sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Do colapso financeiro ao colapso religioso global



Por Kadu Santoro


Um certo dia, ouvi uma frase que me chamou muito a atenção: O dia que acabar a fome e a miséria, também acabará a política e a religião. Fiquei com essa “quase profecia” em minha cabeça por vários dias. Depois de muito tempo, comecei a ruminar esse pensamento e a dialogar com ele dentro dos nossos dias. Como de costume, gosto de sair aos sábados pela manhã passeando pelo bairro, vou até a feira livre, converso com muitas pessoas, circulo as praças próximas de casa observando a movimentação da rua. De repente, um menino de uns nove anos, franzino no fim da feira me chamou a atenção, sentado com um caixa de papelão no colo no meio fio. Eu reparei nele um olhar perdido e desconfiado, então resolvi me aproximar e lhe perguntei qual era o seu nome, e ele respondeu que era Nicodemos. Oferecendo-lhe uma maçã, fiz outra pergunta: Você está vendendo alguma coisa aqui? Então ele me respondeu sorrateiramente: Ainda não tem nada moço! Interroguei-o: Como assim? Então ele me contou a situação, falou que ficava ali até o término da feira, na hora conhecida popularmente como a “hora da xepa”, onde os avarentos, os mais pobres e necessitados vem fazer suas compras, levando mercadorias inferiores, estragadas e remexidas por um preço bem mais baixo. Ele falou que esperava até o final da xepa para poder pegar os restos que eram rejeitados e jogados fora, como verduras, legumes e frutas. Depois de disputar o resto dos alimentos com os cachorros, colocava tudo em sua pequena caixa de papelão.

Aquele menino de corpinho franzino levava todo sábado aquela caixa de papelão com os restos da feira para sua casa. Depois desse trajeto todo que ele me contou, eu perguntei para ele, onde estavam seus pais e seus irmãos. E ele me respondeu que tem três irmãos, um está na cadeia por ter roubado latas de leite no supermercado, outro trabalha como entregador na farmácia, ganha um salário mínimo e usa para complementar seus estudos, e o último, encontra-se desempregado. Quanto aos pais, me disse que seu pai foi encostado pelo INSS por acidente de trabalho, pois trabalhava pesado com obras. Quando ele começou a falar de sua mãe, percebi que seus olhos brilhavam cheios de esperança. Disse que sua mãe todos os dias pela manhã tinha um compromisso muito importante, ia para a igreja da sua comunidade, “trabalhar na obra de Deus”. Então perguntei para ele: Enquanto você fica aqui a manhã inteira esperando as sobras de comidas para levar para sua casa, sua mãe fica na igreja trabalhando na obra de Deus? Pois é, o pastor falou pra ela que a obra de Deus deve estar em primeiro lugar, além disso, devemos dizimar com as primícias, não com os restos, e devemos possuir uma fé enorme para que possamos conseguir grandes milagres, como por exemplo, o carro luxuoso e a mansão que Deus lhe deu pela sua grande fé.

Depois desse diálogo com o menino, parei e comecei a analisar a situação. O pastor falou que a obra de Deus está em primeiro lugar, logo, o menino não precisa ir para a escola, dane-se tudo, a casa a família, etc. Se sua mãe está fazendo a obra de Deus, o menino pode muito bem ficar na feira e na porta dos mercados pegando restos de comida, e qual será o futuro desse menino? Em segundo lugar, se devemos dar o que temos de melhor como dízimo, então, os restos da xepa que o menino apanha pelas manhãs para alimentar sua família é maldito porque é resto? E pra encerrar o sermão medíocre e comum nos dias atuais, a fé desse povo é pequena. Segundo o pastor, deveria ser enorme para conseguir bençãos enormes. Então, Jesus mentiu para todos, porque ele dizia que se tivéssemos a fé do tamanho de um grão de mostarda, grandes coisas faríamos, além do mais, nunca vimos Jesus andando de carro luxuoso e nem morando em uma mansão estilo Mediterranné nas margens do mar da Galiléia.

Cheguei a conclusão que pelos mesmos motivos que o mundo está passando por um grande colapso financeiro, a religião também se encontra na mesma situação. Se você quer saber quais são esses motivos, leia o texto bíblico abaixo e veja se existem algumas semelhanças com os nossos dias.

“Ouvi a palavra do Senhor, vós filhos de Israel, porque o Senhor tem uma contenda com os habitantes da terra, porque nela não há verdade, nem amor, nem conhecimento de Deus. O que só prevalece é perjurar, mentir, matar, furtar e adulterar, e há arrombamentos e homicídios sobre homicídios.” Oséias 4.1-2

Parece até uma ironia, mas o nome do menino é Nicodemos, que vem do grego Νικόδημος, que significa: NIKE: Vencedor + DEMOS: Povo = POVO VENCEDOR. Realmente, quantos Nicodemos encontramos desamparados e rejeitados pelas ruas todos os dias? Já pensou nisso? São verdadeiros vencedores, pois aguentam toda essa pressão do sistema capitalista e pseudo-religioso.

2 comentários:

  1. Olá Kadu!

    Assino todas as vias! Uma chamada muito pertinente para nossos dias.

    Abraços fraternos.

    Comuna.

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  2. Kadu, sua reflexão tem tudo a ver. Veja esta frase de Arthur Schopenhauer: "As religiões, assim como as luzes, necessitam de escuridão para brilhar."
    Valeu pelo texto. Vim a conhecer seu espaço hoje e parei por aqui. Fiquei feliz.
    Grande abraço!

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