Por Kadu Santoro
Tratar de um tema como os gnósticos
não é uma tarefa fácil, até porque a religião dominante sempre atacou
ferozmente suas tradições, essas da qual ela mesma bebeu da fonte e utilizou de
elementos para a formação da religião imperialista, como disse certa vez o
Padre e Teólogo Alfred Loisy: “Jesus anunciou o Reino, mas
quem veio foi a Igreja”. Começamos esse assunto lembrando que durante os
primeiros séculos após o acontecimento Jesuânico, o cristianismo ainda não
existia formalizado como o conhecemos hoje em dia. Diversos grupos com crenças
bem distintas oriundas de diversas partes do oriente médio e mediterrâneo,
inspirados pela história de Jesus começaram a se organizar. O cristianismo que
imperou e sobreviveu até os nossos dias descende das ideias de um desses grupos
da época, porém, os que deixaram de existir devido às perseguições possuíam
ideias muito interessantes e avançadas, como o conceito da deificação do homem
através do próprio homem chegando a união mística com o Uno, comprometendo
seriamente a classe sacerdotal dominante com a institucionalização da Igreja.
Entre esses grupos, os gnósticos se destacavam fortemente através dos seus
curiosos ritos, suas divindades alternativas e suas complexas cosmogonias e
teosofias.
Entre os diversos grupos da
época, com certeza, os gnósticos de Alexandria foram os que se destacaram mais
e tiveram grande importância no cenário do cristianismo nascente. Grande parte (embora
pouco perto do que foi destruído) da sabedoria oculta ocidental que temos
acesso hoje, vem da idade média e do período do renascentismo, pois foi nesse
período que os pesquisadores da época se debruçaram nos tratados antigos em
grego e hebraico, nos provando que foram os gnósticos os precursores de
diversos conhecimentos avançados que encontram-se presentes até os nossos dias.
Os gnósticos eram, de certa
forma, seguidores do movimento cristão, mas de forma mais sincrética,
misturando em suas crenças elementos e práticas oriundos dos gregos, egípcios e
do oriente próximo. E devido a isso foram capazes de sistematizar doutrinas
como a Cabala e a Alquimia, que vieram ressurgir na Europa cristianizada
séculos depois.
Muitos dos conceitos
estabelecidos pelos gnósticos, derivam de culturas e tradições remotas, muito
antigas, e muitas de suas crenças não são ainda hoje bem compreendidas, pois apesar
do pouco material que sobreviveu devido às perseguições pelos cristãos
imperialistas (lembrando do incêndio da Biblioteca de Alexandria), graças a
algumas “ordens secretas” (incluindo o monasticismo do deserto) esses
conhecimentos foram preservados, e ainda hoje, o seu conteúdo é fortemente
ameaçador para o modelo cristão imperialista dominante, pois tem como centro, a
divinização do homem, não tendo mais importância alguma a participação do
sacerdócio e muito menos da institucionalidade da Igreja no processo salvífico,
pois como diz nos Evangelhos, o véu do templo (santo dos santos – Véu de Ísis)
foi rasgado de cima para baixo, logo, o acesso ao Uno está aberto para aquele
que busca a ascese espiritual e união a união mística.
A igreja Católica
Apostólica Romana, prega um cristianismo meramente contemplativo e devocional
enquanto o protestantismo prega um cristianismo pragmático utilitarista baseado
na antiga teologia da retribuição, ao contrário do cristianismo gnóstico, que
embora também praticassem a contemplação, também experimentavam uma
religiosidade intensamente prática com muitos ritos, símbolos, transes e magia,
que para eles eram ferramentas para a ascensão espiritual. Além disso, eles
realizavam frequentemente atos magísticos cerimoniais, entre eles pode-se
listar a conjuração de familiares, utilização de alucinógenos alteradores da
consciência e até ritos com os mortos, nos moldes do Livro dos Mortos do Egito
Antigo (Lembrando que nos ofícios fúnebres de um Papa, esses ritos são fechados
e realizados no subsolo da Basílica de São Pedro no Vaticano até hoje).
Após essas informações,
podemos perceber que com tamanho conhecimento libertador nas mãos do praticante
comum, nenhuma igreja, seita ou ordem religiosa é capaz de manter o domínio
social sobre o povo, e essa é sem dúvida a razão para a Igreja que temos hoje
ser como é, pois conhecimento é poder, e esse fica como diz um axioma
hermético: “Os lábios da sabedoria estão cerrados exceto aos ouvidos do
entendimento.”
Os gnósticos não reverenciavam Jesus de forma
fanática e devocional como é feito hoje em dia por católicos e protestantes,
até porque eles reverenciavam o Cristo como um espírito benigno enviado à Terra
por Abraxas (sua divindade maior) para libertar a humanidade através da Gnose e
a Sophia (conhecimento e sabedoria). Muitos dos Evangelhos considerados
apócrifos, são de origem gnóstica, e nesses textos, a história de Jesus não é
tão imaculada quanto se é pregada por aí. Os gnósticos tinham como
característica marcante, chocar e subverter os “bons costumes” da época (predominando
o modelo estóico), até porque, para eles, o corpo físico era considerado como
um cativeiro para a alma, da qual deveria se livrar e ser livre, unindo-se ao
Uno. Logo, Abraxas, era a principal divindade dos gnósticos, que eles
associaram ao Cristo, porém, Abraxas tem diversos nomes e formas, defende-se
que a grafia original seria Abrasax, também utilizada a expressão Aeon, embora
a grafia exata pode parecer irrelevante, mas na gematria cabalística associada
à palavra é de maior importância. De seu nome deriva a fórmula IAO, o número
418 que é igual a 13 (número do despertar da gnose) e a palavra Abracadabra, ou
Abrahadabra. Embora, a expressão Abraxas aparece em diversos amuletos com
cabeça de galo, pés de dragão e um chicote nas mãos.
Para encerrar, é de suma importância entendermos
sobre os fundamentos e princípios gnósticos para compreendermos muitas lacunas
que não foram preenchidas em relação a história e a espiritualidade ocidental,
de forma a nos libertarmos de toda forma de poder religioso instituído, crenças
humanas, dogmas e superstições através do autoconhecimento, ou seja, como dizia
o Oráculo de Delphos: “Conhece-te a Ti mesmo.” Desperte a centelha divina que
habita em vós e decrete sua divindade interior.
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