sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Jeremias e a reforma interior




Por Kadu Santoro



Também conhecido como o profeta das lágrimas devido às suas lamentações registradas na bíblia, Jeremias, descendente da tribo de Benjamim, natural de um pequeno vilarejo na periferia de Jerusalém chamado Anatot, desde bem jovem já se colocava ao lado dos pobres e oprimidos contra os opressores da sociedade de sua época a aproximadamente seiscentos e cinquenta anos antes de Cristo, período compreendido entre os anos 627 e 586 a.C.

Embora criado em uma família sacerdotal, Jeremias nunca foi ligado às tradições sacerdotais e muito menos do reinado de Jerusalém, pelo contrário, tinha mais afinidades com às tradições proféticas do reino do Norte, como os profetas menores Oséias e Miquéias, vivenciando uma mensagem dentro de uma cosmovisão camponesa.

A espiritualidade de Jeremias destacava-se dos religiosos de sua época, ele seguia a via do coração, desde criança já possuía um chamado transcendente, vivia em plena comunhão com Deus e a natureza, opunha-se severamente às cerimônias vazias e às fórmulas ritualísticas inúteis do sacerdócio, ao contrário, era um defensor ardente da justiça, liberdade e paz. Ele pregou incessantemente contra a tirania o homicídio e principalmente contra a hipocrisia, que era visivelmente percebida por todos, mas a cegueira e as transgressões praticadas pelo povo, fizeram com que ninguém mais percebesse o mal que estavam causando.

O coração do povo, principalmente das autoridades de Jerusalém, já há muito tinha se esfriado, o serviço sacerdotal era realizado mecanicamente, vazio, oco, sem amor e reverência alguma. As vozes dos homens de bem se calaram durante esse período. Jeremias encontrava-se só na condição de homem de Deus, era incompreendido por todos, inclusive pela sua própria família. Chegou a enfrentar sabiamente as autoridades militares e governamentais do seu povo, alertando que não se rebelassem contra o império Babilônico de Nabucodonosor, clamando pela paz e profetizando às consequências que isso acarretaria para a ruína de sua terra. Porém, Jerusalém estava cega e não dando ouvidos ao seu profeta, lançou-se cegamente contra o poderoso exército Babilônico. O profeta da paz não cessava de pregar e aconselhar às autoridades, porém, foi vitimado, lançado em cárcere imundo pela  primeira vez, em seguida, depois de insistir em sua pregação foi lançado a um poço, mas por providência divina, foi salvo por um escravo. Por fim, depois de toda Jerusalém destruída e ardendo em chamas como o profeta previra, quiseram ainda os conquistadores oferecer honrarias, porém o profeta renunciou às sedutoras recompensas e seguiu seus conterrâneos através do triste e trágico desfecho da história.

Podemos dizer que a missão de Jeremias fracassou por um lado, no objetivo de alertar e abrir os olhos do povo e fazer com que retornassem à comunhão genuína com Deus, no entanto, sua confiança depositada no Deus interior, aquele que falava direto ao seu quebrantado coração desde jovem, livre das amarras da religiosidade de sua época, fez com que ele permanecesse fiel, concedendo-lhe a capacidade de mostrar ao povo e a todos nós hoje em dia, que esse mesmo Deus quer manter um relacionamento íntimo conosco, sem que haja necessidade de instituições mediadoras.

O que Jeremias queria mostrar ao povo e as autoridades de sua época era exatamente aquilo que está narrado no Novo Testamento, quando Jesus foi crucificado e o véu do templo se rasgou de cima a baixo (uma alegoria semelhante ao véu de Ísis das iniciações egípcias), simbolizando o acesso direto sem mediações entre o homem e Deus. Jesus, o Cristo veio nos revelar a dimensão interior, a relação imanente/transcendente, apresentou-nos a via do coração, a vereda menos percorrida o caminho estreito. Assim como Jeremias, os seguidores de Jesus devem ser reconhecidos não pela sua religiosidade exterior ou por hábitos, linguagens e costumes, mas pelos esforços empreendidos em favor da justiça e da paz, para que possam ser chamados perante o Criador de bem-aventurados.

Bem-aventurados são todos aqueles que durante a sua jornada nesse mundo conseguem descobrir o seu Cristo interior, proporcionando-lhes total renúncia do ego, passando a viver não mais em benefício de si próprio, mas desejando vir a ser um instrumento pelo qual o Amor Divino possa atingir os seus irmãos de caminhada. Esse será igual àquele que encontrou uma pérola preciosa e tomou posse, passará a desfrutar de muita paz e tamanha alegria, onde nenhuma coisa vinda de fora será capaz de perturbar. Somente assim, alcançando esse estado de plenitude, o homem terá controle sobre o mundo das aparências, e onde quer que se encontre, mesmo sem dizer uma só palavra, simplesmente com sua presença, será capaz de contagiar beneficamente todos os que o cercam. 

“Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus.” Mt. 5.9