quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O sentido e a dinâmica da oração segundo os padres do deserto.



Por Kadu Santoro


Não é de hoje que o ser humano vem se perguntado sobre como deve-se orar, e qual é a forma adequada para tal prática religiosa? Afinal de contas, em que consiste orar, especialmente aqui no ocidente? Qual é a diferença entre contemplação e oração?

Sabemos que ao longo da história cristã, principalmente entre o terceiro e quarto século da nossa era, quando as perseguições do império romano aos cristãos se intensificaram, muitos desses, se retiraram para o deserto, levando consigo apenas preciosos escritos da tradição primitiva e passaram a levar uma vida monástica, buscando através deste modus vivendi atingir maior conhecimento sobre as escrituras sagradas e uma união mística com Deus.

Esses homens são chamados segundo a tradição cristã de pais do deserto, que tornaram-se monges. Foi nessa árida paisagem que eles conseguiram desenvolver muitos pensamentos e reflexões em torno das tradições antigas, entre eles, exercícios espirituais, métodos e disciplinas monásticas, regras de convivência em comunidade, ascese espiritual, etc.

Segundo os pais do deserto, a contemplação consiste na verdadeira e pura forma de oração, aquela oração que se encontra acima dos pensamentos e sentimentos, que define-se como a união mística com Deus. Para Evágrio Pôntico [1], a oração contemplativa consiste no mais belo presente dado por Deus, pois assim, o homem pode alcançar a união mística com o seu Criador.

A forma como as pessoas hoje em dia oram, não tem nada a ver com a essência desta prática, pois o que fazem na verdade, é apenas ficar dialogando com o sobrenatural, cobrando, lamentando e lembrando a Deus todo o que ele deve fazer, em outras palavras, esse tipo de oração que aprendemos de forma distorcida na maioria das igrejas, não passa de uma forma de neurose obsessiva de ficar pedindo e suplicando a todo momento, onde de um lado está Deus, como um realizador de desejos, pronto para atender os pedidos e solicitações da humanidade num passe de mágica, e do outro, milhões de pessoas dizendo para ele o que precisam, buscam e sonham conseguir. É uma relação de troca apenas, fruto da antiga teologia da retribuição do Antigo Testamento, onde o homem obedece a Deus e assim é recompensado.

Para os pais do deserto, a dinâmica da oração é totalmente oposta ao modelo que é praticado hoje em dia pelos “cristãos”. É um tratamento íntimo com Deus, onde nada pode desviar a mente do homem nesse momento, sua mente deve estar pura, vazia, pronta para a realização da união mística com Deus. Através da oração, o homem deve-se libertar inicialmente de suas paixões e, sobretudo, da ira, das ansiedades e preocupações, lembrando daquela passagem bíblica: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei.” (Mt.11.28). Também é necessário desligar-se dos pensamentos piedosos. Não deve-se apenas pensar em Deus, mas unir-se a Ele. Evágrio diz: “Quando uma pessoa já se tiver libertado das paixões perturbadoras, isto ainda não significa que ela também já esteja em condição de rezar verdadeiramente. Pois é possível que ela apenas conheça os pensamentos mais puros, porém deixa-se seduzir a pensar sobre eles, e com isso está muito distante de Deus” (Evágrio, SobreOra 55).

Segundo os pais do deserto, é através da contemplação que se alcança o estado de paz profunda, onde descobrimos dentro de nós um espaço de total silêncio, é nesse momento que Deus habita em nós e fala aos nossos corações aquilo que precisamos ouvir e não o que queremos ouvir. Evágrio chama esse espaço de silêncio de “lugar de Deus” ou “visão de paz”. Em uma carta enviada a um amigo, Evágrio escreve: “Se o intelecto, por meio da graça de Deus, foge destas coisas (isto é, das paixões) e se desprende do seu homem velho, então sua própria situação durante o tempo da oração lhe parece como uma safira ou da cor do céu. É o que a Escritura chama de lugar de Deus e que os antigos viram no monte Sinai. A Escritura também chama este lugar de visão de paz, onde a pessoa contempla em si mesma aquela paz que é mais sublime que toda a compreensão e que guarda e protege nosso coração. Pois num coração puro é forjado um outro céu, cuja visão é luz e cujo lugar é espiritual, e em que, de uma maneira maravilhosa, pode ser avistado o conhecimento dos entes – isto é, das coisas. Pois também os santos anjos se reúnem perto daqueles que lhes são dignos” (Evágrio, CartDes 39).

Podemos então definir, segundo os ensinamentos preciosos dos pais do deserto, que é através da oração que o homem se torna capaz de ver sua própria luz interior. E é através desta luz que ele descobre a sua própria natureza, essa que é parte integrante do Uno. Este lugar de encontro com Deus, é o lugar onde nossa alma encontra a verdadeira paz interior (Fp.4.7), e onde também alcançamos discernimento suficiente para sermos restaurados e todas as nossas feridas passam a ser sicatrizadas. Quem atinge esse estágio durante o período de suas orações, pode-se dizer que sabe realmente orar em comunhão profunda com Deus, todos os pensamentos em relação ao mundo e as pessoas que nos feriram desaparecem, as paixões já não controlam mais o nosso ser, não possuímos mais barreiras, preconceitos e indiferenças. Essa é a verdadeira meta de buscarmos viver na senda espiritual. Mestre Eckhart, um grande místico cristão da idade média, resume numa simples frase a essência mais profunda da oração: “Se por toda sua vida, sua oração foi apenas, obrigado, isso já bastaria”.


[1] Evágrio do Ponto (ou Evágrio Pôntico, em grego Euagrios Pontikos; c. 346 no Ponto - 399/400 no Egito) foi um escritor, asceta e monge cristão. Evágrio dirigiu-se ao Egito, a «Pátria dos Monges», a fim de ver a experiência desses homens no deserto, e acabou por se juntar a uma comunidade monástica do Baixo Egito. Seguidor das doutrinas de Orígenes foi por diversas vezes condenado – de fato, Evágrio teve importante papel na difusão do Origenismo entre os monges do deserto egípcio, tendo-se tornado líder de uma corrente monástica origenista.


Bibliografia:
GRÜN, Anselm; O céu começa em você: A sabedoria dos padres do deserto para hoje; 18º edição; tradução de Renato Kirchner; Petrópolis – RJ; Vozes; 2010.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

O despertar de uma nova consciência ecológica planetária a partir dos textos sagrados.



Por Kadu Santoro


Desde a revolução industrial até a nossa geração High Tech, o mundo veio sofrendo intensas transformações em relação ao meio ambiente e o ecossitema. O surgimento das tecnologias que por um lado visava o progresso e a melhoria da qualidade de vida dos seres humanos, por outro, acabou trazendo a fome e a pobreza devido a ganância e o egosísmo do sistema econômico capitalista, além de trazer graves consequências para o meio ambiente, como mudanças climáticas seguidas de catástrofes ecológicas, poluição e degradação dos recursos naturais da biosfera.

O contexto religioso também aderiu ao partidarismo institucionalizado, principalmente tratando-se das três religiões monoteístas do mundo: Islamismo, Cristianismo e Judaísmo, onde deixaram de lado as preciosidades e sabedoria dos seus textos sagrados em troca de discursos fundamentalistas que apenas fomentaram guerras e dissensões entre as culturas e etnias do planeta, fazendo com que a natureza também fosse violentamente devastada.

Enquanto muitos religiosos perdem boa parte do tempo com questões dogmáticas e teologias complexas relacionadas à salvação, pecado, graça e prosperidade, deveriam estar aproveitando esse importante tempo para poderem refletir sobre questões relacionadas com a natureza e o meio ambiente em que vivemos, pois essas são questões essenciais para que todas as outras coisas possam ser realizadas e finalmente contemplarmos o Reino de Deus em perfeita harmonia.

As escrituras sagradas das religiões tradicionais foram escritas há milênios, em tempos que ainda não havia essa degradação em massa da natureza, mesmo assim, os despertos de consciência da época (profetas, xamãs, gurus, etc.) já alertavam a respeito dos maus tratos da terra e dos recursos naturais. Todas as religiões em sua essência frisam a importância do respeito pela natureza e o planeta. São essas questões entre outras que deveriam ser discutidas em conjunto pelas diversas religiões do mundo, fazendo com que isso gerasse mais união, respeito e harmonia entre elas, pois todas são totalidades complexas de resposta ao divino (J. Hick, God, pp.53-54).

Os textos sagrados, sem distinção religiosa, são excelentes fontes de sabedoria e esclarecimento a respeito do mundo natural que vivemos, e todos eles falam de um Reino imanente e transcendente prometido onde o homem deverá estar em comunhão com a natureza. Esses textos ajudam-nos a despertar nossa consciência para entendermos o quanto é importante a interação saudável com os diferentes níveis do mundo natural, desde os minúsculos seres até a vasta imensidão oceânica e atmosférica. Se a natureza é agredida, todos nós acabamos sofrendo as consequências. É por esse motivo que as religiões afirmam em suas tradições que a natureza deve ser preservada e que devemos interagir com ela de modo consciente e responsável pelo planeta.

A preservação ecológica não é um dever de uma determinada cultura ou religião, mas uma questão que engloba toda a sociedade planetária. Quando as pessoas entenderem que somos uma unidade, passarão a viver em harmonia com o mundo natural. Este deve ser o fundamento maior, de que o nosso eu interior compreenda que estamos ligados ao Ser Supremo Universal, e que Este une todas os seres humanos e todas as coisas existentes sobre a terra.

Confira abaixo a síntese universal dessa mensagem, expressa pelas diferentes culturas religiosas do nosso planeta em seus escritos sagrados:

“Não poluas a água, Não lances teu lixo nos rios e lagos. Assim proteges a vida dos seres que ali permanecem.” Budismo

“Pois a terra que absorve a chuva que cai sobre ela e faz brotar a erva... recebea bençãode Deus.” Cristianismo

“Qualquer muçulmano que tenha plantado uma árvore ou semeado um campo beneficia os homens, os pássaros e outros animais. Mas ele terá feito caridade para si mesmo.” Islamismo

“É preciso sempre cuidar das árvores e das florestas, pois elas causam inúmeros efeitos benéficos para a humanidade.” Hinduísmo

“Se não interferirem nos campos, os grãos excederão o que poderá ser comido. Se for proibido o uso de redes em lagos, os peixes serão mais numerosos do que o que se poderá consumir. Se os machados entrarem nas florestas apenas nas ocasiões certas, a madeira será mais abundante do que a que se poderá usar.” Confucionismo

“Pega apenas aquilo de que precisas e deixa a terra como a encontraste antes.” Arapaho, comunidade indígena da América do Norte


Reflita você também!


Bibliografia:

MOSES, Jeffrey, Unidade: Os princípios comuns a todas as religiões, Tradução de Henrique Monteiro, RJ, Sextante, 2009.

QUEIRUGA, Andrés Torres, O diálogo das religiões, Tradução de Paulo Bazaglia, SP, Paulus, 1997.