domingo, 10 de junho de 2012

Encontrando a nossa centralidade na cruz

Por Kadu Santoro

Ao longo da história cristã, a cruz sempre foi símbolo de maldição e sofrimento. Dentro do quadro histórico do mundo antigo a cruz era local de condenação para criminosos, provavelmente teve sua origem entre os Persas. O historiador Heródoto apresenta um relato onde o Rei Dario mandou crucificar três mil babilônios por volta de 519 a.C. (ver Heródoto, Histórias). Os romanos aperfeiçoaram a crucificação como forma de tortura. Cícero, o estadista romano chamou esse ato de punição como: “o castigo extremo mais cruel e repugnante”. (ver Cícero, Selected Works) Muitos mártires cristãos também foram mortos na cruz pelo fato de não negarem sua fé em Jesus Cristo e serem considerados rebeldes contra a religião imperial. Para os judeus, era proibido olhar para alguém que estivesse crucifixado, pois este era considerado maldito. Além disso, a cruz proporcionava uma morte lenta e dolorosa, na maioria das vezes por asfixia devido a posição incômoda com os braços abertos.

Analisando os evangelhos sinóticos e João em um nível mais profundo, onde Jesus fala a respeito de seguir a ele levando a própria cruz, podemos extrair sábias lições relacionadas ao processo do despertar da consciência.

“Então, Jesus disse a seus discípulos: “Se alguém quer vir em meu segmento, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. Pois quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas quem perder a sua vida por minha causa, vai salvá-la. Que proveito terá o homem em ganhar o mundo inteiro, se o paga com a própria vida? Ou então, que dará o homem, que tenha o valor de sua vida? Pois o Filho do Homem virá com seus anjos na Glória do seu Pai; e então, retribuirá a cada um segundo a sua conduta. Em verdade, eu vos declaro: dentre os que estão aqui, alguns não morrerão antes de ver o Filho do Homem vir como rei”. (Mt.16.24-28)

O ponto de partida para analisar esta passagem bíblica situa-se em duas perguntas fundamentais: quem é Jesus e o que representa seguí-lo?

Jesus Cristo, dentro de uma interpretação psicológica e analítica, é o arquétipo do divino/humano, ou seja, o modelo ou paradigma a ser seguido pela humanidade. O apóstolo Paulo sintetiza bem esse objetivo quando diz em uma de suas cartas: “até que todos cheguemos à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo”. (Ef.4.13)

Jesus não é alguém fora, um ente histórico, é o Cristo/símbolo que deve ser despertado dentro de nós. Possuímos todas as potencialidades cósmicas dentro de nós, quando Jesus diz que Ele e o Pai são um (Jo.10.30), está dizendo que essa condição é universal para todos seres humanos, pois foram feitos à imagem e semelhança de Deus (Imago Dei). Jesus falou aos seus seguidores que coisas maiores eles fariam, nunca mencionou ter curado alguém, a própria “fé” da pessoa que foi instrumento de cura.

Na interpretação cabalística, o sentido de Jesus na cruz simboliza a árvore da vida em seu estado perfeito com suas dez sephiroths. Na cabeça a coroa (Kether-01) representando a divindade absoluta, nos pés (Malkuth-10) representando o reino terreno, a humanidade integral, e no meio da árvore, na posição do coração a beleza (Tiphereth-06), representando o sagrado coração de Jesus, o fio condutor entre o homem e Deus.



Em relação a segunda pergunta, seguir a Jesus significa especificamente estar ligado à árvore da vida, síntese de toda à história da salvação bílbica, descrita no último livro da bíblia: “Bem aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras no sangue do Cordeiro, para que tenham direito à árvore da vida e possam entrar na cidade pelas portas”. (Ap.22.14)

Essa pequena introdução já nos possibilita analisarmos a questão sobre a centralidade da cruz com muito mais clareza. Vimos que o centro da cruz, na árvore da vida, encontra-se no coração (Tiphereth), que representa o local onde residem os nossos sentimentos humanos, a porta da vida, onde está resguardado o sopro divino.

A primeira etapa para ter um verdadeiro encontro com o nosso Cristo interior é renunciar a si mesmo, ou seja, é preciso deslocar o nosso Eu do centro da nossa vida. Devemos tomar ciência de que tudo é transitório e passageiro, nossa vida terrena é apenas uma experiência física, como disse Teilhard de Chardin: Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual, somos seres espirituais vivendo uma experiência humana.” Esse é o ponto de mutação que devemos ter em mente para realizarmos o verdadeiro processo do despertar da consciência.

Renunciar a si próprio, também representa dar lugar ao nosso inconsciente, local onde encontram-se a nossa porção divina escondida, deixar um pouco de lado o nosso agir racional, passar a perceber o que antes era chamado de coincidência, e agora chama-se sincronicidade, viver mais de forma subjetiva, deixando Deus conduzir nosso caminhar na estrada da vida.

O local simbólico onde realizamos essa experiência é no centro da cruz, no ponto de intercessão entre as coordenadas X (vertical) e Y (horizontal), local onde encontram-se o Sagrado Coração de Jesus ou a Rosa Mística (utilizada pelos Rosa cruzes e por Martinho Lutero), que tem como simbolismo o desabrochar da rosa, que representa o despertar da nossa consciência e do amor universal. Segundo a Física moderna, esse ponto de encontro entre as coordenadas chama-se horizonte de eventos, local de manifestação tempo/espacial. Em todas as culturas religiosas do mundo, temos imagens arquetípicas chamadas de Mandalas, que possuem a mesma função simbólica da cruz, pois são representações visuais que apontam para um centro, local de foco e meditação para atingirmos a união mística entre o humano e Deus.



Perder a nossa vida aqui por Jesus, não representa tornar-se um mártir, ou virar um fanático religioso em busca da salvação como vemos ser pregado por aí de forma fundamentalista, significa uma mudança de mentalidade, onde o nosso coração já não é mais aprisionado pelo Ego, vivemos livres das amarras religiosas, pois o véu se rasgou do alto (Kether) até em baixo (Malkuth), e vivemos no caminho do centro (Tiphereth), ponto de comunhão com o divino, local de manifestação e vida, o centro da cruz.

Para todos aqueles que conseguirem viver essa centralidade na cruz durante sua vida, a morte já não existirá mais, pois o medo e o temor da morte, nada mais é do que um inconformismo ego-ísta de não aceitarmos que temos um tempo determinado aqui no plano físico, seja para quem acredite em reencarnação ou ressurreição, pois a lei cósmica é uma só, como Buda certa vez disse: “todo composto é perecível”.

            Em síntese, podemos concluir que a cruz é um arquétipo da árvore da vida, tanto é que ela é unânime nos quatro evangelhos. Jesus é o protótipo do divino/humano, a condição que devemos atingir através da experiência do encontro no centro da cruz, em Tiphereth (sexta sephira), durante a subida pela árvore (nossa caminhada pelo mundo), partindo de Malkuth em ascese até Kether. Jesus é a própria imagem de Tiphareth, que é simbolizada na Cabala cristã como um rei majestoso e um Deus crucificado. Ele também é representado como o Sol, a luz do mundo. Toda a narrativa bíblica a cerca da vida, morte e ressurreição de Jesus aponta para um único lugar, a centralidade do nosso coração (Tiphereth) que deve estar intimamente ligado a Deus. 


2 comentários:

  1. Texto bem reflexivo e esclarecedor, muito bacana o seu blog, estarei sempre por aqui!
    Beijos de Luz

    Lisa do blog www.muraldecristal.blogspot.com.br

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  2. Obrigado pela partilha. Visite o nosso blog http://kairosnostambemsomosigreja.wordpress.com/

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