domingo, 13 de maio de 2012

O ARQUÉTIPO DA GRANDE DEUSA-MÃE




Por Kadu Santoro

A estrutura da Trindade dentro das cosmogonias religiosas, é algo arquetípico, em todas elas existe uma relação entre Pai e Mãe que geram o Filho, ou a terceira pessoa da tríade. São antropomorfismos atribuídos aos diversos mitos da criação, onde muitas vezes são representados por astros, elementos da natureza e até por símbolos geométricos.

No período do cristianismo primitivo, os cristãos gnósticos já tinham essa concepção trinitária, onde o Espírito Santo era identificado com “Sophia” (sabedoria ativa), que era representada como ente feminino.

Depois de muitas discussões durante os dois primeiros concílios da Igreja, Nicéia (325d.C.) e Constantinopla (381d.C.), ficou decido que o princípio feminino da trindade passaria a ser substituído pelo Espírito Santo (uma jogada da igreja para desarticular os teólogos gnósticos que prezavam pelo conhecimento, e implantar uma gestão de controle e poder centralizado nos moldes imperiais), assim, a religião cristã passou a ser a única religião a não possuir o aspecto feminino ativo em sua trindade. Isso gerou graves problemas internos na igreja, os membros estavam retornando aos cultos “pagãos” de Ísis, Hathor, Athena, Deméter, Ceres, Afrodite, Saraswati, Parvati, etc, pois esses não negligenciaram o aspecto feminino/materno da Deusa-Mãe. A igreja tentou precipitadamente no início da Idade Média, retomar esse aspecto feminino da trindade através do culto à Maria, porém, isso também acabou gerando muita confusão na cabeça das pessoas, pois tratava-se de um elemento a mais na trindade.

O arquétipo da grande Deusa-Mãe, aquela que tem a missão de gerar, sustentar e consolar seus filhos, encontra-se profundamente presente no inconsciente coletivo da humanidade desde os primórdios. Por mais que tente substituir esse arquétipo, por outra representação simbólica, como ocorreu no caso da substituição do culto à Deusa Diana dos Efésios pelo culto à imagem de Maria Mãe de Jesus, jamais conseguirá desvincular a essência da maternidade universal. Por trás de toda a universalidade sincrética das religiões pré-cristãs, percebe-se a presença do mesmo elemento arquetípico feminino: a Deusa-Mãe, que produz e sustenta as formas de vida, nutrindo e fortalecendo aqueles que se dirigem a ela através de preces, súplicas e oferendas durante o momento de grande sofrimento.

Novamente o culto e a devoção pessoal à Maria passou a ser negado, só que agora pelos protestantes (século XVI), pois esses basearam  sua hermenêutica na mistura entre o judaísmo renovado e cristianizado com as tendências judaicas tradicionais, mais literal e legalista, onde a imagem masculina é predominante. Além disso, o protestantismo nunca teve muita afinidade com elementos simbólicos (descartando as interpretações alegóricas), sendo fundamentados rigidamente por interpretações puramente literais em cima das Sagradas Escrituras (Bíblia).

O que os Protestantes esquecem, é o fato de que o judaísmo tardio é produto da codificação dos levitas jeovitas. No judaísmo primitivo (hebreus), o Deus que imperava era El, esse tinha como sua consorte (esposa), Ashera. Na tradição cabalística também existem personificações femininas das Sephirots (emanações de Ain Soph), como exemplo, Chockmah (sabedoria), Binah (entendimento) e Netzah (vitória). Em Gênesis, no Pentateuco, encontramos uma frase metafórica rica em seu simbolismo: “No início, o espírito de YHWH pairava sobre a face das águas”. Jamais poderemos interpretar essa passagem de forma literal, senão, seria a imagem grosseira de um gigante sobre o oceano revolto. O que a metáfora dessa frase nos transmite na verdade, é que antes da manifestação se iniciar, havia dois princípios fundamentais, o primeiro era a Vida/Consciência (O Espírito de Deus) e o segundo, a matéria (as águas) que se encontrava em estado revolto como um grande mar de matéria primordial que estava sendo formado a partir do caos na aurora da manifestação. Logo, essas “águas primordiais”, onde o Espírito de Deus pairava, são a representação simbólica e arquetípica da “Virgem Maria”, que é exclusivamente capaz de gerar o universo como o filho de sua união com o sopro (πνεύμα) de IHWH, ou seja, interpretando de forma humana, somos gerados no ventre de nossa mãe, lá dentro é escuro (trevas) e estamos imersos em água. Numa ordem cósmica, Maria (Grande-Mãe) representa o grande mar, o útero cósmico, de onde provém o universo. O mais interessante é perceber que as palavras mar, Maria, máter e matéria têm a mesma raiz e origem.

Na cultura oriental, em especial no Taoísmo, esses dois princípios primordiais são identificados como o yin e yang, princípios cósmicos impessoais representados através de um simbolismo, pois essa é a única maneira de expressar algo tão distante da nossa realidade humana e totalmente transcendental, especialmente tratando de concepções de povos da idade do bronze. Os taoístas correm menos riscos que nós ocidentais, enquanto buscam através de uma visão impessoal a origem do universo a partir da interação entre os dois princípios yang (masculino) e yin (feminino), pois eles entendem que na realidade, não existe a dualidade entre Pai e Mãe (como nós fazemos no ocidente), ou entre o “Espírito de Deus” e a “face das águas”. Para eles, ambos são apenas aspectos que diferem da mesma unidade, são diferentes polaridades do grande Tao. Existe uma passagem pequenina da literatura taoísta (Tao Te Ching) que expressa exatamente como eles enxergam essa questão: “Um monge perguntou ao seu mestre o que é o Tao. Então o mestre lhe respondeu: O Tao É”. Assim, fica resolvido o problema da maternidade divina, e o mais interessante, é que não é preciso criar dualidades ou supor que exista dois deuses (um deus e uma deusa).

Observando a natureza podemos ver como funciona a dinâmica trinitária (Pai, Mãe e Filho). Fazendo uma analogia a partir da luz solar, percebemos que sua luz em si própria, corresponde à imagem do “Pai”. Essa mesma luz agindo como o princípio criador e nutridor das formas de vida, corresponde à imagem da “Mãe”. Logo, nessa analogia, o “Pai” representa o princípio fertilizador da luz. A “Mãe”, o princípio criador. E por fim, o “Filho”, que representa os seres criados, que, por sua vez, reproduzem o mesmo ciclo em seu ambiente de vida.

Trazendo esse tema para os nossos dias, principalmente neste período de virada de ciclo (século e milênio), podemos perceber nitidamente a grande crise existencial em que se encontra a religião cristã, principalmente as correntes evangélicas que divergem uma das outras constantemente em seus dogmas. Notamos uma total insatisfação e descrédito por parte de seus membros, um verdadeiro esgotamento de um modelo de religiosidade medievalizada e saturada, predominantemente masculina. Uma religiosidade pragmática, onde a relação com o divino é à base de trocas e propósitos ou através de uma emotividade coletiva, onde a razão não dá lugar a intuição, ou seja, o verdadeiro ato de “descansar nos braços do Deus Pai-Mãe”, já não é possível. Os líderes, em sua maioria, idolatram e ensinam idolatrar padrões materiais, como frutos de bençãos de Deus. Conquistar tudo aqui e agora, pautado numa teologia de prosperidade.

Na verdade, o que as pessoas anseiam é por novas sínteses integradoras e harmonizadoras, uma espiritualidade libertadora, elas não querem mais viver debaixo de velhas regras e modelos eclesiásticos onde o que impera é apenas um fundamentalismo hierárquico cego, egoísta e machista, onde a concepção de Deus é ainda aquela da Idade Média, de um Deus interesseiro e autoritário.

O que me dá esperanças é o fato de que nada pode conter o movimento natural inexorável dos ciclos do universo. Grandes mudanças estão à porta, um novo modelo de religião que reintegre Deus-Pai, Deus-Mãe e Deus-Filho, com certeza irá reaproximar a humanidade e promover a renovação da mentalidade do planeta através de um grande despertar da consciência, pois só assim é possível elevar o nível da massa crítica planetária.

Agora tem um detalhe, devemos estar preparados para essa grande mudança, pois aqueles fariseus modernos e empresários da fé, que estão tirando proveitos econômicos da religião, explorando as grandes massas carentes e desfavorecidas da sociedade, esses se levantarão contra os libertos e conscientes, acusando-os de seguidores de Satanás e de doutrinas perversas, porém, é preciso lembrar que na história da igreja, todos aqueles que estavam além do seu tempo, ou eram pessoas sensíveis e realmente espiritualizadas, esses acabavam sendo considerados hereges e por fim mortos de forma violenta.


Bibliografia:
- WEIBLINGER, Angela, A Grande Mãe e a Criança Divina – O milagre da vida no berço e na alma, Coleção A Magia dos Mitos, SP, 2003, Cultrix.
- CAMPBELL, Joseph, Todos os Nomes da Deusa, Ed. Rosa dos Tempos (Record), SP, 1997.
- MATTHEUS, Caitlin, Sophia: Goddess of Wisdom, Mandala, London, 1991

Legenda da foto: Eurínome, foi a princípio o protótipo da Deusa Mãe Criadora grega e a mais importante divindade dos pelasgos, o povo que ocupou a região da Grécia em tempos pré-históricos antes da invasão jônica e dórica.

3 comentários:

  1. ...traigo
    ecos
    de
    la
    tarde
    callada
    en
    la
    mano
    y
    una
    vela
    de
    mi
    corazón
    para
    invitarte
    y
    darte
    este
    alma
    que
    viene
    para
    compartir
    contigo
    tu
    bello
    blog
    con
    un
    ramillete
    de
    oro
    y
    claveles
    dentro...


    desde mis
    HORAS ROTAS
    Y AULA DE PAZ


    COMPARTIENDO ILUSION
    KADU SANTORO

    CON saludos de la luna al
    reflejarse en el mar de la
    poesía...




    ESPERO SEAN DE VUESTRO AGRADO EL POST POETIZADO DE THE ARTIST, TITANIC SIÉNTEME DE CRIADAS Y SEÑORAS, FLOR DE PASCUA ENEMIGOS PUBLICOS HÁLITO DESAYUNO CON DIAMANTES TIFÓN PULP FICTION, ESTALLIDO MAMMA MIA,JEAN EYRE , TOQUE DE CANELA, STAR WARS,

    José
    Ramón...

    ResponderExcluir
  2. Gracias amigo por la visita en mi humilde blog, siempre es bienvenido.

    Abrazo,

    Kadu Santoro

    ResponderExcluir
  3. Li o texto buscando informações sobre o Arquétipo "Mãe" e encontrei sábias considerações. Mesmo em 2016, 4 anos após publicação, o texto continua super atual e sensato! Parabéns pelo artigo!

    ResponderExcluir