segunda-feira, 16 de julho de 2012

Jesus, um curandeiro da Galiléia.



Por Kadu Santoro

Muitos ao lerem esse título irão se chocar e até mesmo se sentirem ofendidos devido a suas crenças e convicções, porém, não devemos esquecer que nos tempos mais remotos da humanidade, esse título era algo importantíssimo dentro das tribos e comunidades, pois assim eram chamados os médicos e terapeutas da época. É preciso conhecer a história para que não venhamos a cair em preconceitos e fundamentalismos. Vamos entender um pouco sobre esse título no estudo abaixo.

Discernir as doenças físicas de possessões demoníacas hoje em dia, é algo banal, tarefa óbvia, até porque, dialogamos com o nosso tempo, esse que não permite mais lugar às metáforas relacionadas a demônios e espíritos malignos, que era muito comum no imaginário coletivo dos povos antigos.

Hoje em dia, quando falamos que alguém está doente, nos referimos que essa pessoa está com algum problema clínico, onde um médico irá examinar e fazer um diagnóstico para poder então medicar o paciente e promover a cura. Por mais que acreditemos que a medicina está a cada dia mais avançada, com mais recursos tecnológicos e científicos à disposição para promover a cura das mais variadas doenças e a melhoria da qualidade de vida, ainda assim, ela ainda é muito incompleta e limitada, basta observarmos o aumento de doenças psicossomáticas que estão surgindo a cada dia, vírus mutantes, cada vez mais resistentes, epidemias e pandemias variadas, além dos cânceres que a cada dia se tornam mais variáveis, sem falar na AIDS.

No passado, as doenças não eram diagnosticadas como hoje, a partir da fisiologia humana. Quando alguém se encontrava doente, não era por alguma causa patológica, mas como uma punição dos deuses devido a alguma forma de pecado, maldição, rituais impuros, ou ações demoníacas. Um bom exemplo disso, se encontra no Evangelho de Lucas, onde narra a história de uma mulher doente que se encontrava cativa por satanás à dezoito anos (Lc.13.16). Quanto mais grave o estado de saúde do paciente, maior era a sua culpa ou pecado. Devido a isso, as pessoas portadoras de doenças eram comumente excluídas da comunidade, as que se encontravam em estado mais grave eram tratadas com grande rejeição, como se fossem contagiosas, além de serem forçadas a viverem fora dos limites da tribo, impedidas de participar dos eventos e da vida pública em comunidade. Uma vez doente, pouca era a chance de sobreviver, até porque, o fator psicológico e emocional, contribuía para que a pessoa definhasse mais rápido, fruto da solidão e desprezo.

Nos tempos de Jesus existiam duas facções religiosas sectárias, que atuavam intensamente como curandeiros, os Essênios e os Terapeutas do deserto.

Os Essênios, uma comunidade fundada em torno de 150 a.C. (próximo ao período dos Macabeus), cujos membros, habitando uma espécie de mosteiro, formavam entre si um tipo de associação moral e religiosa, onde punham em comunhão os seus bens em prol da comunidade. Eram moderados em seus atos, pregavam o amor a Deus e ao próximo, acreditavam na imortalidade da alma e na ressurreição. Viviam de forma celibatária, repudiavam a escravidão e toda forma de guerra. Eles eram dados à agricultura e ao estudo da astrologia, de onde tiravam grandes “insights” para um maior sentido da vida. Buscam a cura para às doenças na natureza, através de ervas, mel de abelhas, frutas, cereais e legumes.

Os Terapeutas (do grego therapeuthés, formado de therapeuein, cuidar, servir, isto é: os servidores de Deus ou curandeiros), constituia-se em um grupo de judeus sectários contemporâneos de jesus, estabelecidos em sua maioria no Egito, na cidade magna de Alexandria, berço de grandes filósofos, iniciados e intelctuais. Esse grupo possuía íntima relação com os Essênios, cujos princípios adotavam, aplicando-se, como esses últimos, à prática de todas as virtudes. Sua alimentação era altamente balanceada, extremamente frugal. Também eram celibatários, voltados à meditação, contemplação e a uma vida solitária e introspectiva. O filósofo judeu (helenista/platônico) Fílon de Alexandria, foi o primeiro a mencionar sobre esse grupo dos Terapeutas, considerando-os como uma seita do judaísmo. Os Pais da Igreja, Eusébio de Cesaréia e Jerônimo pensavam na possibilidade deles serem cristãos. É bem provável que Jesus tivesse relações com esses dois grupos do deserto, até porque, João Batista, seu primo, fazia parte dos Essênios.

Os curandeiros na sociedade antiga tinham como papel fundamental restabelecer a dignidade das pessoas trazendo-as de volta ao seu legítimo lugar na sociedade. Isso é exatamente o que Jesus fez durante os seus três anos de ministério terreno: curando enfermos, dando visão aos cegos, trazendo alívio aos cansados, devolvendo os movimentos aos paralíticos e coxos (Mt.11.5), porém, como curandeiro, Jesus também não só curou os males físicos, ele também procurou sanar o sofrimento social que excluía e discriminava os indivíduos, trazendo aqueles excluídos de volta para o convívio social com dignidade e justiça.

Os Evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) nos apresentam Jesus como um fazedor de milagres, tendo em sua conta um total de 29 milagres realizados antes de sua paixão, morte e ressurreição (sendo este o seu maior milagre). Enquanto Jesus pregava a vinda do Reino, ele operava maravilhosas curas e milagres, demonstrando com isso a proximidade deste. Os milagres demonstram a preocupação de Jesus com as pessoas, assim como um curandeiro se preocupava com os enfermos.

Jesus foi aquele curandeiro que não se preocupou exclusivamente com a dor física, para ele não existia barreiras étnicas (Samaritanos), sociais (ricos e pobres) ou de gênero para que o milagre acontecesse. Seus milagres demonstram que o amor de Deus é o mesmo com todos, sem distinção alguma. Todas as suas curas, automaticamente reintegravam as pessoas à sociedade de maneira íntegra. Ao realizar curas milagrosas, o curandeiro Jesus concretizava seu ministério de forma invicta “para anunciar aos cativos a redenção, aos cegos a restauração da visão, para por em liberdade os cativos” (Lc.4.19).

O método utilizado por Jesus em suas curas era avançado para a época, pois consistia na valorização da vida, ou seja, ele olhava para as pessoas com misericórdia e compaixão, isso era importantíssimo, pois aqueles “enfermos”, na sua maioria “sociais”, não eram vistos por ninguém, pelo contrário, eram rejeitados como contagiosos. Por isso que Jesus falou que veio para os doentes e necessitados, e não para os saudáveis, isso demonstra o zelo de um verdadeiro curandeiro que ama e obedece à sua vocação e chamado.

Outro detalhe interessante, é que Jesus nunca utilizou “medicamentos” convencionais ou fórmulas químicas complexas, pelo contrário, utilizava em suas curas e milagres elementos naturais como terra, água e principalmente a voz (Lc.7.14) e o toque (Mt.8.15), como faz um curandeiro, que utiliza de elementos naturais, rezas e passes (toques) para curar seus enfermos.

O aspecto mais importante nas curas realizadas por Jesus, é que no momento em que as pessoas eram curadas ou libertas, as relações eram restauradas, assim como a fé e a esperança vivificadas dentro de cada um. Podemos observar isso em nossos dias, quando alguém se recupera de alguma enfermidade grave, vemos sinais visíveis do envolvimento de Deus em suas vidas. Sob a perspectiva da fé, Deus pode ser compreendido por agir de diferentes maneiras em cada um de nós. Logo, podemos definir que as curas e milagres tanto do passado quanto de hoje, são sinais da restauração da ordem de divina num mundo desequilibrado e dividido.

A técnica curandeira de Jesus está acessível a qualquer um, independente de credo, etnia ou classe social, é preciso apenas como pré requisito, possuir um coração cheio de amor e compaixão. Ele nos ensinou a liberdade, mostrando que nós somos capazes de nos curar e curar os outros através da fé que nos move e nos transforma a cada dia em pessoas melhores.


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