmos da condição de larva, passando pela crisálida até nos tornarmos borboleta (metamorfose). A coroa de espinhos simboliza o sacrifício da mudança de pensamentos (metanóia), por isso está na cabeça, pois é preciso “perder a cabeça” como acontecera metaforicamente com João Batista e Paulo de Tarso, e deixar surgir através da gnosis a nova mente, a mente do ressuscitado, do Eu Superior, voltada às coisas do alto. A crucificação é o clímax da iniciação, naquele momento céu e terra se encontram, já não há mais separação entre o Ser e sua Essência, Ele e o Pai São Um, a vitória sobre a condição dual do homem materialista foi estabelecida, as portas da Jerusalém celestial foram abertas e eis que o Novo Homem toma posse do paraíso (Éden) dentro de Si. Essa é a nossa jornada que todos somos convidados a fazer nessa Semana Santa, ressuscitar, lembrar de Si e assim vivermos segundo a vontade do Criador e em harmonia com o universo.

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