sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Resgatando dentro de nós aquilo que foi colocado para fora





Por Kadu Santoro

A ignorância e a ilusão são características da mente degenerada, condição essa que chamamos muitas vezes de “trevas” ou escuridão. Apesar da grande colaboração negativa da institucionalidade religiosa em manter as mentes e corações manipulados e dirigidos para fora em busca de Deus, tal condição de ignorância é confirmada e suportada pelo nosso sentimento de “ego” – a idéia que todos nós nos encontramos separados uns dos outros e principalmente de Deus.

Jesus, apesar de sua formação judaica, pautada na relação com um Deus pessoal, nos ensinou a buscar o Deus interior. Podemos conferir essas palavras no evangelho de Lucas, onde diz o seguinte: “O Reino de Deus não possui aparência ostensiva; nem se poderá dizer: ei-lo aqui ou ei-lo ali! Porque o Reino de Deus está dentro de vós.” Embora essa afirmação tenha sido sustentada por muitos estudiosos para demonstrar a historicidade das atividades terrenas de Jesus entre seus discípulos e os homens, também devemos entender essa afirmação como uma referência à divindade dentro do homem, como podemos perceber na prece ensinada por ele: “Eu neles, e tu em mim, para que possam tornar-se perfeitos na unidade...?”, ou quando o apóstolo Paulo declara aos Coríntios: “Ignorais acaso que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?”.

A ignorância e cegueira religiosa nos impede de perceber esta verdade de que Deus está sempre presente dentro de nós. Sem despertarmos a nossa consciência, fica muito difícil para nós acreditarmos nesse encontro genuíno com Deus dentro de nós. Porém, grandes almas iluminadas na história tiveram essa experiência, como diz um mestre védico: “Conheci aquele grande Ser de luz fulgurante, além de toda a treva. Tu também, conhecendo essa Verdade, superarás a morte.” Jesus também disse: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” O encontro com essa verdade acontece através do despertar da consciência e de um renascimento espiritual como Jesus falou a Nicodemos.

Hoje no mundo existem milhares de religiosos, sejam cristãos, muçulmanos, judeus entre outros, que frequentam assiduamente suas igrejas e templos prestando cultos, ofertas e adorações, mas desses, poucos buscam a união com Deus, pois ocupam-se na maior parte do tempo com rituais e formalidades, além de que, a maioria das pessoas satisfaz-se em viver uma vida morna, mais ou menos ética aqui na terra, na esperança de que vão ser recompensadas numa vida além dessa pelas suas boas ações realizadas aqui.

Dentre os cristãos, muitos falam em ter Cristo renascido em seus corações ou que aceitaram a Jesus, mas o que quer dizer isso? Segundo os Upanishads védicos, o homem vive dentro de três estados de consciência: acordado, sonhando e dormindo sem sonhar. Nesses três estados é impossível ver Deus. Mas, além desses três estados, existe um q  ue podemos chamar de quarto estado, que é muito conhecido pelos místicos, um estado que transcende o tempo, o espaço e a causalidade. É o Reino de Deus de que fala Jesus Cristo. Aquele que passa por esse estado, não é contrariado em tempo algum por nenhuma outra experiência, passa a ver tudo de forma arquetípica e comum ao todo, ao contrário das fantasias dos estado de sonho, que são anuladas quando acordamos. Quando atingimos esse estado, iluminamos nosso coração e acontece uma transformação genuína e permanente. Renascemos em espírito. Nesse estado transcendental, desparace toda consciência do mundo e de sua multiplicidade. Para os hindus esse estado atingido é chamado de samadhi; os budistas chamam de nirvana e os cristãos de união mística com Deus.

Infelizmente são poucas as pessoas que entram nesse Reino de Deus, porque poucos são os que lutam para encontrá-lo, como diz o Gita: Quem se preocupa em procurar a liberdade perfeita? Um indivíduo, talvez entre milhares.” Jesus também nos alerta que a porta é estreita, porém, para muitos, estreito é sinônimo de princípios éticos e morais, zelo pela observância religiosa desconhecendo o verdadeiro significado que é o caminho interior, aquele que nos conduz a Deus.

As instituições religiosas ensinam a seus adeptos a se contentarem com o mínimo, ou seja, apenas com as práticas exteriores, superficiais, rituais e dogmas, fazendo com que esses não alcancem o progresso na evolução espiritual, ou seja, ater-se ao estrito cumprimento dos deveres religiosos é condenar-se à mediocridade, renunciando assim a um anseio profundo do coração humano que é progredir sempre. Comodismo e mediocridade barram a evolução espiritual do homem levando esse a um estágio de alienação completo e cegueira espiritual. São aqueles que por anos frequentam os ministérios eclesiásticos, seja envolvido com música, teatro, liturgias ou qualquer outro setor, onde vivem segundo o exterior, o ego camufla-se por trás de uma pseudo religiosidade, deixando de vivenciar a verdadeira prática interior da ascese espiritual, ou seja, escuta, escuta mas não ouve, vê mas não enxerga, e assim acaba vivendo uma espiritualidade vazia.

Em suma, quando encontramos Deus dentro de nós, encontramos a nossa centralidade, logo passamos a perceber que o nosso mérito não está na grandeza material das obras que realizamos, mas na profundidade e dimensão do amor com que dedicamos à elas em prol do nosso próximo de forma incondicional.

domingo, 9 de dezembro de 2012

Preparai o caminho! Marcel Domergue




por A reflexão é de Marcel Domergue, sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 2º Domingo de Advento (9 de dezembro de 2012). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara, e José J. Lara.

João, modelo de transparência
Os dois primeiros capítulos do Evangelho de Lucas contam a infância de Jesus. Formam como que um Evangelho especial. Já este terceiro capítulo inicia um novo relato, comparável ao Evangelho de Marcos. Lucas começa enumerando os potentados que governavam a região e, também, o Império. O contraste é marcante: a palavra de Deus, que faz o universo existir, não se dirige a nenhum destes importantes personagens, mas sim ao filho de Zacarias, de quem sequer se diz ser sacerdote, nem mesmo um dentre tantos, em Israel. Este João que Mateus e Marcos descrevem como um asceta é, de qualquer modo, uma pessoa transparente. Voz que clama no deserto é a voz de Outrem, pois o que é falado por ele é a palavra de Deus. Assim, João desaparece diante d'Aquele que anuncia. Com seu dedo apontado, não atrai os olhares e a atenção de todos para si mesmo, mas para quem (ele) está indicando. Em nossos desertos de ausência de Deus, podemos encontrar o Cristo através de qualquer desconhecido, seja ele quem for, e não necessariamente através dos que, em nossas sociedades, são pessoas importantes. O Cristo nos alcança através de todos estes de quem nos tornamos o próximo, através d' "o menor desses pequeninos" de que fala Jesus, em Mateus 25. Deus não economiza a sua Palavra. Ele nos fala sempre, através de todos os nossos irmãos. Assim, João Batista não desapareceu, mas encontra-se revivido em cada um de nós, desde que renunciemos a atrair para nós mesmos o olhar dos outros e orientemos a sua atenção para Aquele que vem; ou seja, desde que, para eles, abramos um futuro.

Atualidade de João Batista
E João, mesmo assim, conserva toda a sua personalidade histórica. O papel que desempenha foi comunicado a muitos homens, sem que neles se desfaça. Encarnada em João está toda a primeira Aliança. João, desta Antiga Aliança, é de qualquer forma o resultado e a recapitulação. Por isso sem dúvida, a respeito dele, os evangelistas citam Isaías. Porém o texto escolhido anuncia o retorno do exílio da Babilônia, mas com imagens que, vindas do Êxodo, referem-se à libertação da servidão no Egito. Será agora, com o Cristo, que irá produzir o verdadeiro retorno do exílio: o Êxodo definitivo. Outro paradoxo é que este "agora" está no futuro: João anuncia alguém que vem depois de si próprio. Este que vem é que vai dar valor ao nosso presente, conforme vimos no domingo passado. O Cristo nos possui já, enquanto esperamos a sua vinda. Sua vinda é permanente, mas está sempre por se fazer, até que seja "tudo em todos". Daí ser necessário que, de nossa parte, nos mantenhamos sempre abertos, constantemente, sem cessar. Sempre completos, mas nunca satisfeitos; esta é a nossa situação. Podemos estar certos de que, aconteça o que acontecer, por pior que seja, Cristo virá nos alcançar através disto mesmo. De qualquer tipo de madeira(,) Deus faz as suas flechas. Para nos conduzir até a terra prometida, usa tudo quanto a Ele nós mesmos impomos. João Batista está, portanto, sempre atual, uma vez que (nós) estamos sempre aquém de uma nova vinda de Deus. Temos necessidade de que nos seja indicado Quem, com certeza, está no meio de nós, mas que não (o) reconhecemos.

Abrir-nos à alegria
Não gostamos muito de ouvir falar em conversão, penitência, perdão dos pecados. Preferimos as metáforas de Isaías que são menos desagradáveis: preparar o caminho, endireitar as veredas, aterrar os vales... De que se trata? De abrirmo-nos para Deus, deixar que Ele nos crie à sua imagem, deixar sermos gerados. Mas temos medo de ter que mudar. Não gostamos de pontos de interrogação: preferimos ficar sentados no conforto de nossas certezas. Conversão consiste em nos interrogarmos sobre os nossos hábitos, sobre o valor de nossos desejos; consiste em sair de nosso sono para voltar os nossos olhos para Aquele que vem; sempre novo. Só então ficaremos curados de nossas paralisias, ao ouvir o Cristo nos dizer: "Levanta-te e anda". Vem andando até mim, vem me seguir. O batismo que João propõe, "em remissão dos pecados", significa um novo nascimento, um novo começo de vida; em direção à vida. De fato, o "pecado" não é a princípio transgressão a alguma proibição ou alguma lei, mas é o que se atravessa frente à nossa criação, à nossa verdade. O batismo de João não nos oferece a plenitude da vida nova, mas nos leva a fazer o deserto dentro de nós mesmos: a ‘tabula rasa' de tudo (o) que nos impede de dar lugar, por inteiro, àquele que vem. Devemos notar que as três leituras nos anunciam a boa nova: temos certamente que superar as nossas ilusões e a vida errante, mas para nos abrirmos à alegria (Baruc 5,9; Filipenses 1,11; Lucas 3,4-6). Depois de atravessar o deserto, a Terra prometida.

Texto extraído do site: 
http://www.cebi.org.br/noticia.php?secaoId=21&noticiaId=3549