terça-feira, 30 de março de 2010

É melhor saber viver com pouco e ser feliz


“Melhor é o que se estima em pouco e tem servos do que o que se honra a si mesmo e tem falta de pão” Pv. 12.9


Vivemos em um mundo extremamente materialista, onde as pessoas são cada vez mais seduzidas pelo consumismo selvagem, são valorizadas ou desvalorizadas a partir daquilo que possuem. Vivemos a geração do “Ter” e não do “Ser”. A ganância aumenta a cada dia, as pessoas pagam qualquer preço para alcançar status e prosperidade, porém, ocorre que acumular riquezas não é tão fácil assim, logo surge um problema, que é o fato de que muitas pessoas não se contentam em viver com o que têm, e passam a gastar mais do que na realidade podem, e a ostentar aquilo que na realidade não são.

Essa necessidade de ostentar riquezas e status, é consequência da cobrança da sociedade, que julga as pessoas pela imagem. Mas a maneira com que as pessoas valorizam as aparências, acaba levando muitos a cometerem erros, e porque não dizer gastos que estão além de suas possibilidades.

O resultado de tudo isso, são dívidas, frustrações e dificuldades, que na realidade, não precisavam existir. Esta situação acaba levando as pessoas, às vezes, a não terem nem o que comer, e a viverem um drama existencial, que vai virando uma verdadeira bola de neve.

O homem sábio e prudente, não se deixa iludir por esses pensamentos, e vence uma grande barreira, se livrando de uma série de problemas. Ele vive a sua realidade, ao invés de viver uma fantasia, assim, ele vive contente com o que possui e realiza o que está ao seu alcance, vive uma vida dentro de padrões verdadeiros, padrões este, que não lhe permitem gastar o fruto de seu trabalho com coisas supérfluas que não edificam em nada em sua vida, mas que é o suficiente para suprir suas necessidades e de sua família.

Dificilmente este homem fica angustiado, pois o seu senso de realidade o mantém lúcido com os pés no chão. As armadilhas da ganância humana e da ilusão das riquezas não conseguem seduzí-lo, pois sabe que não passam de meras ilusões. O homem sensato e sábio, procura buscar a cada dia valores mais elevados, pois as coisas terrenas são passageiras e deixam marcas profundas naquele que não tem sabedoria e prudência. A verdadeira riqueza para o sábio, não está na acumulação, e sim na partilha.

Pense nisso,

Kadu Santoro

quinta-feira, 25 de março de 2010

Porque tanto sofrimento?


Procurei escrever esse breve artigo, devido a dor e o sofrimento que tenho passado, em quase todas as áreas de minha vida durante bastante tempo, espero que outras pessoas, que também sentem-se sofridas, possam encontrar nesse artigo, não as respostas que procuram para os seus problemas, mas pelo menos, saber que não estão sós, e assim, possam ter forças para seguirem em diante, mesmo sem saber direito aonde estamos, porque estamos e para onde vamos. Qual a razão de tanto sofrimento?

A natureza do sofrimento vem sendo estudada praticamente desde o início do processo civilizatório da humanidade, o porque dessa mazela, é a grande questão. Filósofos e teólogos buscam inúmeras definições e posições a respeito deste conceito, e mesmo assim, quanto mais se reflete sobre o tema, mais complexo e embaraçoso fica a questão.

Porque e para que precisamos sofrer? Será que existe realmente alguma justificativa para tal fato? Qual é a posição de “Deus” neste contexto? Porque o sofrimento não é igual para todos? Essas são algumas das perguntas mais frequentes, e inúmeras são as definições, porém, parece-nos que nenhuma delas tem o poder de nos trazer solução, alívio e paz, não levando em conta os conceitos sistematizados pelas religiões, pois tratam do assunto de forma metafísica ou dentro de molduras morais e tendenciosas levando o ser humano a convicções alienatórias e especulativas.

Fomos criados escutando aquela velha frase “cada um colhe aquilo que planta”, pois bem, mas na prática, encontramos muitas pessoas que plantaram virtudes e acabaram colhendo espinhos, isso é um contra senso terrível, pois tudo que acreditamos ser bom, de repente pareçe o contrário, e a quem recorrer nesta hora, o que fazer? Devemos continuar acreditando naquela historinha de que esse sofrimento é para o nosso crescimento e que Deus tem algo maior para nós?

A realidade social em que vivemos no mundo, já é injusta e desigual por natureza, vivemos tempos de repressão e incompreensão, tudo isso fomentado por um grande processo alienatório, onde as pessoas, parecem estarem anestesiadas diante de tantos problemas e sofrimentos que já não conseguem discernir quais os parâmetros ideais de conduta e vida, é desemprego, demissões em massa, separações conjulgais, doenças e enfermidades, violência urbana e doméstica, injúrias, conspirações e traições.

Já estamos cansados de escutar, que o próprio homem, busca seu sofrimento e gera ao seu próximo, porém, não estou preocupado com esse que buscou pelo seu próprio sofrimento, e sim com aqueles milhares, que sempre procuraram fazer o bem e acabaram se dando mau, como por exemplo, a Dona Zilda Arns, uma pessoa fabulosa, magnânima, estava no Haiti, cuidando de vidas e solidária aos pobres, e de repente é massacrada pelo terremoto. Aonde estava Deus naquela hora? Qual critério foi utilizado para que ela morresse fazendo o bem daquela forma? É difícil responder, mas é fácil perceber, o quanto o mal e o insensato prosperam e se renovam a cada dia, isso que é pior, e porque aqueles como Dona Zilda Arns entre outras pessoas, não são preservados diante de tal cataclisma, aonde fica a onisciência de Deus nessa hora, e sua onipotência e onipresença? Estou cansado do discurso religioso e hipócrita, que sempre vem com palavras consoladoras depois do incidente, e que são insuficientes para aliviar o sofrimento humano.

Prefiro na maioria das vezes, não pensar mais sobre esse assunto, mas como podemos deixar de pensar nisso, se vivemos constantemente sofrendo. O prazer e a qualidade de vida, é ouro nas mãos de uma pequeníssima parcela da humanidade, a maioria da população vive muito abaixo da média do que chamamos de qualidade de vida, como podemos ser felizes, sabendo que o que ganhamos, não representa as vezes, nem a metade do que necessitamos para sobreviver, isso sem falar em termos laser, diversão, ou qualquer outro bálsamo para nossa dor cotidiana. A cachaça e a religião são o ópio do povo, nada mais resta a essa massa sofrida, que acorda no meio da madrugada, passa horas num meio de transporte desconfortável, para chegar ao seu trabalho, todo amassado, e repetir esse itinerário novamente no retorno a sua casa, e mesmo assim, chegar e ver brigas no lar e ter que resolver problemas de diversas naturezas. Mesmo se tirarmos todos esses problemas, ainda assim, se pudéssemos chegar o mais próximo da felicidade, isso não seria o suficiente, pois logo mais a diante, a morte é inevitável. Pronto, piorou de vez a situação, pois além de sofrermos, ainda vamos perecer e morrer, nenhuma esperança concreta nos resta, cadê o “céu”, lugar de paz e descanso, onde estás sua manifestação? Tudo não passa de especulações mentais e sistemáticas apenas, uma forma de tentar aliviar a nossa dor através de uma alienação mental e emocional.

A realidade é esta, “a vida é dor e o viver é sofrer”, nada além disso, simplesmente alguns breves momentos de alegrias passageiras. Nada dura para sempre, porém, o sofrimento é constante e inseparável do homem enquanto há vida. A felicidade, é uma turista, que aparece de vez em quando em nossas vidas, e muitas vezes, tem pessoas, que nem a conhecem.

Bem, acho que já desabafei bastante, desejo a todos, muita esperança, paz, saúde e alegrias, mesmo sabendo que essas são jóias raras e difíceis de adquirir.


Abraços!


Kadu Santoro

sexta-feira, 19 de março de 2010

O orgulho e a vaidade humana


“O homem, em seu orgulho, criou a Deus a sua imagem e semelhança.” - Friedrich Nietzsche


Essa frase cabe perfeitamente para os teólogos sistemáticos, homens de fortes convicções religiosas e para todo o ser orgulhoso em si mesmo, pois suas certezas em relação a Deus, são todas encarceradas em suas vaidades e hipocrisias. O orgulho do homem, transcende a ponto de querer definir Deus, a partir da sua miserável limitação e condição insuportável de criatura, achando isso uma grandiosa virtude.

Vivemos numa época de forte pragmatismo, tudo tem que possuir uma utilidade e ter uma finalidade, assim, também os homens procuram fazer com Deus, atribuindo-lhe qualidades, funcionalidades sistematizadas e enraizadas através de conceitos medíocres. A própria religião, é agente da manipulação em massa de Deus, coloca-lhe em molduras teológicas e dogmáticas, atribuem a ele poderes sobrenaturais e descrevem analíticamente seus atributos divinos, formando assim uma cristalização coletiva e alienatória da imagem de Deus.

Esse Deus, que é a imagem e semelhança do orgulhoso, vive em função do próprio homem, logo, é preciso que Deus seja adorado toda hora, seja clamado e ouvido a todo momento, deve estar presente em todas as atividades religiosas, aí dele, que não se faça presente em algum ritual de cura, libertação ou qualquer outra mandinga golpel, essa é a dura realidade de um Deus que é a imagem e semelhança do homem.

O orgulho do homem, faz com que ele, projete em Deus, tudo aquilo que ele não consegue atingir e realizar aqui na vida, para que possa ter alguém que ele possa falar em seu nome, e através das potencialidades atribuidas a Deus, ele possa recorrer e concretizar seus ideais egoístas. Vaidade gerando vaidade, tudo isso através de convicções malditas a respeito de Deus.


Kadu Santoro

quarta-feira, 17 de março de 2010

O academicismo puro desgasta o ser e a imaginação


“Penso 99 vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio: e eis que a verdade se me revela.” Albert Einstein

“A imaginação é mais importante que o conhecimento.” Albert Einstein


Desde o período da escolástica na idade média e da formação das universidades, moldadas nas bases aristotélicas, que o pensamento imaginativo e intuitivo, foi substituído pelo pensamento estrutural, ou seja puramente racionalista e empírico, isso que também a posteriori chamamos de positivismo, mudou completamente a forma de pensar do ocidente.

A rigidez e a ortodoxia acadêmica, acabou de vez enterrando a subjetividade construtiva, aquela, pela qual, o homem ao observar as “leis imutáveis da natureza” percebia de forma direta sem nenhuma teoria o princípio dos fenômenos naturais, seja a elevação das marés em função dos ciclos lunares, a observação astronômica, a medicina natural das ervas e assim em diante.

Quem nos pode garantir que toda teoria é infalível, que todas fontes são fidedignas, que toda experiência se torna numa receita de bolo? Pois é, o lugar do pensar foi substituído pelo experimentar, apurar, investigar, e assim, o acadêmico vira apenas um analista de fontes, a imaginação e a liberdade de pensar, já não faz parte do seu viver, ele tem toda uma postura que deve ser obedecida segundo as regras da academia, como se fossem verdadeiros imortais e donos da verdade absoluta, rejeitando toda e qualquer nova perspectiva que não tenha qualquer aval dos seus superiores.

As grandes idéias e invenções geralmente são frutos de pensamentos e imaginações simples, porém, são os próprios acadêmicos que acabam inserindo complexidades naquilo que é simples por natureza. Para perceber que o cosmos é um sistema perfeito e organizado, basta sentir-se parte dele.


Kadu Santoro

domingo, 14 de março de 2010

Características da igreja do primeiro século segundo a carta de Plínio o Moço ao Imperador Trajano


Um dos maiores relatos históricos em que podemos encontrar algumas características sobre a igreja cristã do século I, foi a correspondência de Plínio o moço para Trajano a respeito dos cristãos no período da terceira perseguição imperial em torno do ano 110 DC.

A primeira característica observada foi a questão da fervorosidade da fé daqueles cristãos, onde mesmo sendo condenados e se reunindo escondidos, continuavam na mesma posição de fiéis, chegando a ponto de se submeterem ao martírio como uma questão de honra, tendo em vista que morrer fiel a Cristo era lucro.

A segunda característica que encontramos na carta é a formação litúrgica daquela comunidade, onde é relatado que eles ( cristãos ) reuniam-se cedo para poderem entoar hinos ( 1ª mensão sobre música no culto ) de louvor a Cristo e orarem em forma de juramento pedindo a Deus que não deixassem que viessem a pecar ou transgredir segundo as leis e mandamentos, como não roubar, cometer latrocínios, cometer adultérios etc.

A terceira característica descrita é sobre o comportamento deles em relação a comunhão e a ceia, onde eles se reuniam para ceiar juntos após as ordenanças uma refeição composta de pão e vinho de forma parecida com a santa ceia, demonstrando um grande espírito de união fraterna entre eles em torno de Cristo.

A quarta característica é a mensão sobre uma primeira formação de uma hierarquia eclesial e a participação de mulheres nas lideranças eclesiásticas, onde tinham participação ativa no culto, e eram chamadas de servidoras ou diaconisas.


Kadu Santoro

quarta-feira, 10 de março de 2010

A sacralidade do dia a dia


No nosso mundo ocidental, a relação com o sagrado, está muito ligada ao próprio espaço sagrado, ou seja, o templo, e também através de todas as formas de cultos e rituais. É claro que também, no mundo oriental, o sagrado se manifesta nos seus templos e tradições, porém, para as religiões orientais e diversas culturas indígenas, essa dinâmica com o sagrado é ampliada, de forma, que em todos os atos, gestos e manifestações diárias, o sagrado se faz presente.

A relação desses povos com a terra e a natureza, nos mostram claramente, que o sagrado se expande além das paredes dos templos, e se torna parte do dia a dia deles. Antes de tirarem até mesmo uma fruta de uma árvore, existe uma reverência em respeito a natureza, antes de entrarem num rio, ali também manifesta-se o relacionamento com o sagrado, e assim por diante. Essa dinâmica entre o homem e Deus ou os Deuses, dependendo da tradição religiosa, é cotidiana e natural. Essa experiência diária com o sagrado, revela uma grande expansão de consciência, numa esfera muito mais ampla da forma de se viver aqui nessa vida.

Nós ocidentais também podemos viver essa maravilhosa experiência do sagrado no nosso dia a dia, basta observarmos ao amanhecer, o milagre de despertarmos e em seguida, percebermos que em tudo que fazemos durante o dia, o sagrado se faz presente, seja na hora da comida, do trabalho, de levar os filhos na escola, num sorriso de uma criança, no ar de serenidade de um idoso, e principalmente quando nos damos conta de que tudo isso é real, criação perfeita, em total harmonia com o criador.

Essa experiência do sagrado no dia a dia, se torna nítida, quando percebemos que nada acontece por acaso, não existem conscidências, sim uma grande relação de tudo com o todo, mas é necessário, que para percebermos isso, estejamos totalmente desprendidos de qualquer objetividade, seja ela religiosa ou filosófica, se não, ao invés de vivermos a nossa própria experiência, vamos viver e nos enquadrar apenas dentro daqueles modelos pré estabelecidos pelas doutrinas.

Como disse o apóstolo Paulo “Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?” (I Co 6.19) percebemos que o espírito de Deus habita em cada um de nós, e isso é imanente e contínuo, logo, todas nossas ações, pensamentos, atos e palavras, passam pela experiência diária com o sagrado. Aquilo que chamamos de intuição, na verdade, é uma sintonia fina que estamos naquele momento com Deus, falando dentro de nós e para nós.

Depois que começamos a perceber que o sagrado se manifesta a todo momento, passamos a adquirir uma nova visão das coisas, tudo fica mais nítido, não há mais dúvidas e nem conscidências, apenas, um grande sentimento de amor universal, que nos envolve e nos faz transbordar, atingindo outras pessoas, e assim por diante.


Kadu Santoro

Padres do Deserto - Homens embriagados de Deus


O termo, Padres do Deserto inclui um grupo influente de eremitas e cenobitas do século IV que se estabeleceram no deserto egípcio. As origens do monaquismo oriental se encontram nessas ermidas primitivas e comunidades religiosas. Paulo de Tebas é o primeiro eremita do qual se tem notícia, a estabelecer a tradição do ascetismo e contemplação monástica e Pacômio de Tebaida é considerado o fundador do cenobitismo, do monasticismo primitivo. Ao final do terceiro século, contudo, o venerado Antão do Egito orienta colônias de eremitas na região central. Logo, ele se torna o protótipo do recluso e do herói religioso para a Igreja oriental - uma fama devida em grande parte à vasta louvação na biografia de Atanásio sobre ele. Esses primitivos monásticos atrairam um grande número de seguidores aos seus retiros austeros, através da influência de sua simples, individualista, severa e concentrada busca pela salvação e união com Deus. Os Padres do Deserto eram frequentemente solicitados para direção espiritual e conselho aos seus discípulos. Suas respostas foram gravadas e colecionadas num trabalho chamado "Paraíso" ou "Apotégmas dos Padres".

"Não mais temo a Deus, mas O amo."
Santo Antão, o grande


(Por Emily K. C. Strand, tradução Jandira)


http://www.padresdodeserto.net/index.html

sábado, 6 de março de 2010

Uma análise histórica sobre o fenômeno religioso


Ainda baseado no excelente trabalho de pesquisa de Paulo Dalgalarrondo em seu livro Religião, psicopatologia e saúde mental, continuarei colocando alguns trechos e misturando com meus comentários, desta vez numa análise histórica do pensamento humano acerca das religiões, através dos séculos:

Na Grécia antiga, Xenófanes (570-460 a.C.) foi um dos primeiros a formular uma análise crítica da religião, questionando a Divindade e o que dela se pode saber. Ele não afirma a inexistência dela, ao contrário, sugere que ela existe, mas é inalcançável pela mente humana. Para ele, o que os homens fazem nas suas religiões é nada mais do que projetar nos deuses suas vãs opiniões. Pode parecer um pensamento óbvio hoje, não para a época (basta ver os deuses grego-romanos e seus defeitos), mas, mesmo tendo em vista as religiões de hoje - que colocam Deus acima das concepções humanas - algumas doutrinas ainda carregam consigo traços dessa concepção antropormofizada de Deus, seja em adesivos de carro ("Deus é fiel") ou em passagens do Velho Testamento.

Entre os romanos, historiadores apontaram a relação entre crença religiosa e alienação, sobretudo política. Políbio (séc II a.C.) afirmava que, sendo as massas populares instáveis, cheias de paixões e ira irracional, devem ser contidas pelo medo do invisível, pelo temor aos deuses que os líderes políticos conseguem engendrar. Tito Lívio (59-19 a.C.), ao comentar sobre o organizador da religião romana (Numa), afirma que este sabia que "a melhor maneira de controlar um povo ignorante e simples é enchê-lo de medo dos deuses".

Vamos agora ao séc 19, onde analisaremos as religiões modernas.

Ludwig Feuerbach (1804-1872), ao analisar a religião cristã, trabalha com a noção de que Deus seria o interior do homem projetado para o exterior. Nesse processo de projeção do homem em Deus reside, para Feuerbach, uma alienação fundamental, pois, embora a religião seja a relação do homem consigo mesmo, ela é experienciada como uma relação do homem com outra coisa, externa a ele. Sua essência torna-se outro ser. A alienação será faltal, pois "para enriquecer Deus, o homem deve empobrecer-se; para que Deus seja tudo, o homem deve ser nada". Para Feuerbach, este seria o pecado fatal da religião cristã (e possivelmente de toda religião). O que é interessante notar é que, dentro do Novo Testamento, mais especificamente nas parábolas de Jesus, vemos o movimento de trazer Deus (ou o Divino) para dentro das relações sociais (Sermão da Montanha, parábola do bom samaritano, etc). Aliás, isso foi insistentemente colocado por Jesus, então não se pode dizer que é um pecado da doutrina cristã, mas talvez das religiões cristãs que se apossam da mensagem e a distorcem, especialmente inculcar culpa, medo e inferioridade, e assim conseguir controlar os fiéis.
Com base nisso Karl Marx (1818-1883) conclui que foi o "homem quem fez a religião, não foi a religião (ou Deus) que fez o homem", e desdenha a religião como "o ópio do povo".

Já Robertson Smith (1889) acreditava que a religião não é o produto de uma elaboração intelectual, e sim o fruto de uma cultura, de um conjunto de costumes, de uma organização comunitária que contrói e desenvolve seus ritos. Desse processo ritual se desenvolvem os mitos, ou seja, as legitimações ideológicas e as teorizações religiosas. Outra teoria evolucionista que ganhou grande influência na concepção científica da religião foi a de James George Frazer (1854-1941), que acreditava em três estágios da evolução da humanidade: magia, religião e, finalmente, no topo, a ciência. Segundo ele, a magia está na raiz de todas as religiões, e permanece como resquício quando a religião passa a dominar: "a religião consta de dois elementos, um teórico e outro prático, a saber, uma crença em poderes mais altos que o homem e uma tentativa deste para propiciá-los ou aproveitá-los". Vemos isso constatado na Umbanda, Candomblé e (quem diria) nas comunidades evangélicas mais populares, bastando ligar a TV pra ver a fogueira disso, a corrente de oração daquilo, o óleo sagrado daquilo outro, a rosa ungida e todos os talismãs e "poderes mágicos" (milagres) que Deus confere aos que estiverem naquele grupo.

No início do séc. XX, Emile Durkheim propõe uma nova compreensão da religião, definindo-a como "uma coisa eminentemente social", produto - e, mais importante, produtora - da sociedade. Como Feuerbach, Durkheim formula que os homens, ao adorarem os deuses, estão adorando a si mesmos. Entretanto, essa projeção-idealização se dá em um contexto coletivo, social. Todavia, a religião não representa a sociedade como ela é (real, concreta), mas sim de um modo ideal. Isso pode ser mais ou menos vislumbrado no judaísmo e no islamismo, pois são religiões que não se atém a uma geografia, nem mesmo a uma cultura regional, e sim a uma cultura religiosa (no caso do judaísmo ainda pesa o fator descendência). A teoria de Durkheim difere da de Marx porque não crê que a religião se limite a traduzir, em outra linguagem, "as formas materiais da sociedade e suas necessidades imediatas e vitais". A categoria do sagrado, essência da religião, relaciona-se à noção de força, de poder especial:

Acredita-se que ela (a religião) consiste em um sistema de idéias, exprimindo, mais ou menos adequadamente, um sistema de coisas. Mas esta característica da religião não é a única nem a mais importante. Antes de tudo, a religião supõe a ação de forças sui generis, que elevam o indivíduo acima dele mesmo, que o transportam para um meio distinto daquele no qual transcorre sua existência profana, e que o fazem viver uma vida muito diferente, mais elevada e mais intensa. O crente não é somente um homem que vê, que conhece coisas que o descrente ignora: é um homem que pode mais. (Durkheim, 1977)

Não é novidade nenhuma que a religião tem um papel transformador nas pessoas, que vencem desafios impostos pela classe social com dignidade e obstinação. Isso é chamado resilência, e pode ser conferido in loco por quem for ao Coque, uma enorme comunidade marginalizada pela violência, onde a ONG Neimfa (Núcleo Educacional dos Irmãos Menores de Francisco de Assis) se instalou e, através das religiões (católica, evangélica, espírita, budista, hinduísta e umbandista) e da ciência (psicólogos, médicos, professores), fornece suporte físico, psicológico e espiritual para mais de 300 famílias, com resultados visíveis.

Max Weber (1864-1920) tem uma visão mais pragmática e funcional da religião, imaginando-a não como um sistema de crenças, mas sim "sistemas de regulamentação da vida que reúnem massas de fiéis", voltando-se para o sentido que o ethos religioso atribui à conduta. Em seus textos Weber visa expor como as religiões geram ou constituem formas de ação e disposições gerais, relacionadas a determinados estilos de vida. Na análise do protestantismo, por exemplo, vemos essa relação, quando Lutero usa a palavra Beruf tanto pra se referir à vocação religiosa como ao trabalho secular (embora o autor diga que a afinidade do protestantismo com o espírito do capitalismo e do progresso como o entendemos hoje só remonta ao início do séc. XVIII). Assim, o pedreiro passa a servir a Deus construindo casas, o padeiro, fazendo pães, o comerciante, vendendo e comprando. Nessa linha, Deus não solicitava mais imagens ou templos ornados, mas determinada disposição em relação à vida cotidiana, à inserção e ao trabalho no mundo secular; trata-se do ascetismo intramundano, que nos lembra um pouco a filosofia zen budista de procurar estar dentro do mundo (não procurando algo fora dele), praticando sua religiosidade através das ações (mesmo as mais mundanas).

A ética protestante representa uma ruptura em relação à ética católica tradicional. A negação da devoção aos santos e seus milagres, a recusa a certos sacramentos e uma nova perspectiva de relação com o sagrado e com as ascese configuraram uma religiosidade menos ritualista e mágica e mais intelectualizada. O fiel protestante, racional, disciplinado e, fundamentalmente, previsível, é também o operário capitalista, necessariamente previsível e disciplinado. Assim, Weber busca articular o ethos religioso com o ethos econômico no decurso da história. Segundo ele, pra cada formação religiosa há tipos específicos de "comunalização religiosa" e de "autoridade". Dois tipos formulados por Weber são a "igreja" e a "seita". A igreja implica um certo projeto universalista, que a coloca para além de laços tribais, familiares ou étnicos, assim como um corpo sacerdotal profissional, dogmas e cultos fundamentados em escrituras sagradas que se racionalizam e se institucionalizam progressivamente. Já a "seita" diz respeito a tipos de associações voluntárias de fiéis, que se caracterizam por uma certa ruptura com a sociedade mais geral. Os fiéis não seguem "profissionais religiosos", mas autoridades carismáticas. Interessante notar como a Igreja católica entrou num movimento de reafirmação onde está cada vez mais distante da sociedade geral, admoestando os "católicos de fim de semana" e procurando valorizar os dogmas dentro de um núcleo doutrinário, excluindo o aculturamento... Quase uma seita.

Weber também se preocupa com as relações entre religiosidade e os diferentes grupos sociais. Assim, para as classes oprimidas politica, social ou economicamente, as crenças preferidas estariam relacionadas à possibilidade de "redenção" ou "compensação", enquanto as classes privilegiadas e dominantes buscam formas de religiosidade que permitam "legitimação" das relações sociais estabelecidas. O espiritismo cumpriu muito bem ambos os papéis no Brasil quando, em plena ditadura militar, foi bem aceito pelos dois lados (militares e a população oprimida pela ditadura).

Peter Berger (1985) acredita que os homens são congenitamente forçados a impor uma ordem sinificativa à realidade, e aí entra o sentido da religião, como um escudo contra o terror.

Em um certo nível, o antônimo de sagrado é o profano (...) Em um nível mais profundo, todavia, o sagrado tem outra categoria oposta, a do caos. (...) A oposição entre o cosmo e o caos é frequentemente expressa por vários mitos cosmogônicos. (...) Achar-se em uma relação "correta" com o cosmos sagrado é ser protegido contra o pesadelo das ameaças do caos.
Pode-se dizer que a religião desempenhou uma parte estratégica no empreendimento humano da construção do mundo. (...) A religião supõe que a ordem humana é projetada na totalidade do ser. Ou por outra, a religião é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo.

Sigmund Freud (1856-1939) vê a religião como uma ilusão infantil, um sistema de defesa socialmente contruído com o qual o homem lida com sua condição fundamental de desamparo e sentimentos ambíguos em relação à figura paterna. Freud, assim, ignora o sentimento de transcendência e resilência que a religião aparentemente proporciona, preferindo colocar a experiência religiosa de eternidade e fusão como o Todo como um sentimento que não teria origem transcendental, mas sim algo intelectual/afetivo, como um retorno à experiência primeva do bebê, fundido com sua mãe. Embora Freud reconheça a religiosidade como vivência humana importante, tende a considerá-la derivada de outras experiências, não sendo, assim, uma experiência primária. Já a relação do Homem com Deus é apenas a projeção da relação com o pai (a imago paterna). Daí as relações intensas e ambíguas que surgem, como o Pai/Deus poderoso, dominante, protetor, onipresente, punitivo, odiado, vítima do ódio dos filhos e redentor.

Já Erik Erikson (1902-1994) relaciona a religião com a imago materna, ou seja, a experiência primeva com a mãe, a separação e a tentativa sempre recorrente de reencontro.

Carl Gustav Jung (1875–1961), como sempre, vai além do seu mestre e postula a religiosidade como elemento natural do psiquismo humano, uma parte constitutiva e essencial da natureza do próprio homem. Dessa forma, a religiosidade seria, por assim dizer, um instinto. Mas isso não quer dizer que as representações de Deus e dos elementos sagrados de cada cultura não sejam fenômenos socialmente construídos, mas sim baseadas num fundamento religioso humano universal.

Quando, por exemplo, a psicologia se refere à concepção da virgem, trata apenas do fato de que existe essa idéia, mas não da questão de estabelecer se essa idéia é verdadeira ou falsa em determinado sentido. A idéia é psicologicamente verdadeira na medida mesma em que existe.

O pressuposto da existência de deuses e demônios invisíveis é, na minha opinião, uma formulação do inconsciente psicologicamente adequada, embora se trate de uma projeção antropomórfica. (...) tudo quanto se acha fora, quer seja de caráter divino ou demoníaco, deve retornar à alma, ao interior desconhecido do homem, de onde aparentemente saiu.

Não é Deus que é um mito (como podem sugerir as ciências), mas o mito que é a revelação de uma vida divina no homem. Não somos nós que inventamos o mito, é ele que nos fala como Verbo de Deus.

Mas, para Jung, nem tudo na religiosidade é expressão dos recônditos da alma humana. Determinadas crenças, dogmas e ritos podem ser, de fato, recursos sociais protetores contra a experiência religiosa originária, imediata e, potencialmente, avassaladora:

A experiência imediata do arquétipo da divindade representa um impacto tão violento que o ego corre o perigo de desintegrar-se. Com os meios de defesa face a esses poderes, a essas existências mais fortes, o homem criou os rituais. Poucos são aqueles capazes de aguentar impunemente a experiência do numinoso. As cerimônias religiosas coletivas originam-se de necessidades de proteção, funcionam como anteparos entre o divino e o humano, isto é, entre o arquétipo da imagem de Deus - presente no inconsciente coletivo - e o ego.

Como vimos, a religião cumpre os mais diversos (e importantes) papéis na humanidade. Ela é social, é psíquica, é estruturadora, reguladora, é instintiva, projetiva, espelhada, transformadora, é cultural, espiritual, etc. Todos os pensadores acima não conseguiram englobar a multitude de aspectos da religião em uma teoria, mas a soma deles nos dá uma boa idéia de como precisamos encarar com respeito a religiosidade, não no aspecto do outro, mas de nós mesmos (que aspecto dela estamos trabalhando em nós nesse momento?).


http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2009/01/analise_das_rel.html

sexta-feira, 5 de março de 2010

A BÍBLIA JUSTIFICA A VIOLÊNCIA? John J. Collins


O renomado biblista John J. Collins levanta questões incômodas sobre a relação entre os relatos de violência na Bíblia, e como eles tem Sido usados ao longo da história. Os cruzados, os puritanos, os Abolicionistas, os terroristas do atentado às Torres Gêmeas, em 11 de setembro de 2001, todos Tiveram motivação religiosa em seus atos e usaram os Textos Sagrados para justificar a violência, e esse processo continua. Levando em conta uma retórica religiosa e política de hoje, como devemos interpretar os documentos antigos? Como podemos entender as histórias bíblicas, como profecias e os cânticos em seus respectivos contextos históricos? Como fazer Evitar uso violento deles?

"A Bíblia contribuiu para a violência no mundo precisamente porque se considerava que ela conferia um grau de certeza que transcende toda a discussão e argumentação humana. Talvez a coisa mais construtiva que um crítico bíblico pode fazer para Diminuir a contribuição da Bíblia para a violência no mundo é mostrar que tal certeza é uma ilusão. " John J. Collins

John J. Collins lecionou nas universidades de Chicago e de Notre Dame, e atualmente é Holmes, professor de Crítica e Interpretação do Antigo Testamento na Universidade de Yale. PhD pela Universidade de Harvard, é autor de Numerosos artigos e livros, além de editor do jornal para o estudo do judaísmo e do Dead Sea Discoveries Journal.


COLLINS, John J. A Bíblia justifica a violência? Tradução Walter Eduardo Lisboa, Coleção Bíblia na mão do povo, Paulinas, SP, 2006