quinta-feira, 8 de abril de 2010

TAULER & JUNG, o caminho para o centro


ANÁLISE DO LIVRO: “TAULER & JUNG – O Caminho para o Centro”
Lepargneur, Hubert, 1925
Tauler e Jung: o caminho para o centro / Hubert Lepargneur, DoraFerreira da Silva – São Paulo – Paulus, 1997

O livro procura traçar um paralelo entre a mística e a psicologia profunda entre Johannes Tauler (1300-1361) e Carl Gustav Jung (1875-1961). Apesar de distantes no tempo e de atuarem em campos diferentes, o grande místico cristão da alta idade média e o grande psicólogo das profundezas chegam às mesmas conclusões no que tange à realidade da alma e do seu percurso para o centro, que Tauler chama de Deus e Jung chama de Si-mesmo. Isso demonstra que a psicologia profunda tem muito que compartilhar com a religião, e vice-versa, a religião só tem a ganhar num diálogo com a psicologia profunda de Jung. O que frisa esse livro é um relacionamento entre a história da espiritualidade, no seu momento Tauleriano, e a história da psicologia, no momento Junguiano.


Formulação sobre Deus proprosta por São Boaventura:
“Deus est figura geometrica cuius centrum ubique, circumferentia vero musquam”
“Deus é uma figura geométrica cujo centro está em toda parte, e cuja circunferência não se encontra em lugar nenhum”.

Conclusão: Deus é o centro fundamental de tudo o que existe, mas não possui nenhuma limitação. Deus é um centro que está em todo o lugar, ele é o centro e o todo ao mesmo tempo.

Muitas vezes a religião, ou as religiões, se contenta com a experiência indireta de Deus, através de doutrinas, rituais e códigos éticos já estabelecidos. A experiência direta de Deus é vista com séria suspeita, porque pode ameaçar e até mesmo destruir formas estabelecidas e fechadas à novidade que representa a própria experiência de Deus aqui e agora. Por outro lado, a ciência, muitas vezes ou quase sempre, se contenta com seus dogmas e paradoxalmente se fecha à novidade que a renovaria e faria progredir. Tanto a religião como a ciência podem enrijecer no dogmatismo, esclerosando-se e autocondenando-se à extinção. Para esse tipo de ciência e de religião os místicos e as pessoas individuais tornam-se “perigosos”. Pe. Ivo Storniolo

”Amados, desde agora somos filhos de Deus, embora ainda não se tenha tornado claro o que vamos ser”. I João 3.2

“O terceiro nascimento divino consiste em que Deus, todos os dias e a toda hora, em toda alma boa, renasce com sua graça e seu amor”. Johannes Tauler ( Místico Cristão do séc. XIII )

“abandonada a si mesma, a criatura não é nada, se considerada em si-mesma”. Tomás de Aquino referindo-se à precariedade e aleatoriedade da criatura.

“Nos meus sermões falo habitualmente: primeiro, do abandono e do dever que o homem tem de se desapegar de si mesmo e de tudo; segundo, que precisamos ser novamente criados à imagem do sumo bem, que é Deus...” Mestre Eckart

“o conhecimento de Deus aumenta à medida do autoconhecimento humano: quanto mais a alma se convence de seu nada, mais penetra nos mistérios divinos”. São João da Cruz

“é preciso que eu deixe, após mim, aos poucos, o caminho que me levou...” Johannes Tauler

“Este nada, segundo o consenso unânime, é chamado Deus”. Henrique Suso

No sermão Surge et illuminare Jerusalém, Tauler descarta a necessidade das obras na fase do remate da alma para as últimas etapas, a não ser para orientar mente e coração, de modo a atingir Deus no fundo da alma. As próprias observâncias religiosas não teriam outro fim.

“Ser nada, para estar no seu lugar certo na totalidade”. Simone Weil

”Deus é chamado ser e não-ser. Porque não é nada daquilo que são entes. É elevado de maneira desconhecida acima de tudo. Deus não é nada daquilo que é conhecido”.
São Máximo, o confessor

“Toda afirmação fica aquém da causa única e perfeita de toda coisa, e toda negação fica aquém da transcendência”. Teologia Mística do Monge Pseudo-Areopagita Dionísio

“Em relação à essência superessencial, inexiste palavra que a mente possa conceber ou a linguagem pronunciar: Inexiste compreensão nem participação sensível ou racional, nem representação alguma...”. Gregório Palamas ( séc. XIV )

“Os conceitos criam ídolos de Deus; apenas o pasmo pressente algo dele”. Gregório Nisseno

“entre o criador e as criaturas, não é possível definir uma semelhança sem pressupor uma dessemelhança ainda maior”. IV Concílio Lateranense (1215) sobre o distanciamento dialético entre Deus e o ser humano

Teólogos importantes da alta idade média e período Renascentista: Pedro Abelardo (1142), Alberto Magno (1280), João Duns Scoto (1308), Mestre Eckart (1327), Nicolau de Cusa (1407), Pico de la Mirândola (1486), V. Weigel (1588), Jakob Boehme (1575) e Angelus Silesius (1634).


Lógica exotérica:
- fundada sobre o princípio da não-contradição;
- trabalha sobre sinais;
- almeja a validade do discurso;
- utiliza o princípio da causalidade;

Lógica Esotérica:
- trabalha com símbolos;
- almeja a salvação do sujeito;
- utiliza o princípio da interpretação ( o hermetismo é uma hermenêutica );
- despreza o tempo;

A interpretação mística é sempre anagógica, o que significa etimologicamente “que leva para o alto” ( só que o alto pode ser mais profundo ).

O núcleo sacral da vivência religiosa faz derivar o sentido da transcendência divina da própria autoconsciência, à medida que o símbolo religioso aparece dentro da psique como reflexo de seu fundo inalcançável.

“O intelecto é mais nobre que a vontade que considera Deus sob o manto da bondade. O intelecto almeja Deus em sua nudez, despojado de bondade e de ser”.
Mestre Eckhart contestando a tese Franciscana segundo a qual a vontade é mais nobre que o intelecto.

Está fora de cogitação deduzir a estrutura trinitária a partir do criado, ainda que as analogias de Santo Agostinho tenham poder esclarecedor sobre a Revelação. Quem somos para julgar a consciência ou inconsciência da divindade, antes que o mundo fosse? Entretanto, todo conhecimento que temos, inclusive sobre nós mesmos ou sobre Deus, passa pelo conhecimento do mundo. Estamos no tempo e no mundo, dependendo do cosmo, da história, de nossos sentidos e das outras pessoas.

“Em última instância, não existe bem que não possa suscitar algum mau, nem mau que não possa gerar o bem”. C. G. Jung

“Só posso conhecer como verdadeiro aquilo que atua em mim. A necessidade religiosa reclama a totalidade...”. C. G. Jung
“Curar significa reunir aquilo que está alienado, dar um centro àquilo que está disperso, superar o abismo entre Deus e o homem, entre o homem e seu mundo, e do homem consigo mesmo”. Paul Tillich ( Teologia Sistemática, SP, Ed. Paulinas, 1984, p. 372 )

“Desde que não quero nada por amor-próprio, tudo me foi dado sem que eu o procure”.
São João da Cruz na subida do Monte Carmelo.

O processo místico é a busca da união imediata com a Presença, objeto da fé. O sentimento vivo da Presença, que se torna como uma evidência, é característica da mística. A Presença domina o sujeito que reestrutura sua vida à sua sombra, ou à sua luz. O Realitätsprinzip da vida mística é a adesão à Presença divina como realidade suprema e amorosa.

“O sofrimento no processo místico consiste no trânsito do Imaginário, normal, neurótico ou psicótico, em direção ao Primordial da Presença não mediatizada”.
Damian Sever

Na alquimia cristã, o filho de Deus serviu de paradigma da sublimação, da libertação da alma de seu destino natural tenebroso; não serviu de mediador da transferência. À mesma intuição respondeu a visão gnóstica da alma (noüs), prisioneira da natureza (physis). No espaço da alquimia, a Pedra Filosofal é símbolo da transubstanciação da vil criatura na Trindade.

“Podemos acusar o cristianismo de retrógrado a fim de desculpar nossas próprias falhas... Assim, pois, não me refiro a uma compreensão melhor e mais profunda do cristianismo, mas a uma superficialidade e a um equívoco evidente para todos nós. A exigência da “imitatio Christi”, isto é, a exigência de seguir seu modelo, tornando-nos semelhantes a ele, deveria conduzir o homem interior ao seu pleno desenvolvimento e exaltação. Mas o fiel de mentalidade superficial e formalística transforma esse modelo num objeto de culto; a veneração desse objeto impede ( o homem interior ) de atingir as profundezas da alma, a fim de transformá-la naquela totalidade que corresponde ao modelo”.
C. G. Jung

“Do ponto de vista alquímico, o cristianismo salvou o homem, não a natureza. O sonho do alquimista é salvar o mundo em sua totalidade: a Pedra Filosofal era concebida como filius macrocosmi, que salva o mundo, enquanto Cristo era o filius microcosmi, o salvador do homem. A meta última da opus alquímica é a apokatastasis, a salvação cósmica”.
Mircea Eliade


“a consciência é incapaz de abarcar a totalidade, mas é muito provável que esta esteja insconscientemente presente no eu ( similitude )”. Isso corresponderia a um estado da mais alta perfeição ou integralidade.
C. G. Jung em seu livro “Aion”.


“Jesus diz a São Pedro: Duc in altum ( Conduze a barca ao alto-mar ). É desta barca que falaremos. Ela é o querer radical ( Gemüt ) do homem interior e suas aflições. Essa barca voga sobre o mar perigoso, desmantelada pelo mundo terível que incessantemente agita e sacode o homem, ora pelo prazer, ora pelo sofrimento... Persevera nesta prova, sem nenhuma ansiedade: depois das trevas virá a claridade do dia, o brilho do sol... Na verdade, se agüentares ( sem fugir ), o nascimento está próximo e é em ti que se produzirá. Acredita no que te digo, nenhuma angústia pertubará o homem sem que Deus prepare um novo nascimento nessa criatura...

Quando o que há de inominado, de sem nome na alma se volta plenamente para Deus, tudo o que tem um nome no homem segue esse fundo inominado da alma e nele se converte...

Trata-se desses homens que São Dionísio Areopagita chama de deiformes. É nesses homens que São Paulo devia pensar ao dizer: “Deveis ser fundados no amor a fim de conceberdes com todos os santos qual é a altura, o comprimento, a largura e a profundidade de Deus”... Isso ultrapassa todo sentimento, é um abismo... Da mesma forma que nosso Senhor ensinava o povo sentado na barca, Deus repousa nessas pessoas e por elas governa e dirige o mundo inteiro e todas as criaturas.
Johannes Tauler (Segundo Sermão para o quinto domingo após a Trindade )

“A alma é uma realidade situada entre o tempo e a eternidade” Johannes Tauler

Na Patrística Grega, fala-se na theosis, isto é, na divinização do ser humano. Assim como Deus tornou-se homem, deu a este a possibilidade de transformar-se nele. Mas entendamos corretamente o que isso significa. Não se trata de uma hybris ou inflação de desejar igualar-se a Deus pelo poder. Cabe aqui o dístico maravilhoso de Ângelus Silesius, que elucida o ponto da similitude: “Amar é mais árduo do que podes supor: Não basta amar; como Deus, deves ser Amor”.

Zoroastro, Maniqueus e gnósticos se fixaram no dualismo radical do bem e do mau, de Deus e do Diabo.

Heráclito: Idéia da unidade que não opera com os opostos, reconciliando-os, mas que ela mesma vive e se realiza no próprio conflito.
Parmênides: Anulação de todos os opostos, inclusive toda diversidade e multiplicidade, estabelecendo a unidade impertubável do Ser, redondo e sem divisões.

Platão: Conversão da ilusão em aparência, a qual apenas deixa transparecer e ressoar o verdadeiro Ser, que é a idéia. As formas eternas iluminam o fundo de nossa existência, mas desfiguradas, entenebrecidas pela dimensão sensível, sujeitas à mudança e à morte. Platão não consegue fugir ao dualismo.

Aristóteles: Dualismo metafísico. Todo o real é a mistura de matéria e forma, cuja oposição é radical. Uma não se reduz à outra, e só onde ambas interferem o real aparece. Aristóteles apresenta um universo harmônico dentro da idéia dualista.

Anaximandro: Separação dos opostos no âmbito do indeterminado, sem limites, e que neste já se encontravam, embora ocultos.

Alberto Magno e Tomás de Aquino afirmavam que nada é comum a Deus e às criaturas. Pela graça, estas podem participar do ser, nada mais, pois a diferença que media entre Ser e criatura é absoluta. João Duns Scoto, após Scotus Erigena, expôs que o conceito do ser é válido tanto para Deus como para o mundo, por encontrar-se acima das oposições. À diferença do Tomismo formula o início de uma concepção que atribui estatuto de ciência ao aqui e agora, em consonância com a tradição inglesa, evidenciada em Roger Bacon, da valorização da experiência.

“O ser dado às coisas por Deus, na criação, é o mesmo que o seu próprio ser ( de Deus ). Assim, o que Deus cria, o cria em si mesmo, abarcando seu próprio ser as coisas”.
Mestre Eckhart

Algumas reflexões sobre as idéias eckhartianas:

1º) É nescessário que o não desapareça, mas que seja preservada a riqueza e a abundância da multiplicidade;

2º) A criatura, atingindo o fundo do seu ser, digamos, seu “centro”, mergulha no ser da divindade;

3º) Na unidade divina, em sua mais íntima interioridade há uma largura sem largura;

4º) A unidade divina, é “mais larga do que a largura, é uma largura incompreendida como um abraço”. “A plenitude do tempo” acha-se no eterno presente dessa unidade, eterno reflorescer em que nada “se cansa nem envelhece”, nem passa.


Kadu Santoro

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