segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A busca da plenitude pelo homem integral.



Por Kadu Santoro


A própria vida consiste em uma busca, seja lá qual for o ponto de vista. A vida nada mais é do que um conjunto sucessivo de ações que visam ir de encontro com algo, seja abstrato ou material, uns buscam saúde, felicidade e paz, enquanto outros vão atrás de riquezas, prazeres, bens de consumo e outras coisas materiais. Como podemos ver, alguns buscam coisas que produzem preenchimento, enquanto outros anseiam por coisas que libertam, porém, todos estamos buscando algo continuamente em todo o tempo.

A busca pela plenitude é a meta maior que o homem deve ter em mente, é o foco daquele indivíduo que sabe discernir entre o “ter” e o “ser”, conhece as razões e os motivos relacionados entre as coisas que preenchem e as que libertam, sabe viver com equilíbrio sem deixar que os desejos e as vontades os escravizem, tornando-os ansiosos e angustiados. As coisas que libertam são as que edificam o homem integral, produzindo crescimento, sabedoria e espiritualidade. Não podemos falar sobre liberdade num âmbito mais elevado sem citar alguns conceitos orientais, em especial, os hindus.

Na índia, o conceito de libertação é chamado de moksha, que só pode ser alcançado através do sadhana (esforço e empenho espiritual). A libertação para eles consiste em livrar-se desse mundo irreal, das ilusões (maya) que conduz à morte. Em todas as religiões, encontramos preces e orações que dizem: “leva-nos da escuridão à luz, guia-nos do irreal para o real, da morte para a imortalidade.” Essas são as características daqueles que buscam pela plenitude, onde a esperança reside num tempo transcendente, maior e real.

No budismo, o conceito do nirvana significa o ultrapassar de um mundo mutável e impermanente, onde todas as coisas dependem de alguma outra, para uma condição de liberdade, um estágio superior, onde não há nada que possa nos prender, inclusive o ego e a personalidade. Para os budistas, tudo que é “composto” perece, logo, não é real, todas as coisas são transitórias, só é possível vislumbrar a “dimensão real” aqui no plano físico através da plenitude.

Na tradição cristã essa idéia de liberdade e busca pela plenitude encontra-se fundamentada na salvação do pecado e do mal, enquanto o primeiro é visto como sendo de natureza pessoal, o mal é geralmente objetivado como estruturas ou forças pessoais. A libertação não é única e exclusiva de alguma coisa, mas também para algo além. Quando pensamos em liberdade, tendemos a focar apenas a coisa em si da qual procuramos libertação, porém, isso faz parte da nossa experiência imediata. Vemos a vida em si como algo irreal, inconstante, instável e pecaminoso. Essa visão aparentemente negativa vem a ser o nirvana dos budistas. Podemos definir até aqui, que a libertação, mesmo classificada como integral, não passa de um processo, não é a meta.

Jung certa vez disse: o objetivo não é atingir a perfeição, e sim, a totalidade”. Essa frase nos apresenta outra palavra muito importante, totalidade. Ela refere-se à integração e complemento do que é dividido, múltiplo ou parcial. Consiste numa imagem mais positiva e próxima do que a de “libertação”, pois tem uma amplitude maior. Podemos perceber a diferença desses dois termos (liberdade e totalidade) na prática quando realizamos um estudo comparativo entre as tradições orientais e ocidentais, como exemplo, as visões holísticas da tradição hindu em relação as religiões dicotômicas européias, onde as primeiras baseiam-se no conceito um e outro, enquanto as ocidentais pensam um ou outro. Isso nos mostra a multiplicidade e a diferença que a integração encontra na totalidade.

A totalidade é como se fosse uma imagem estática, indicando uma estrutura de equilíbrio entre diversos elementos. Um exemplo perfeito e visual, são as mandalas, que consistem em modelos geométricos equilibrados, construídos com círculos, quadrados e triângulos. Através da sua “pureza” geométrica e dos preenchimentos harmônicos, elas são muito utilizadas como instrumento de concentração, visando integrar e unificar a mente e a atenção. As mandalas são uma espécie de arquétipo, encontra-se presente em todas as culturas, tanto orientais quanto ocidentais. O dinamismo que a mandala nos proporciona, nos conduz a um estado de calma e repouso, facilitando o nosso encontro com o estado de plenitude.

A plenitude é o estágio mais elevado que podemos alcançar. A partir do momento em que atingimos esse estágio, não observamos mais as coisas individualmente, e sim, numa concepção una. Podemos dizer que a plenitude é a realidade última, porém, ela não é estática, mas repleta de vida e criatividade, permitindo repartir sua abundância na criação, nada perdendo em dar ou criar. Na visão cabalística, durante o caminho espiritual, o homem deve transformar o seu desejo de receber em desejo de dar para conseguir superar sua dependência com respeito aos planos inferiores da realidade. Segundo eles, em cada momento que nos encontramos frente ao desejo de receber, a Torá e as Mitsvót nos orientam a canalizarmos nosso desejo em função do bem coletivo, em direção ao altruísmo, um desejo de dar com sabedoria.

A plenitude abraça a multiplicidade e a variedade, essas não são mais vistas como divisão e fragmentação, mas como riqueza enraizada numa unidade que é plenitude. Podemos celebrar a plenitude com a proclamação do Isa Upanishad: “Contemple o universo na glória de Deus”. Nessa dinâmica, os mistérios de Deus encontram-se em todas as coisas, assim como, todas as coisas encontram-se em Deus. Essa é a verdadeira dimensão da plenitude, inclusiva e transcendente, é a visão do advaita – da não-dualidade – que é um e muitos, ou, de outro ponto de vista, que não é nem um nem muitos.

Na tradição cristã, João e Paulo nos apresentam a imagem de vida e plenitude em seus escritos. João evoca os mistérios do Deus do qual tudo procede e do Verbo que se torna carne, assim partilhando a plenitude com todos. Jesus disse: “eu vim para que os homens tenham a vida e a tenham em abundância” (Jo.10.10). A plenitude para o cristão deve ser entendida como o fim da Lei, pois o próprio Cristo veio na plenitude dos tempos (Gl.4.4) e ele próprio é o fim da Lei (Rm.10.4). De sua plenitude, com efeito, todos nós recebemos” (Jo.1.6). O apóstolo Paulo também nos apresenta uma visão similar: “Pois aprouve a Deus fazer habitar nele toda a plenitude e tudo reconciliar por meio dele e para ele” (Cl.1.19,20).

Para concluir, posso dizer que a plenitude é o horizonte em que vivemos; não experienciá-la é a nossa tragédia, como disse o filósofo Soren Kierkegaard: “Ousar é perder o equilíbrio momentaneamente. Não ousar é perder-se”. Nossa vida encontra-se limitada, fragmentada e incitada para todos os lados. Nossa experiência, da mesma forma, é a da multiplicidade, e não a da unidade. A expressão “busca da plenitude” indica um processo e um fim. Entretanto, seria errado pensar a plenitude enquanto experiência a esperar por nós, em algum lugar no futuro. A plenitude não é um mero adjetivo, ela “É”, e existirá sempre. Deus é plenitude e cria plenitude. Toda a vida do ser humano encontra-se nessa plenitude, que é Deus. Infelizmente não a experienciamos, dado estarmos aprisionados por toda a sorte de ilusões e limitações. É na plenitude que encontramos nossa origem e nela residimos: somente assim transcendemos nossas limitações.

Paz, Shalom, Salaam, Namastê!!!