segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O professor e a nobre arte de ensinar valores


Por Kadu Santoro

São inúmeras as teorias pedagógicas e didáticas, todas elas são voltadas para uma dinâmica mais eficaz dentro das salas de aula, porém, a maioria destas discussões giram em torno de um melhor “rendimento” e “aproveitamento” dos alunos, visando uma sólida formação cultural e profissional para o futuro de uma forma bem pragmática.

Analisando mais de perto todo esse escopo de teorias pedagógicas, acabamos percebendo que ainda existe um espaço a ser mais explorado, que é a questão dos valores, sejam eles pessoais ou coletivos. Sabemos que a escola é uma extensão do lar, é lá que a criança passa a metade do dia, muitas vezes até o dia inteiro. Ali é um local de troca de conhecimento, experiências e valores, tanto na relação aluno/professor quanto aluno/aluno. É nessa hora que o professor entra em cena como um agregador e transmissor de valores, porém, os métodos utilizados hoje em dia ainda possuem um caráter muito cartesiano e aristotélico, visando mais a experiência em si e seus resultados pré-determinados.

Devido a estas metodologias ultrapassadas, a falta de interesse em conhecer a si mesmo e a buscar uma espiritualidade, é que encontramos no mercado de trabalho profissionais com currículos quilométricos, com cursos em toda parte do mundo, mas que na verdade são robôs ou apenas seguidores de ordens ocupando uma vaga num departamento de uma multinacional, que aliás, são as maiores fábricas de robôs humanos sobre a face da terra, formando seres formatados, todos com o mesmo corte de cabelo com gel no topete, camisas sociais de manga comprida e aquele crachazinho medíocre com o “nome de guerra” que é colocado no bolso da camisa na hora do almoço. Esse é infelizmente, o verdadeiro perfil do profissional empresarial de hoje em dia. Aquele profissional que tem como metas de vida, trocar o seu carro nacional em breve por um importado, adquirir o celular de última geração, programar seu chopp de sexta-feira, a malhação de sábado pela manhã para ficar “saradão”, a boite de sábado a noite e finalmente assistir o clássico do seu time no estádio aos domingos.

Até agora só fiz uma breve e lastimável apresentação da nossa realidade educacional. Não estou generalizando, mas infelizmente é esse o perfil que predomina hoje em dia, basta perceber que o número de academias com corpos sarados e bares crescem vertiginosamente, ao contrário das livrarias, teatros e centros culturais que são frequentados por uma pequena e raquítica resistência pró-cultura, que são considerados por esses robôs como geração subversiva e idealista, que ameaçam seu status quo capitalista.

Diante desta grande crise de paradigmas atuais na área da educação e cultura, podemos apresentar aqui algumas diretrizes para uma melhora deste quadro atual, começando por uma nova visão, uma visão holística e humanística da situação.

O primeiro passo é reconhecer que professor e aluno são formadores de opinião, independente da diferença de idade, pois tanto um quanto o outro, ontologicamente fazem parte e ocupam um lugar nesse mundo, logo são agentes presentes no tempo.

Saber respeitar a individualidade de cada um, levando em conta a sua singularidade interior, pois cada um enxerga o mundo de um jeito, e concebe seus ideais da sua maneira.

Procurar entender que todos nós possuímos dramas de existência e limitações, não querer impor metas e obrigações além do que o aluno possa suportar, pois o êxito é atingido através do seu próprio esforço e condições dentro dos seus próprios limites.

Cada aluno deve ser avaliado individualmente, de acordo com sua performance natural, e coletivamente através do seu nível de integração com os demais colegas.

A relação entre professor e aluno deve ser entendida como de duas pessoas que apesar das diferenças de idade, se interagem entre perguntas e questionamentos, não naquele modelo tradicional de pergunta e resposta, mas de uma análise e reflexão em torno do assunto abordado, incentivando o método da maiêutica socrática, ou seja, despertar o processo de gerar idéias e questionar através de novas perguntas, pois o bom aluno não é aquele que tira boas notas, e sim, aquele que exercita o pensar e faz perguntas inteligentes.

Fazer com que o aluno sinta-se a vontade e com liberdade para compartilhar seus problemas, tristezas e dificuldades perante os colegas e o professor, para que eles também possam refletir, discutir e ajudá-lo através de um espírito de união e fraternidade, já que a sociedade só nos ensina a competir e concorrer.

Trabalhar temas relacionados ao meio ambiente, sociedade, ecologia e sustentabilidade, visando despertar no aluno uma consciência global, despertando atitudes solidárias e humanísticas, baseadas em respeito e atitudes.

Trabalhar com a realidade das diferenças, pois é muito importante saber que ninguém é igual a ninguém, cada um se sente bem da sua forma e vive de acordo com o que pode e possui, dentro das suas condições reais evitando com isso que haja discriminações sociais e raciais.

Procurar constantemente mostrar as diferenças contrastantes entre “ter” e “ser” através de situações do cotidiano, fazendo com que desperte nos alunos a atenção para os valores morais e éticos.

Evitar a repetição de conteúdos visando que o aluno decore, deve-se tomar consciência de que o conhecimento não deve ser resultado apenas da transmissão-assimilação de conhecimentos, mas consequência de uma parceria construtivista em prol de novos conhecimentos.

Procurar trabalhar em sala de aula temas relacionados a espiritualidade, visando sempre apresentar pontos em comum entre as religiões de forma respeitosa e positiva, para que possa despertar o diálogo e o respeito. É necessário mostrar que a unidade divina superior está acima de todas as religiões, que cada uma delas expressa esse sentimento e devoção de acordo com o seu contexto sócio-cultural-antropológico.

Segundo o novo paradigma e o ensino religioso, fica definido pelo governo, que o novo ensinamento religioso da rede pública não pode ser mais confessional e integra o quadro de matérias do Ensino Fundamental. A Lei nº. 9.475/97, que altera o art. 33 da Lei nº. 9.394 (L.D.B), declara, entre outras coisas, que o Ensino Religioso: (a) é parte integrante da formação básica do cidadão... (b) assegura o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil... (c) vedadas quaisquer forma de proselitismo. Ora, fica claro que essas novas afirmações da Lei supõem uma nova maneira de lecionar o Ensino Religioso. A leitura não será mais feita a partir do referencial de uma denominação religiosa exclusiva, mas a partir de uma visão antropológica. Diante desse novo paradigma, cabe ao professor posicionar-se de forma neutra, vendo seus alunos com iguais direitos e deveres, e ao mesmo tempo, diferentes em suas potencialidades e realizações.

Em suma, nenhum conhecimento, seja ele popular, filosófico, religioso ou científico, possui a verdade absoluta, pois ela se nos apresenta sempre de modo incompleto e fragmentário. Diante da verdade, o ser humano sofre de profunda insegurança. Não existe pessoa, nenhuma instituição que possa ser possuidora e proprietária absoluta da verdade, como Friedrich Nietzsche dizia: “As convicções são inimigas mais perigosas da verdade do que as mentiras”. O mais sábio entre os pedagogos foi o filósofo Sócrates, que num gesto de humildade, acabou mostrando-se um verdadeiro mestre no ensino quando disse: “Só sei que nada sei”.

Deixo abaixo para meus leitores uma das cartas mais lindas que tive a oportunidade de ler, que resume todas as questões em torno da nobre missão de ser professor neste mundo:

Carta de Abraham Lincoln ao professor do seu filho

"Caro professor, ele terá de aprender que nem todos os homens são justos, nem todos são verdadeiros, mas por favor diga-lhe que, para cada vilão há um herói, que para cada egoísta, há também um líder dedicado, ensine-lhe por favor que para cada inimigo haverá também um amigo, ensine-lhe que mais vale uma moeda ganha que uma moeda encontrada, ensine-o a perder, mas também a saber gozar da vitória, afaste-o da inveja e dê-lhe a conhecer a alegria profunda do sorriso silencioso, faça-o maravilhar-se com os livros, mas deixe-o também perder-se com os pássaros no céu, as flores no campo, os montes e os vales. Nas brincadeiras com os amigos, explique-lhe que a derrota honrosa vale mais que a vitória vergonhosa, ensine-o a acreditar em si, mesmo se sozinho contra todos. Ensine-o a ser gentil com os gentis e duro com os duros, ensine-o a nunca entrar no comboio simplesmente porque os outros também entraram. Ensine-o a ouvir todos, mas, na hora da verdade, a decidir sozinho, ensine-o a rir quando estiver triste e explique-lhe que por vezes os homens choram. Ensine-o a ignorar as multidões que reclamam sangue e a lutar só contra todos, se ele achar que tem razão. Trate-o bem, mas não o mime, pois só o teste do fogo faz o verdadeiro aço, deixe-o ter a coragem de ser impaciente e a paciência de ser corajoso. Transmita-lhe uma fé sublime no Criador e fé também em si, pois só assim poderá ter fé nos homens. Eu sei que estou pedindo muito, mas veja o que pode fazer, caro professor.”

Abraham Lincoln, 1830




Fonte:

Ensino religioso: educação centrada na vida: subsídio para a formação de professores - Valmor da Silva, (org.) - São Paulo - Paulus - 2004 - (Pedagogia e educação);

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Reino de Deus, proposta de plenitude e harmonia


Por Kadu Santoro


Segundo os evangelhos, Jesus não estabeleceu uma instituição física chamada Igreja, ele proclamou o Reino de Deus, um novo paradigma de vida embasado nos ideais de liberdade, fraternidade, justiça e harmonia. Esse novo modelo tem sua origem no amor incondicional de Deus (Jo.3.16) manifestado na vida e nas atividades do ministério terreno de Jesus por meio de milagres que oferecem saúde, libertação do pecado, das leis e rituais opressivos, das discriminações sociais e da própria morte, fazendo com que a partir da experiência desse amor, os que se voltam para ele, são transformados e permanecem abertos à sua dádiva de vida nova.

O Reino de Deus anunciado por Jesus, remete à visão simbólica dos profetas, que anteviram não apenas um reino terreno, uma terra prometida, fértil, onde jorram leite e mel, mas principalmente um estado de paz, harmonia e plenitude, como relatado pelo profeta Isaías: “O lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará. A vaca e a ursa pastarão juntas, e as suas crias juntas se deitarão; o leão comerá palha como o boi. A criança de peito brincará sobre a toca da áspide, e já desmamando meterá a mão na cova do basilisco.” (Is.11.6-8). O sentido mais profundo dessa harmonia e plenitude encontra-se na relação entre as diferenças de cada indivíduo. Será um tempo onde as diferenças de personalidades, hábitos e princípios não serão motivos de divergências e desunião, pois a unidade será na essência e não na forma. Não haverá mais escândalos, pois aquele que atinge maturidade espiritual e tem consciência de sua liberdade e a do seu próximo, sabe viver de maneira misericordiosa, tem em seu coração amor e compaixão, enxerga e tem discernimento para buscar estabelecer a paz e não julgar e sentenciar o próximo. Esse reino começa em nosso interior, onde é preciso olharmos para dentro de nós e refletirmos sobre tudo e todas as coisas, conhecer a nós mesmos, buscar a centelha divina dentro de nós e avivá-la.

No livro do Apocalipse também encontramos uma referência sobre essa nova harmonia cósmica no mundo: “Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram.” (Ap.21.3,4).

A proposta de Jesus sobre o Reino de Deus transcende toda a religiosidade, as práticas e as obras já não serão exercidas segundo a racionalidade dogmática institucionalizada, e sim, de forma espontânea, gratuita, totalmente desprovida de qualquer intenção de retorno ou aplausos, como era no tempo da Lei, muito menos debaixo de autoridades eclesiásticas, pois como o próprio Jesus disse: “Disse-lhe Jesus: Filipe, há tanto tempo estou convosco, e não me tens conhecido? Quem me vê a mim vê o Pai; como dizes tu: Mostra-nos o Pai? Não crês que eu estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, faz as suas obras.” (Jo.14.9,10). Esta é a revelação maior e mais profunda de toda a jornada espiritual mencionada nos evangelhos, é o ponto mais alto de todo o processo de iniciação cristã, o estágio em que todo ser humano que busca à Deus em verdade (conhecimento) e espírito (graça) (IIPe.3.18) passa a viver de forma una com o Espírito de Deus. Isso é para todos, assim como tudo que Jesus realizou aqui, faz parte do processo de caminhada e acesse cristã, até atingirmos a estatura madura de varão perfeito (Ef.4.13), não mais pelas obras, vigilâncias morais e religiosas, e sim pela tomada de consciência da sua relação com o cosmos e a natureza divina, vivendo a verdadeira liberdade espiritual, transbordando luz e paz por onde passar, apontando sempre para o caminho do alto, de onde nós viemos e um dia retornaremos.

A proposta de Jesus é: “Buscai, antes de tudo, o seu reino, e estas coisas vos serão acrescentadas.” (Lc.12.31). Mergulhe em sua vereda interior, busque a voz de Deus no teu silêncio, medite a respeito das características do cidadão do Reino de Deus, pois assim você alcançará a harmonia necessária para viver em plenitude.