segunda-feira, 4 de junho de 2018

Aspectos comuns entre os mitos do Grande Dilúvio, a Torre de Babel e a destruição de Sodoma de Gomorra.



 Por Kadu Santoro

Sabemos que as narrativas bíblicas consistem em um verdadeiro caleidoscópio de interpretações, nos permitindo observar os textos por vários ângulos e abordagens. Aqui nesse artigo eu venho apresentar uma abordagem sobre os mitos de Bereshit (Gênesis) dentro da perspectiva da Cabala.

Apesar desses três temas míticos mencionados no título encontrarem-se separados na ordem da Torá, eles falam basicamente sobre a mesma coisa, ou seja, procuram expressar a mesma ideia da qual vamos falar de agora em diante.

O Grande Dilúvio, com certeza é um dos mitos mais reproduzidos nas diversas culturas, principalmente na região da mesopotâmia no oriente médio. Podemos encontrar referências na Epopéia de Gilgamesh entre outros textos. Porém, seguindo o foco da interpretação cabalística, o Grande Dilúvio consiste em uma alegoria sobre a queda da civilização e da destruição da “cultura”, onde esse acontecimento nos remete a uma aniquilação de uma grande parte da raça humana, fruto provavelmente de cataclismos geológicos, guerras, migrações de povos, epidemias, revoluções ou causas semelhantes. Muitas vezes essas causas coincidem. A ideia da alegoria é que, no momento da aparente destruição, o que era realmente de significativo valor acaba sendo salvo, preservado de acordo com um plano previamente calculado e pensado. Um pequeno grupo de homens escapa da lei geral, salvando todas as ideias e conquistas mais importantes de sua cultura.

A lenda da Arca de Noé consiste em um mito com fundamento esotérico, onde a construção da “Arca” representa a “escola”, a preparação dos homens para a iniciação (dentro de uma visão pitagórica), para a transição de uma nova vida, para um novo nascimento. A Arca que se salva do dilúvio representa o círculo interior da humanidade (aqueles que se encontram despertos).

O segundo significado da alegoria se refere ao homem como indivíduo, onde o dilúvio consiste na morte inevitável. Porém, o homem pode construir dentro se si uma “Arca” e nela reunir espécimes de tudo o que é valioso nele. Em tal situação, esses espécimes não perecerão e sobreviverão à morte e nascerão novamente. Do mesmo modo que a humanidade pode se salvar somente graças à sua ligação com o círculo interior (esotérico), o homem pode alcançar a “salvação” pessoal somente por meio de uma união com o seu próprio círculo interno, isto é, mediante a sua ligação com as formas superiores de consciência.

O segundo mito, o da Torre de Babel, consiste em uma outra versão do primeiro; este, porém, fala de salvação, ou seja, dos que serão salvos, ao passo que o segundo fala apenas de destruição, sobre os que perecerão.

A torre de Babel representa a cultura, onde os homens desejam construir uma torre de pedra “cujo topo toque os céus” criando uma vida “ideal” na Terra. Crêem nos métodos intelectuais, nos mais diversos procedimentos técnicos, nas instituições formais, etc. Ao longo de muito tempo a torre vai subindo cada vez mais sobre a superfície da Terra. Mas chega inevitavelmente o momento em que os homens deixam de se compreender mutuamente, ou melhor, tomam ciência de que nunca o fizeram, pois cada um deles compreende ao seu modo a vida ideal na Terra. Cada qual quer levar a cabo as suas próprias concepções realizando o seu próprio ideal. Este é o momento em que começa toda a “confusão das línguas”. Os homens deixam de se compreender até nas coisas mais simples; a falta de compreensão provoca discórdias, hostilidade e lutas. Os homens que constroem a torre começam a se matar reciprocamente e a destruir o que juntos construíram e finalmente a torre cai em ruínas.

Essa mesma situação ocorre na vida de toda a humanidade, dos povos, das nações e na vida do próprio homem como indivíduo. Cada homem constrói uma Torre da Babel em sua própria vida. Os seus esforços, as suas metas e objetivos na vida, as suas conquistas, tudo isso representa a sua torre. Porém, é inevitável o momento em que a torre cairá. Um pequeno choque, um acidente, uma doença, um pequeno erro de cálculo, e tudo vai abaixo. Quando o homem cai nessa situação, percebe que é tarde demais para corrigi-lo ou alterá-lo. Ou então chega um momento, durante a construção da torre, em que os “eus” múltiplos e diferentes da personalidade de um homem perdem a confiança uns nos outros, vêem todas às contradições dos seus desejos e metas, vêem que não tem nenhuma meta comum, deixam de se compreender mutuamente, ou mais exatamente, deixam de pensar que compreendem. Então, a torre deve cair, a meta ilusória deve por fim desaparecer, e o homem deve sentir que tudo que fez foi infrutífero, que não o conduziu a nada e não podia levar a nada e que diante dele há apenas um fato real – a morte.

Toda a vida do homem, o acúmulo de poder, prestígio, riquezas, conhecimento, equivale à construção de uma Torre de Babel, porque o fim é terminar numa catástrofe, a saber, em morte, que é o destino de tudo que não pode passar a um novo plano de ser.

O terceiro mito, o da destruição de Sodoma e Gomorra, nos mostra de forma mais nítida o que os outros dois nos mostram, sobre o momento da interferência das forças superiores e as causas dessa interferência. Deus concordou em poupar Sodoma e Gomorra graças à cinquenta, quarenta e cinco, trinta, vinte e finalmente dez homens justos. Porém, nem dez homens justos foram encontrados e assim as duas cidades ruíram. A possiblidade de evolução fora perdida. O “Grande Laboratório da Vida” pôs fim à experiência frustrada. Mas Ló e a sua família foram salvos. A ideia é a mesma dos outros dois mitos, porém enfatiza, de modo especial, a disposição da vontade diretora de fazer toda as concessões possíveis, enquanto houver a esperança de realização dos objetivos estabelecidos para a humanidade. Desaparecida essa esperança, a vontade orientadora deverá intervir de forma inevitável, com o intuito de salvar o que merece salvação, deixando que todo o resto seja eliminado.

Todos esses mitos, a expulsão de Adão e Eva do Jardim do Éden, a queda da Torre de Babel, o Grande Dilúvio, a destruição de Sodoma e Gomorra, são todas lendas e alegorias relativas à história da raça humana e seu processo de evolução. Além dessas lendas e muitas outras semelhantes, quase todas as raças tem lendas, contos e mitos de estranhos seres não humanos, que passaram pelo mesmo caminho antes do homem, como disse Joseph Campbell: "Não precisamos correr sozinhos o risco da aventura, pois os heróis de todos os tempos a enfrentaram antes de nós. O labirinto é conhecido em toda a sua extensão. Temos apenas de seguir a trilha do herói, e lá, onde temíamos encontrar algo abominável, encontraremos a nós mesmos. Onde imaginávamos viajar para longe, iremos ter ao centro da nossa própria existência. E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na companhia do mundo todo." A saga do Herói. A queda dos anjos, dos Titãs, dos deuses que ousaram desafiar outros deuses mais poderosos, a queda de Lúcifer, o demônio ou Satã (que no aramaico significa oponente ou aquele que acusa), são todas quedas que antecederam a queda do homem. E é um fato indubitável que a significação de todos estes mitos está profundamente oculta para nós, e extremamente nítido que às interpretações teológicas e teosóficas comuns nada podem explicar, porque estabelecem a necessidade do reconhecimento da existência de raças ou espíritos invisíveis, que são, ao mesmo tempo, semelhantes ao homem nas relações que tem com as forças superiores. A insuficiência para tais explicações é evidente. Porém, ao mesmo tempo seria um grande equívoco deixar todos esses mitos sem nenhuma reflexão, porque, devido à sua persistência e repetição, entre os diferentes povos e raças, parecem de alguma forma atrair a nossa atenção para certos fenômenos o qual não conhecemos, mas devemos buscar conhecê-los.

O mais interessante é que as lendas e os cantos épicos de todas as culturas encerram muito material referente aos seres não-humanos que precederam o homem ou que até mesmo existiram ao mesmo tempo que ele, mas diferiam do homem em diversos aspectos. Esse material é tão abundante e significativo, a ponto de colocar as religiões em uma saia justa, que não tentar explicar esses mitos seria fechar intencionalmente os olhos a algo que deveríamos enxergar. A menos que queiramos ignorar inúmeros fatos ou crer em espíritos tridimensionais, capazes de construir edifícios de pedra, devemos supor que as raças pré-humanas eram tão físicas quanto o homem, e teriam vivido, como este dentro do Grande Laboratório da Natureza; compreendendo que a natureza teria realizado muitas tentativas para criar seres auto-evolutivos antes do próprio homo sapiens. E, além disso, devemos supor que tais criaturas foram lançados na vida pelo Grande Laboratório, porém, não conseguiram satisfazer a natureza em seu desenvolvimento posterior e, em lugar de realizar os desígnios da natureza, se voltaram contra ela. Logo, a natureza teria abandonado a sua experiência com eles e deu início a um novo projeto.

O que eu proponho nesse artigo, é chamar a atenção dos leitores para níveis de interpretações mais profundos a respeito dos mitos, fábulas e lendas, de forma a despertar a consciência para novos horizontes e perspectivas a respeito das relações entre esses (mitos e lendas) e o desenvolvimento da raça humana com todos os seus aspectos emocionais, intelectuais, instintivos e espirituais, a fim estabelecermos novos rumos para a nossa evolução consciente rumo à transcendência como diz Jung: “O indivíduo não realiza o sentido da sua vida se não conseguir colocar o seu Eu a serviço de uma ordem espiritual e sobre-humana.”

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