Por Kadu Santoro
Ao longo da história cristã, a cruz sempre
foi símbolo de maldição e sofrimento. Dentro do quadro histórico do mundo antigo
a cruz era local de condenação para criminosos, provavelmente teve sua origem
entre os Persas. O historiador Heródoto apresenta um relato onde o Rei Dario mandou
crucificar três mil babilônios por volta de 519 a .C. (ver Heródoto, Histórias). Os romanos aperfeiçoaram a
crucificação como forma de tortura. Cícero, o estadista romano chamou esse ato
de punição como: “o castigo extremo mais
cruel e repugnante”. (ver Cícero, Selected
Works) Muitos mártires cristãos também foram mortos na cruz pelo fato de
não negarem sua fé em Jesus Cristo e serem considerados rebeldes contra a
religião imperial. Para os judeus, era proibido olhar para alguém que estivesse
crucifixado, pois este era considerado maldito. Além disso, a cruz
proporcionava uma morte lenta e dolorosa, na maioria das vezes por asfixia
devido a posição incômoda com os braços abertos.
Analisando os evangelhos sinóticos e João
em um nível mais profundo, onde Jesus fala a respeito de seguir a ele levando a
própria cruz, podemos extrair sábias lições relacionadas ao processo do
despertar da consciência.
“Então,
Jesus disse a seus discípulos: “Se alguém quer vir em meu segmento, renuncie a
si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai
perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, vai salvá-la. Que
proveito terá o homem em ganhar o mundo inteiro, se o paga com a própria vida?
Ou então, que dará o homem, que tenha o valor de sua vida? Pois o Filho do
Homem virá com seus anjos na Glória do seu Pai; e então, retribuirá a cada um
segundo a sua conduta. Em verdade, eu vos declaro: dentre os que estão aqui,
alguns não morrerão antes de ver o Filho do Homem vir como rei”. (Mt.16.24-28)
O ponto de partida para analisar esta
passagem bíblica situa-se em duas perguntas fundamentais: quem é Jesus e o que
representa seguí-lo?
Jesus Cristo, dentro de uma interpretação
psicológica e analítica, é o arquétipo do divino/humano, ou seja, o modelo ou
paradigma a ser seguido pela humanidade. O apóstolo Paulo sintetiza bem esse
objetivo quando diz em uma de suas cartas: “até
que todos cheguemos à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão
perfeito, à medida da estatura completa de Cristo”. (Ef.4.13)
Jesus não é alguém fora, um ente
histórico, é o Cristo/símbolo que deve ser despertado dentro de nós. Possuímos
todas as potencialidades cósmicas dentro de nós, quando Jesus diz que Ele e o
Pai são um (Jo.10.30), está dizendo que essa condição é universal para todos
seres humanos, pois foram feitos à imagem e semelhança de Deus (Imago Dei).
Jesus falou aos seus seguidores que coisas maiores eles fariam, nunca mencionou
ter curado alguém, a própria “fé” da pessoa que foi instrumento de cura.
Na interpretação cabalística, o sentido
de Jesus na cruz simboliza a árvore da vida em seu estado perfeito com suas dez
sephiroths. Na cabeça a coroa (Kether-01) representando a divindade absoluta,
nos pés (Malkuth-10) representando o reino terreno, a humanidade integral, e no
meio da árvore, na posição do coração a beleza (Tiphereth-06), representando o
sagrado coração de Jesus, o fio condutor entre o homem e Deus.
Em relação a segunda pergunta, seguir a
Jesus significa especificamente estar ligado à árvore da vida, síntese de toda
à história da salvação bílbica, descrita no último livro da bíblia: “Bem aventurados aqueles que lavam as suas
vestiduras no sangue do Cordeiro, para que tenham direito à árvore da vida e
possam entrar na cidade pelas portas”. (Ap.22.14)
Essa pequena introdução já nos
possibilita analisarmos a questão sobre a centralidade da cruz com muito mais clareza.
Vimos que o centro da cruz, na árvore da vida, encontra-se no coração (Tiphereth),
que representa o local onde residem os nossos sentimentos humanos, a porta da
vida, onde está resguardado o sopro divino.
A primeira etapa para ter um verdadeiro
encontro com o nosso Cristo interior é renunciar a si mesmo, ou seja, é preciso
deslocar o nosso Eu do centro da nossa vida. Devemos tomar ciência de que tudo
é transitório e passageiro, nossa vida terrena é apenas uma experiência física,
como disse Teilhard de Chardin: “Não somos seres humanos vivendo uma
experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência
humana.” Esse é o ponto
de mutação que devemos ter em mente para realizarmos o verdadeiro processo do
despertar da consciência.
Renunciar a
si próprio, também representa dar lugar ao nosso inconsciente, local onde
encontram-se a nossa porção divina escondida, deixar um pouco de lado o nosso
agir racional, passar a perceber o que antes era chamado de coincidência, e
agora chama-se sincronicidade, viver mais de forma subjetiva, deixando Deus
conduzir nosso caminhar na estrada da vida.
O local
simbólico onde realizamos essa experiência é no centro da cruz, no ponto de
intercessão entre as coordenadas X (vertical) e Y (horizontal), local onde
encontram-se o Sagrado Coração de Jesus ou a Rosa Mística (utilizada pelos Rosa
cruzes e por Martinho Lutero), que tem como simbolismo o desabrochar da rosa,
que representa o despertar da nossa consciência e do amor universal. Segundo a
Física moderna, esse ponto de encontro entre as coordenadas chama-se horizonte
de eventos, local de manifestação tempo/espacial. Em todas as culturas
religiosas do mundo, temos imagens arquetípicas chamadas de Mandalas, que
possuem a mesma função simbólica da cruz, pois são representações visuais que
apontam para um centro, local de foco e meditação para atingirmos a união
mística entre o humano e Deus.
Perder a
nossa vida aqui por Jesus, não representa tornar-se um mártir, ou virar um
fanático religioso em busca da salvação como vemos ser pregado por aí de forma
fundamentalista, significa uma mudança de mentalidade, onde o nosso coração já
não é mais aprisionado pelo Ego, vivemos livres das amarras religiosas, pois o
véu se rasgou do alto (Kether) até em baixo (Malkuth), e vivemos no caminho do
centro (Tiphereth), ponto de comunhão com o divino, local de manifestação e
vida, o centro da cruz.
Para todos
aqueles que conseguirem viver essa centralidade na cruz durante sua vida, a
morte já não existirá mais, pois o medo e o temor da morte, nada mais é do que
um inconformismo ego-ísta de não aceitarmos que temos um tempo determinado aqui
no plano físico, seja para quem acredite em reencarnação ou ressurreição, pois
a lei cósmica é uma só, como Buda certa vez disse: “todo composto é perecível”.
Em síntese, podemos concluir que a cruz é um arquétipo da
árvore da vida, tanto é que ela é unânime nos quatro evangelhos. Jesus é o
protótipo do divino/humano, a condição que devemos atingir através da
experiência do encontro no centro da cruz, em Tiphereth (sexta sephira),
durante a subida pela árvore (nossa caminhada pelo mundo), partindo de Malkuth
em ascese até Kether. Jesus é a própria imagem de Tiphareth, que é simbolizada
na Cabala cristã como um rei majestoso e um Deus crucificado. Ele também é
representado como o Sol, a luz do mundo. Toda a narrativa bíblica a cerca da
vida, morte e ressurreição de Jesus aponta para um único lugar, a centralidade
do nosso coração (Tiphereth) que deve estar intimamente ligado a Deus.
Texto bem reflexivo e esclarecedor, muito bacana o seu blog, estarei sempre por aqui!
ResponderExcluirBeijos de Luz
Lisa do blog www.muraldecristal.blogspot.com.br
Obrigado pela partilha. Visite o nosso blog http://kairosnostambemsomosigreja.wordpress.com/
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