domingo, 29 de dezembro de 2013

Será possível superarmos a nós mesmos?



Por Kadu Santoro

            O maior desafio enfrentado pelo ser humano é superar-se a si mesmo. Não viemos para o mundo para confrontarmos com o nosso próximo, e sim, vencermos a nós mesmos.  Somos o nosso próprio cárcere, e o nosso maior inimigo é o nosso ego, esse que nos controla o tempo inteiro, nos colocando em situações de angústia, tristeza e sofrimento, tudo isso fruto do desejo. Somos o maior vilão de nós mesmos, e a tarefa de nos superar é árdua e demorada, pode levar uma vida inteira e mesmo assim é muito comum não conseguirmos dominar nossos extintos.

            Todo sofrimento é fruto da necessidade que temos de tentar controlar as coisas, porém, o mais difícil é controlar os impulsos do ego, esse que nos leva por muitas vezes a cometer atos insanos que acabam produzindo muitos sofrimentos. Essa é mais dura realidade, sermos escravos de nós mesmos. O sofrimento é causado pela tensão dual e contínua entre bem e mal, como disse Hermes Trismegisto em seu livro Do castigo da alma: “O homem pensa que sua felicidade reside nos dons deste mundo e que eles subsistirão eternamente, quando, de fato, eles desaparecem nas transformações do bem e do mal.”

            No mundo de hoje, mais do que nunca, o desejo e as paixões tem levado milhares de pessoas a viverem em profundo estado de dor e sofrimento interior. O apelo excessivo ao consumo, aos hábitos e costumes impostos pela sociedade, os padrões pré estabelecidos de beleza e comportamento, as exigências cada vez maiores do mercado de trabalho, aliados ao egoísmo e a ganância, tem contribuído para o crescimento significativo desse sofrimento interior. Milhares de pessoas estão vivendo com muitas dores interiores, marcas profundas na alma, escravizadas pela mente manipuladora e obsessiva coletiva do sistema, fazendo com que esses fiquem cada vez mais solitários, tristes e sem esperanças, chegando ao desespero.

            É uma luta, onde o grande rival que precisamos vencer, não é ninguém mais do que nós mesmos. É preciso ir para o deserto, lugar de mais profunda aridez para que então possamos tentar vencer todas as tentações lançadas pelo famigerado ego. As nossas armas e mecanismos de defesa também encontram-se dentro da gente, porém parece que nunca conseguimos colocar em prática. O processo para a libertação é longo e lento, e precisa de muita paciência, resignação e confiança, pois o caminho da senda interior é repleto de espinhos e esses vão nos fazendo desanimar em função das dores que nos atinge constantemente.

            Como podemos nos libertar do nosso ego e suas artimanhas? Será que é possível sermos felizes e livres dos impulsos dos desejos e paixões? Essas são algumas perguntas que estão nas bocas da totalidade dos seres humanos, e que trazem muita angústia para acharem uma resposta satisfatória. Parece que nenhum esforço, seja ele psicológico, filosófico ou religioso consiga nos trazer algum alento e saída para a nossa libertação interior. Quanto mais mergulhamos no conhecimento mais sofremos por ele. Vivemos como em um beco sem saída, onde parece que a única coisa que podemos fazer é ficarmos parados e tentar ao máximo não pensar nessas questões, fugir dos maus pensamentos, mas mesmo assim é extremamente difícil, quase impossível, pois somos seres sensoriais e pensantes, estamos em total interação com o mundo e todas as coisas, é uma condição de desespero como diz Sören Kierkegaard em seu livro O desespero humano: “O desespero inconsciente de ter um “eu” – o que é verdadeiro desespero; o desespero que não quer; e o desespero que quer ser ele mesmo.”

            Todo o sofrimento que carregamos dentro de nós é alimentado por nós mesmos diariamente, estamos cativos dentro de nós, carregamos nossa cruz, ou seja, a nossa própria sentença, nossos pensamentos nos controlam através da mente, tentamos achar alívio, mas isso parece não durar por muito tempo, até porque quando conseguimos alguma alegria ou estado de felicidade, isso dura muito pouco, é passageiro como um estado de êxtase, e logo voltamos ao estado de sofrimento interior. Vivemos nessa alternância constante, sendo que a grande maioria do tempo é preenchida pela dor e sofrimento.
           
            Poderia escrever aqui milhares de páginas que não seriam suficientes para relatar quantos filósofos e pensadores tentaram achar alguma solução para o sofrimento humano. E continuamos nessa busca de geração em geração e parece que cada vez o nó aperta mais, novas possibilidades acabam sendo frustradas diante da realidade fria e cruel da nossa própria existência, pois existe um grande abismo entre teoria e prática. Os sistemas de auto ajuda, as terapias, a espiritualidade e a religiosidade tem funcionado como meros paliativos diante do gigante que habita dentro de cada um de nós. Feliz daquele que consegue pelo menos por algum tempo se manter equilibrado e em paz dentro de algum sistema de crença, isso é ótimo, o problema é que esses mesmos sistemas possuem inúmeras controvérsias quando aprofundados.

            Onde encontraremos a paz e a plenitude? O que devemos fazer para controlar nossos impulsos e não sermos mais escravizados por nós mesmos? Continuo perguntando e parece que essas perguntas não terão fim. Toda a tentativa parece em vão, podem ser coerentes em suas formulações, como falamos em desapego, pensamentos positivos, estado de não mente, purificação, etc. porém, isso não se sustenta por muito tempo na prática, até porque, se conseguirmos viver nos controlando e evitando as tentações, ainda assim estaremos aprisionados por nós mesmos, pelo nosso ego, limitados a um sistema de crença onde viveremos de forma rotineira uma pseudo condição de paz e liberdade.

            Não existe nada que possa tirar ou aliviar nossa angústia existencial, nenhum bem material, riquezas ou qualquer outra coisa. Se não estamos bem conosco, não poderemos estar bem com mais ninguém, isso é terrível, pois através da nossa falta de paz interior, acabamos produzindo sofrimento exterior, isso que gera todos os conflitos interpessoais, onde as pessoas se entendem menos a cada dia, discórdias, contendas, invejas, frustrações, etc. Tudo isso é fruto da grande insatisfação que temos dentro de nós mesmos, da dor de sabermos que somos escravos da nossa mente e do nosso ego.

            Parece que a única coisa que nos resta é convivermos com todo o nosso sofrimento, tentando a cada dia não olhar para os problemas que nos cercam, buscando alguma esperança de ordem sobrenatural, metafísica, onde isso ocupe nossa mente por algum tempo, acreditando que exista alguma “chance” de superação da nossa natureza humana. Acreditar é algo ruim, pois também gera ansiedade, nos coloca sempre em posição de espera, logo, é melhor tentar não pensar em nada, mesmo que isso também não resolva, porém, aliviaremos a nossa dor interior por algum tempo.

            A ideia de Deus também por muitas vezes nos parece assustadora e contraditória, pois como pode uma entidade superior dotada de poderes infinitos permitir tanto sofrimento, ou pior, ele mesmo ser causa e consequência de toda essa condição miserável, como se ele mesmo seja escravo da realidade material, plasmado e aprisionado em cada um de nós, como diz na bíblia: “Eu formo a luz e crio trevas; faço a paz e crio o mal; Eu, o Senhor, faço todas estas coisas.” Isaías 45.7. O discurso religioso parte do próprio homem, como Nietzsche disse: E o homem criou Deus a sua imagem e semelhança. Criamos atributos para Deus, qualidades pessoais, antropomorfismos. A filosofia também nos conduz a um beco sem saída, nos apresenta inúmeras formulações onde todas elas possuem seus argumentos contrários, nos levando até a loucura assim como a matemática em seus sistemas.


            Diante de todo esse exercício de pensamento, sem a intenção de juntar ponto algum, abreviei apenas uma reflexão e deixo que cada um procure achar o caminho que lhe sirva melhor e caso consiga identificar uma solução ou caminho para o grande desafio de superarmos a nós mesmos, que seja apresentado não em teoria, mas posto em prática, para que isso sirva de aprendizado para muitos, pois diante de tanto sofrimento, a esperança se renova a cada dia e é apenas nessa condição de “acreditarmos” numa possibilidade que nos resta alguma chance de sermos felizes. O melhor que podemos fazer é vivenciar o AGORA, procurando não questionar nada, apenas desfrutando do poder da presença, essa condição de ser e não ser ao mesmo tempo. 

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

FINALMENTE ACABAMOS DOMESTICADOS E EMBURRECIDOS?



Por Kadu Santoro

            Essa é a conclusão assustadora que cheguei. Depois de muitos anos estudando o comportamento humano, seus rumos e perspectivas, percebo que chegamos a um ponto extremamente crítico, a humanidade emburreceu consideravelmente em todos os sentidos, pioramos e continuamos piorando a cada dia. Hoje o que vemos é um show de barbáries em todas as esferas da sociedade, e o pior, é que a grande maioria das pessoas perderam totalmente a sensibilidade e o poder de discernimento das coisas, encontram-se alheios a tudo. Os preços aumentam abusivamente, o custo de vida está insuportável, a violência generalizada em todos os níveis, a banalidade cultural associada com a decadência do pensar, a corrupção desenfreada, a sexualidade vulgarizada e o amor totalmente reduzido a uma mera conveniência. Poderia passar muito tempo aqui relacionando coisas terríveis que estão diante de nossos olhos e ninguém ao menos se sensibiliza com tal situação. É lastimável ver como a vida perdeu o seu valor, se mata por qualquer coisa ou motivo, o egoísmo e a ganância já não tem limites, o mundo se tornou pequeno para tanta coisa ruim que vem acontecendo, é preciso despertarmos urgentemente e fazer uma revisão radical de conceitos e valores.

            Falar hoje em dia em ética, compromisso, respeito, sustentabilidade, é muito comum e bonito de se escutar, porém, fica apenas nas palavras, no campo teórico das idéias, isso quando essas não são usadas como discurso de manipulação das massas. Até no campo religioso, as palavras sábias e inspiradas foram substituídas por chavões e clichês motivacionais que geram apenas emotividade e massageiam o ego. O advento da tecnologia da informação veio como um grande aliado de todo esse processo de alienação e distanciamento, as pessoas não conversam e interagem mais pessoalmente, agora elas teclam, ninguém presta mais atenção a natureza, fica-se vislumbrando e compartilhando fotos no Facebook de forma distante e fria como escravos voyeristas da tecnologia da informação. Os valores do Ser estão deturpados, as pessoas buscam autoafirmação através do consumo e da vaidade estética, nunca estão satisfeitos consigo mesmo, procuram sempre algo exterior para satisfazerem suas vontades, desejos e prazeres, esses que são os grandes causadores de todo o nosso sofrimento. Sem falar da cultura, essa que se tornou cara e escassa, foi substituída por um engodo televisivo e midiático, recheado de futilidades e apelo sensual, uma verdadeira vulgarização cultural.

            O quadro é caótico, vivemos a política do “panis et circenses” característico da época da dominação romana dos primeiros séculos de nossa era cristã, porém hoje em dia, o pão e circo foram substituídos por futebol e bebedeira, consumo e sexualidade desenfreada, nada além disso. Os entretenimentos de hoje são pautados em futilidades e vulgaridades de forma coletiva como raves, chopadas, boites extasiantes, bares lotados cheirando a cigarro e bebida, a palavra de ordem é balada, típico de um país infantilizado e atrofiado culturalmente e emocionalmente como o Brasil, um país que perdeu, ou melhor, talvez nunca tenha tido profundidade e conteúdo, agora é uma coisa rasa, é só festa, sertanejo, pagode e funk, todo mundo se matando para ficar com corpos sarados e as mentes cada vez mais atrofiadas, enquanto isso milhares de pessoas passando fome e vivendo abaixo da linha de pobreza, não há lugar para o amor sincero, o papo saudável, a caridade o cuidado a cultura e amizade verdadeira sem interesses. Isso foi substituído pelo egocentrismo, ou seja, a política do cada um por si e (sei lá) Deus por todos, farinha pouca, meu pirão primeiro, a lei de Gerson, onde todos querem apenas levar vantagens custe o que custar.

            As políticas públicas deitam e rolam diante de tanta mediocridade, pois a população não está nem aí para nada, a inflação se eleva de forma galopante, os salários cada vez mais baixos, o mercado de trabalho vulgarizado, a escassez de mão de obra qualificada, a deficiência e precariedade do serviço público, os roubos, nepotismo, armações e fraudes por parte dos governantes em todas as esferas da política, etc. Estamos domesticados, cada vez mais alienados diante de tantos problemas graves, por isso que a “burrocracia” aumenta cada vez mais e como diz o adágio popular: o povo tem o governo que merece. Até no meio religioso só vemos enganos e mentiras, pregações vazias e apelativas, somente batendo em cima de dízimos, ofertas e prosperidade, ninguém procura mais entrar em comunhão autêntica e verdadeira com o Sagrado, agradecer ao invés de pedir, é o que eu chamo de Evangelho fast-food, uma forma interesseira e tosca de se comunicar com Deus.

            Infelizmente é isso, viramos marionetes da seleta elite global, como gados domesticados, prontos e condicionados apenas para obedecerem sem questionar nada, totalmente disciplinados em relação ao sistema capitalista, até porque as pessoas não se ocupam em buscar conhecimento, ampliar o seu background cultural e muito menos desenvolver um censo crítico a partir de si mesmo e em relação ao mundo que o cerca. A situação é crítica e a tendência é piorar mais a cada dia. Vivemos em meio a uma grande crise de sentidos e valores, estamos diante de um grande abismo existencial, a instituição família está em decadência, para cada matrimônio realizado, são dez divórcios, não há mais diálogo nos lares, cada um vive sua vida, pais contra filhos e vice e versa, não há mais respeito, todos em busca de “ter” egoisticamente, possuir e conquistar bens materiais, conforto e prazer, nada além disso. Cada vez mais estamos nos alimentado pior, vivendo a síndrome de falta de tempo, dormindo mau, vivendo uma vida superficial, precária e vazia de sentido e espiritualidade, e mesmo assim, ninguém dá uma pausa para refletir sobre essas coisas e tenta buscar alguma alternativa para sair desse círculo vicioso.


            Lamentavelmente, dou por encerrado esse desabafo e espero que ele sirva de luz e incentivo para outras pessoas que estão sofrendo e observando tais acontecimentos e possam fazer uma profunda reflexão continuando em busca de não se tornar mais um alienado emburrecido diante da mediocridade humana atual. Procure buscar conhecimento, ampliar seus horizontes do “Ser”, pensar mais, aculturar-se, espiritualizar-se, amar e permitir ser amado de forma pura e sincera, não acredite em tudo que se fala, antes questione, avalie e por último critique se for necessário. Evite se expor nas teias das redes sociais, ocupe mais seu tempo com coisas sublimes como leitura, arte, cultura e lazer ligado a natureza, pratique a caridade, desenvolva sua espiritualidade, preste mais atenção a sua família, dedique-se mais aos seus filhos, esposas e maridos. Viva e seja você simplesmente, não queira ser mais uma mera reprodução em série, pelo menos faça como disse o filósofo Nietzsche: Eu não sei o que quero ser, mas sei muito bem o que não quero me tornar. não se torne mais um zumbi domesticado.