Por Kadu Santoro
A estrutura da Trindade dentro das cosmogonias religiosas, é algo
arquetípico, em todas elas existe uma relação entre Pai e Mãe que geram o
Filho, ou a terceira pessoa da tríade. São antropomorfismos atribuídos aos
diversos mitos da criação, onde muitas vezes são representados por astros,
elementos da natureza e até por símbolos geométricos.
No período do cristianismo
primitivo, os cristãos gnósticos já tinham essa concepção trinitária, onde o
Espírito Santo era identificado com “Sophia”
(sabedoria ativa), que era representada como ente feminino.
Depois de muitas discussões durante
os dois primeiros concílios da Igreja, Nicéia (325d.C.) e Constantinopla
(381d.C.), ficou decido que o princípio feminino da trindade passaria a ser
substituído pelo Espírito Santo (uma jogada da igreja para desarticular os
teólogos gnósticos que prezavam pelo conhecimento, e implantar uma gestão de
controle e poder centralizado nos moldes imperiais), assim, a religião cristã
passou a ser a única religião a não possuir o aspecto feminino ativo em sua
trindade. Isso gerou graves problemas internos na igreja, os membros estavam
retornando aos cultos “pagãos” de Ísis, Hathor, Athena, Deméter, Ceres,
Afrodite, Saraswati, Parvati, etc, pois esses não negligenciaram o aspecto
feminino/materno da Deusa-Mãe. A igreja tentou precipitadamente no início da
Idade Média, retomar esse aspecto feminino da trindade através do culto à
Maria, porém, isso também acabou gerando muita confusão na cabeça das pessoas,
pois tratava-se de um elemento a mais na trindade.
O arquétipo da grande Deusa-Mãe,
aquela que tem a missão de gerar, sustentar e consolar seus filhos, encontra-se
profundamente presente no inconsciente coletivo da humanidade desde os
primórdios. Por mais que tente substituir esse arquétipo, por outra
representação simbólica, como ocorreu no caso da substituição do culto à Deusa
Diana dos Efésios pelo culto à imagem de Maria Mãe de Jesus, jamais conseguirá
desvincular a essência da maternidade universal. Por trás de toda a
universalidade sincrética das religiões pré-cristãs, percebe-se a presença do
mesmo elemento arquetípico feminino: a Deusa-Mãe, que produz e sustenta as
formas de vida, nutrindo e fortalecendo aqueles que se dirigem a ela através de
preces, súplicas e oferendas durante o momento de grande sofrimento.
Novamente o culto e a devoção
pessoal à Maria passou a ser negado, só que agora pelos protestantes (século
XVI), pois esses basearam sua
hermenêutica na mistura entre o judaísmo renovado e cristianizado com as tendências
judaicas tradicionais, mais literal e legalista, onde a imagem masculina é
predominante. Além disso, o protestantismo nunca teve muita afinidade com
elementos simbólicos (descartando as interpretações alegóricas), sendo
fundamentados rigidamente por interpretações puramente literais em cima das
Sagradas Escrituras (Bíblia).
O que os Protestantes esquecem, é o
fato de que o judaísmo tardio é produto da codificação dos levitas jeovitas. No judaísmo primitivo
(hebreus), o Deus que imperava era El,
esse tinha como sua consorte (esposa), Ashera. Na tradição cabalística também
existem personificações femininas das Sephirots (emanações de Ain Soph), como
exemplo, Chockmah (sabedoria), Binah (entendimento) e Netzah (vitória). Em
Gênesis, no Pentateuco, encontramos uma frase metafórica rica em seu
simbolismo: “No início, o espírito de YHWH pairava sobre a face das águas”.
Jamais poderemos interpretar essa passagem de forma literal, senão, seria a
imagem grosseira de um gigante sobre o oceano revolto. O que a metáfora dessa
frase nos transmite na verdade, é que antes da manifestação se iniciar, havia
dois princípios fundamentais, o primeiro era a Vida/Consciência (O Espírito de
Deus) e o segundo, a matéria (as águas) que se encontrava em estado revolto como
um grande mar de matéria primordial que estava sendo formado a partir do caos
na aurora da manifestação. Logo, essas “águas primordiais”, onde o Espírito de
Deus pairava, são a representação simbólica e arquetípica da “Virgem Maria”,
que é exclusivamente capaz de gerar o universo como o filho de sua união com o
sopro (πνεύμα) de IHWH, ou seja, interpretando de forma humana, somos gerados
no ventre de nossa mãe, lá dentro é escuro (trevas) e estamos imersos em água.
Numa ordem cósmica, Maria (Grande-Mãe) representa o grande mar, o útero
cósmico, de onde provém o universo. O mais interessante é perceber que as
palavras mar, Maria, máter e matéria
têm a mesma raiz e origem.
Na cultura oriental, em especial no
Taoísmo, esses dois princípios primordiais são identificados como o yin e yang,
princípios cósmicos impessoais representados através de um simbolismo, pois
essa é a única maneira de expressar algo tão distante da nossa realidade humana
e totalmente transcendental, especialmente tratando de concepções de povos da
idade do bronze. Os taoístas correm menos riscos que nós ocidentais, enquanto
buscam através de uma visão impessoal a origem do universo a partir da
interação entre os dois princípios yang (masculino) e yin (feminino), pois eles
entendem que na realidade, não existe a dualidade entre Pai e Mãe (como nós
fazemos no ocidente), ou entre o “Espírito de Deus” e a “face das águas”. Para
eles, ambos são apenas aspectos que diferem da mesma unidade, são diferentes
polaridades do grande Tao. Existe uma passagem pequenina da literatura taoísta
(Tao Te Ching) que expressa exatamente como eles enxergam essa questão: “Um monge perguntou ao seu mestre o que é
o Tao. Então o mestre lhe respondeu: O Tao É”. Assim, fica resolvido o
problema da maternidade divina, e o mais interessante, é que não é preciso
criar dualidades ou supor que exista dois deuses (um deus e uma deusa).
Observando a natureza podemos ver
como funciona a dinâmica trinitária (Pai, Mãe e Filho). Fazendo uma analogia a
partir da luz solar, percebemos que sua luz em si própria, corresponde à imagem
do “Pai”. Essa mesma luz agindo como o princípio criador e nutridor das formas
de vida, corresponde à imagem da “Mãe”. Logo, nessa analogia, o “Pai”
representa o princípio fertilizador da luz. A “Mãe”, o princípio criador. E por
fim, o “Filho”, que representa os seres criados, que, por sua vez, reproduzem o
mesmo ciclo em seu ambiente de vida.
Trazendo esse tema para os nossos
dias, principalmente neste período de virada de ciclo (século e milênio),
podemos perceber nitidamente a grande crise existencial em que se encontra a religião
cristã, principalmente as correntes evangélicas que divergem uma das outras
constantemente em seus dogmas. Notamos uma total insatisfação e descrédito por
parte de seus membros, um verdadeiro esgotamento de um modelo de religiosidade medievalizada
e saturada, predominantemente masculina. Uma religiosidade pragmática, onde a
relação com o divino é à base de trocas e propósitos ou através de uma emotividade
coletiva, onde a razão não dá lugar a intuição, ou seja, o verdadeiro ato de “descansar nos braços do Deus Pai-Mãe”,
já não é possível. Os líderes, em sua maioria, idolatram e ensinam idolatrar
padrões materiais, como frutos de bençãos de Deus. Conquistar tudo aqui e
agora, pautado numa teologia de prosperidade.
Na verdade, o que as pessoas anseiam
é por novas sínteses integradoras e harmonizadoras, uma espiritualidade
libertadora, elas não querem mais viver debaixo de velhas regras e modelos eclesiásticos
onde o que impera é apenas um fundamentalismo hierárquico cego, egoísta e
machista, onde a concepção de Deus é ainda aquela da Idade Média, de um Deus
interesseiro e autoritário.
O que me dá esperanças é o fato de
que nada pode conter o movimento natural inexorável dos ciclos do universo.
Grandes mudanças estão à porta, um novo modelo de religião que reintegre
Deus-Pai, Deus-Mãe e Deus-Filho, com certeza irá reaproximar a humanidade e
promover a renovação da mentalidade do planeta através de um grande despertar
da consciência, pois só assim é possível elevar o nível da massa crítica
planetária.
Agora tem um detalhe, devemos estar
preparados para essa grande mudança, pois aqueles fariseus modernos e
empresários da fé, que estão tirando proveitos econômicos da religião,
explorando as grandes massas carentes e desfavorecidas da sociedade, esses se levantarão
contra os libertos e conscientes, acusando-os de seguidores de Satanás e de
doutrinas perversas, porém, é preciso lembrar que na história da igreja, todos
aqueles que estavam além do seu tempo, ou eram pessoas sensíveis e realmente
espiritualizadas, esses acabavam sendo considerados hereges e por fim mortos de
forma violenta.
Bibliografia:
- WEIBLINGER, Angela, A Grande Mãe e
a Criança Divina – O milagre da vida no berço e na alma, Coleção A Magia dos
Mitos, SP, 2003, Cultrix.
- CAMPBELL, Joseph, Todos os Nomes da
Deusa, Ed. Rosa dos Tempos (Record), SP, 1997.
-
MATTHEUS, Caitlin, Sophia: Goddess of Wisdom, Mandala, London , 1991
Legenda da foto: Eurínome, foi a
princípio o protótipo da Deusa Mãe Criadora grega e a mais importante divindade
dos pelasgos, o povo que ocupou a região da Grécia em tempos pré-históricos
antes da invasão jônica e dórica.
...traigo
ResponderExcluirecos
de
la
tarde
callada
en
la
mano
y
una
vela
de
mi
corazón
para
invitarte
y
darte
este
alma
que
viene
para
compartir
contigo
tu
bello
blog
con
un
ramillete
de
oro
y
claveles
dentro...
desde mis
HORAS ROTAS
Y AULA DE PAZ
COMPARTIENDO ILUSION
KADU SANTORO
CON saludos de la luna al
reflejarse en el mar de la
poesía...
ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE THE ARTIST, TITANIC SIÉNTEME DE CRIADAS Y SEÑORAS, FLOR DE PASCUA ENEMIGOS PUBLICOS HÁLITO DESAYUNO CON DIAMANTES TIFÓN PULP FICTION, ESTALLIDO MAMMA MIA,JEAN EYRE , TOQUE DE CANELA, STAR WARS,
José
Ramón...
Gracias amigo por la visita en mi humilde blog, siempre es bienvenido.
ResponderExcluirAbrazo,
Kadu Santoro
Li o texto buscando informações sobre o Arquétipo "Mãe" e encontrei sábias considerações. Mesmo em 2016, 4 anos após publicação, o texto continua super atual e sensato! Parabéns pelo artigo!
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