domingo, 23 de fevereiro de 2014

O poder da palavra e a superioridade do silêncio



Por Kadu Santoro

“Porque é segundo tuas palavras que serás justificado e é segundo tuas palavras que serás condenado.” Mt.12.37

            As palavras possuem enorme poder, através delas podemos edificar ou destruir, dar vida ou matar, alienar ou libertar, por isso, faz-se necessário antes refletirmos muito no que vamos pronunciar. É nesse exato momento de reflexão que o silêncio tem importância vital, permitindo que a nossa voz interior não nos deixe cometer equívocos e consequentemente pronunciamos palavras precipitadas que podem causar graves danos tanto em nossa vida quanto na do nosso próximo.

            O silêncio é mais do que um ato de sabedoria, é uma disciplina urgente que a humanidade precisa desenvolver. Muitas vezes não atingimos nossas metas por intermédio do ato de falar. O silêncio, em grande parte de nossa vida é muito mais representativo e pode nos fazer atingir nossos objetivos de uma forma mais adequada. Através dele podemos expressar mais do que muitas palavras sem que isso signifique falta de capacidade ou conhecimento.

            O silêncio sempre foi reverenciado e cultuado dentro das diversas tradições religiosas do mundo. No cristianismo monástico o silêncio no qual cada um de nós é convocado a entrar, é o silêncio eterno de Deus. Este silêncio pode ser encontrado no coração e cultivado através da disciplina da meditação. Na maioria das religiões espiritualistas, o silêncio é o caminho para a unidade, é através dele que descobrimos que a vida exterior e interior estão unificadas. Esse silêncio que precisamos desenvolver deve estar além de todas as palavras, ideias, pensamentos e imaginação, pois somente assim podemos sentir paz e liberdade.

            A tradição bíblica judaica do Antigo Testamento nos mostra vários casos onde o silêncio foi fundamental para o êxito do povo eleito. Uma das grandes virtudes dos descendentes de Benjamim (filho de Jacó), era saber ficar em silêncio nos momentos certos. O rei Saul, escolhido como o primeiro rei de Israel, era descendente da tribo de Benjamim. Ele fez bom uso do silêncio, conforme consta na Tanach (bíblia hebraica). Quando o profeta Samuel comunicou-lhe que seria rei, ele não mudou seu comportamento e continuou sendo a mesma pessoa, não lhe subindo à cabeça o fato de ser o futuro rei, tanto que nem fez questão de contar a seus familiares.

            Durante o período do Purim, em meio ao exílio persa, o povo de Israel também foi salvo devido ao silêncio da Rainha Ester, que obedecendo à ordem de Mordechay, não falou ao rei sobre suas origens. Tanto Mordechay quanto a rainha Ester eram também descendentes da tribo de Benjamim.

            Em uma parashá (porção semanal de textos estudados na Torá), fala que após a tragédia que acarretou a morte de dois filhos de Aarão, este se silenciou, como relatado na Torá: “Vayomer Moshê El Aharon hu asher diber Hashem lemor bricovay ecadesh veal pene chol haám ecaved vaydom Aharon (Vaycrá 10:3) – “E disse Moisés a Aarão: Isto é o que falou o Eterno dizendo: Por meus escolhidos me santificarei e perante todo o povo Eu serei glorificado. E calou-se Aarão.” Segundo a sabedoria judaica, o difícil silêncio de Aarão, nesse momento de dor, demonstra conformismo e confiança na justiça divina, onde mais tarde esse seria recompensado com a visita do próprio Todo Poderoso.

            Segundo outro sábio israelita, o Maharal de Praga zt”l, em seu livro Dêrech Hachayim, escreve que o poder da fala é um poder físico (do corpo) e o raciocínio é um poder espiritual. Estes dois fatores antagônicos não podem trabalhar simultaneamente dentro do indivíduo. Portanto, o silêncio é essencialmente importante para que possamos evitar erros e atitudes precipitadas, uma vez que quando falamos, estamos de certa forma, anulando o raciocínio. Mahatma Gandhi fala o mesmo na seguinte frase: “Aqueles que têm um grande autocontrole, ou que estão totalmente absortos no trabalho, falam pouco. Palavra e ação juntas não andam bem. Repare na natureza: trabalha continuamente, mas em silêncio.”

            Mabel Collins em seu livro Luz no Caminho, diz: “Do seio do silêncio, que é a paz, uma voz ressoante se elevará. E esta voz dirá: Faz falta alguma coisa mais; tu colheste, agora tens que semear. E sabendo que esta voz é o silêncio mesmo, obedecerás. Tu que és agora um discípulo capaz de manter-te firme, capaz de ouvir, capaz de ver, capaz de falar, que venceste o desejo e obtiveste o conhecimento de ti mesmo; tu que viste a tua alma em sua flor e a reconheceste e que ouviste a voz do silêncio, encaminha-te ao Templo do Senhor e lê o que ali está escrito para ti.” Analisando esse texto, entendo que ouvir a voz do silêncio, é compreender que a única direção verdadeira vem do interior, da intuição, da via do coração; encaminhar-se ao Templo do Saber, é entrar no estado em que é possível aprender verdadeiramente.

            A superioridade do silêncio é demonstrada por Jesus perante Pilatos: “E, sendo acusado pelos principais sacerdotes e pelos anciãos, nada respondeu.” Mt. 27.12. “Jesus não respondeu nem uma palavra, vindo com isto a admirar-se grandemente o governador.” Mt. 27.14.

            Para finalizar, lembro que muitas vezes, o silêncio fala mais do que muitas palavras, e através dele nos tornamos mais sensíveis, humildes e misericordiosos. Busque a disciplina do silêncio e verás como sua vida irá mudar para melhor, passando a ser um indivíduo mais equilibrado e seguro diante desse mundo conturbado e enloquecido em que vivemos atualmente.

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